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Crise da imparcialidade na Justiça criminal brasileira

A justiça criminal abrange todas as etapas do processo criminal, desde a investigação, a condenação e a aplicação de penas, até a ressocialização dos indivíduos.

segunda-feira, 22 de setembro de 2025

Atualizado às 10:38

A justiça criminal é o sistema de instituições e práticas que visam controlar o crime, reduzir a criminalidade e impor sanções àqueles que violam as leis. Ela abrange todas as etapas, desde a investigação de um crime, a prisão de suspeitos, o processo judicial, a condenação e a aplicação de penas, até a ressocialização dos indivíduos. Os principais componentes da justiça criminal incluem a polícia (responsável pela investigação e aplicação da lei), o Ministério Público (responsável pela acusação), o Poder Judiciário (responsável pelo julgamento e aplicação da lei) e o sistema prisional (responsável pela custódia e reabilitação dos condenados). O objetivo central é garantir a ordem social, proteger os direitos dos cidadãos e assegurar que a lei seja aplicada de forma justa e equitativa.

O sistema de justiça criminal brasileiro tem sido, há anos, alvo de críticas e preocupações, tanto a nível nacional quanto internacional. Relatórios e rankings globais frequentemente o posicionam entre os piores do mundo em termos de Estado de Direito, com destaque para a alarmante falta de imparcialidade do Judiciário. Os dados mais recentes do WJP - World Justice Project apenas reforçam essa percepção, pintando um quadro sombrio que exige atenção e ação urgentes.

O cenário atual: Brasil em posição crítica (2024)

Em 2024, o Brasil ocupa a 80ª posição entre 142 países no Índice Geral do Estado de Direito do World Justice Project. No entanto, é ao aprofundar a análise no fator 'Justiça Criminal' (Fator 8) que a situação se torna mais preocupante. O país figura na 113ª posição global neste fator, com uma pontuação de 0.33. Dentro da Justiça Criminal, o subfator 'Sistema criminal é imparcial' (8.4) é onde o Brasil atinge seu ponto mais baixo, com uma classificação de 141ª entre 142 nações, superando apenas a Venezuela. Isso significa que, em termos de imparcialidade, a justiça criminal brasileira é considerada uma das menos confiáveis do mundo.

Os dados de 2024 para o Brasil no fator Justiça Criminal (Fator 8) são os seguintes:

  • Pontuação Geral de Justiça Criminal: 0.33 (113º de 142);
  • Sistema de investigação criminal é eficaz (8.1): 112º de 142;
  • Sistema de julgamento criminal é oportuno e eficaz (8.2): 135º de 142;
  • Sistema correcional é eficaz na redução do comportamento criminoso (8.3): 128º de 142;
  • Sistema criminal é imparcial (8.4): 141º de 142;
  • Sistema criminal é livre de corrupção (8.5): 63º de 142;
  • Sistema criminal é livre de influência governamental indevida (8.6): 55º de 142;
  • Devido processo legal e direitos do acusado (8.7): 114º de 142.

A piora da imparcialidade: 2021 vs. 2024

A situação da imparcialidade na justiça criminal brasileira não é nova, mas tem se deteriorado. Em 2021, o Brasil já apresentava um desempenho preocupante, ocupando a 112ª posição entre 139 nações no fator geral de Justiça Criminal. No subfator 'Sistema criminal é imparcial' (8.4), o país estava na 138ª posição entre 139, com uma pontuação de 0.14. Em 2024, essa pontuação caiu para 0.10, e a posição para 141ª de 142. Essa queda, mesmo com um aumento no número total de países avaliados, indica uma piora relativa e absoluta na percepção da imparcialidade.

As raízes do problema: Discriminação e seletividade

A falta de imparcialidade, conforme apontado pelo WJP, não é um problema isolado, mas sim um sintoma de questões mais profundas, como práticas discriminatórias e seletividade endêmica. Diversos estudos e relatórios, inclusive do próprio CNJ e da ONU no Brasil, evidenciam como o sistema de justiça criminal opera com vieses que afetam desproporcionalmente grupos sociais específicos, como a população negra e pessoas em situação de vulnerabilidade social. O racismo estrutural, o perfilamento racial e os estereótipos influenciam desde a abordagem policial até as decisões judiciais, resultando em uma aplicação desigual da lei.

A seletividade penal, por sua vez, manifesta-se na criminalização de condutas e indivíduos de acordo com sua posição social, enquanto outros, muitas vezes em posições de poder, são poupados ou beneficiados por brechas legais e privilégios. Isso mina a confiança da população no sistema, perpetua ciclos de violência e injustiça, e fragiliza o próprio Estado de Direito.

Consequências e caminhos para a mudança

As consequências de um sistema de justiça criminal parcial são devastadoras: erosão da confiança pública, violação de direitos humanos, manutenção da desigualdade social e ineficácia no combate à criminalidade. Para reverter esse cenário, é fundamental que o Brasil adote medidas concretas e abrangentes. Isso inclui a implementação de políticas de combate ao racismo e à discriminação em todas as esferas do sistema de justiça, a capacitação de agentes públicos para atuar com imparcialidade, a revisão de práticas que geram seletividade, e o fortalecimento dos mecanismos de controle externo e transparência.

A sociedade civil, a academia e os próprios operadores do Direito têm um papel crucial em cobrar e promover essas mudanças. A melhoria da imparcialidade não é apenas uma questão de justiça social, mas um pilar essencial para a construção de um Estado de Direito robusto e democrático, onde todos sejam verdadeiramente iguais perante a lei. A posição do Brasil nos rankings do World Justice Project serve como um doloroso, mas necessário, lembrete de que há um longo caminho a percorrer.

ILNAH TOLEDO AUGUSTO

ILNAH TOLEDO AUGUSTO

Pós doutoranda, Doutora e Mestre em Direito. Advogada atuante Direito Constitucional e trabalhista. Professora e Coordenadora do NPO - Núcleo Preparatório Ordem e docente.

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