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Estágio de Direito: Sala de aula ou campo de batalha?

O artigo traz uma discussão acerca da importância do estagio na vida do acadêmico.

sexta-feira, 26 de setembro de 2025

Atualizado às 09:03

Para o acadêmico de Direito, o estágio profissional é a aguardada travessia da ponte que conecta o universo teórico dos manuais à realidade pulsante da advocacia. No entanto, a natureza dessa jornada suscita um debate fundamental: estamos diante de uma extensão natural da sala de aula, onde o conhecimento é aprimorado, ou de um verdadeiro campo de batalha, no qual o estudante é lançado para "aprender na marra"?

Nas universidades, o estudante é imerso em um ambiente de rigor dogmático. A rotina consiste em memorizar conceitos, decifrar correntes doutrinárias e analisar a lógica cristalizada na jurisprudência. O vade mecum debaixo do braço parece um escudo contra todas as intempéries.

O choque de realidade no estágio, contudo, é imediato e, por vezes, brutal. O acadêmico rapidamente descobre que o Código não caminha sozinho. Ele se depara com a inércia de um cartório que ignora prazos, com a narrativa calculadamente distorcida da parte que busca vantagem e com a decisão judicial que, embora fundamentada, desafia toda a lógica que parecia inabalável nos livros. A teoria, antes soberana, agora precisa disputar espaço com a complexidade humana e burocrática.

O dilema do estagiário: Formação ou mão de obra?

Nesse cenário, emerge uma perigosa dualidade nas experiências de estágio. De um lado, encontramos o "estagiário invisível", reduzido a um mero digitador de petições ou, pior, a um operador de "copia e cola" de modelos prontos. Ele se torna uma peça anônima em uma engrenagem automática, distante do raciocínio jurídico que o levou até ali.

Do outro lado, há o estagiário que é verdadeiramente mentorado: participa de reuniões com clientes, acompanha audiências e é convidado a colaborar na construção de estratégias processuais. Essa abissal desigualdade de vivências impõe uma questão inevitável: o estágio tem sido, de fato, uma ferramenta de formação ou apenas uma forma de acesso à mão de obra barata, travestida de oportunidade acadêmica?

A lapidação pela realidade

Ainda que o caminho seja árduo, é precisamente no estágio que o aluno encontra a advocacia em sua forma mais viva e visceral. Essa imersão é crucial não apenas para o desenvolvimento de competências para a advocacia, mas também como um divisor de águas vocacional, que o força a decidir se este é, de fato, o caminho a ser trilhado.

A sala de aula não ensina a gerir a angústia de um cliente que vê seu patrimônio em risco, tampouco prepara para a imprevisibilidade de uma liminar. É essa vivência, por mais dura que seja, que lapida a postura profissional. Ela ensina que o Direito é muito mais do que a aplicação da lei: é gestão de expectativas, pensamento estratégico e, em muitos momentos, a arte do improviso inteligente.

Conclusão: Um laboratório para a advocacia real

Afinal, o estágio é sala de aula ou campo de batalha? A resposta mais honesta é: ambos. E precisa ser. Ele não pode prescindir da solidez teórica da academia, mas também não deve ser reduzido a trabalho mecânico ou a tarefas que desrespeitam as atribuições firmadas no termo de estágio.

Cabe às instituições de ensino, em seu papel fiscalizador, e aos escritórios e departamentos jurídicos, como formadores, a responsabilidade de repensar este espaço. O estágio deve ser encarado como um verdadeiro laboratório da advocacia - um ambiente controlado onde o estudante pode errar, acertar e, acima de tudo, aprender a ser o advogado que a sociedade complexa do século XXI exige

Matheus Ruffo

Matheus Ruffo

Estudante de Direito da PUC Campinas | Assistente no Gabinete da Dirigente Regional de Ensino na Unidade Regional de Ensino Campinas Oeste

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