Inadimplemento contratual: Conceito, classificação e remédios
Diante do inadimplemento do contrato, o credor dispõe de remédios contratuais. O artigo detalha o conceito, as classificações do descumprimento e os critérios para a escolha do remédio adequado.
segunda-feira, 22 de setembro de 2025
Atualizado às 14:26
1. Introdução
É lugar comum no estudo dos contratos a constatação de que estes nem sempre serão cumpridos. A pluralidade de deveres que surgem do vínculo contratual revela que a noção de inadimplemento não se restringe ao não cumprimento da prestação principal, mas abrange qualquer violação de dever obrigacional exigível - seja uma obrigação principal, secundária ou lateral.
Ainda, para a caracterização do descumprimento contratual, é necessário que a violação da obrigação seja imputável ao devedor, portanto, que "A" possa impor o dever a "B". Nesse sentido, a professora Renata Steiner explica que a imputação é o que distingue o inadimplemento contratual de outras hipóteses em que, embora não haja cumprimento da obrigação, também não se configura o descumprimento contratual - como, por exemplo, no caso de impossibilidade superveniente da prestação por motivo alheio à vontade do devedor (art. 234 do CC).1
2. Conceito e classificação do inadimplemento
Superada essa distinção, cabe notar que o inadimplemento pode se manifestar por conduta omissiva ou comissiva, a depender da natureza da obrigação. Tradicionalmente, elas se classificam em três modalidades: (i) dar, (ii) fazer; e (iii) não fazer. As duas primeiras se configuram quando o devedor se abstém indevidamente de cumprir o pactuado, ao passo que a última se configura quando há conduta positiva em desrespeito ao dever de abstenção.
Nessa linha, o inadimplemento imputável ao devedor pode ser classificado, segundo a doutrina majoritária, em absoluto ou relativo2. Vejamos:
- Inadimplemento absoluto: ocorre quando a obrigação é descumprida em sua integralidade, de modo que o credor não recebe a prestação a que o devedor se comprometeu - seja de dar, fazer ou não fazer - ou, ainda, quando mesmo havendo a possibilidade material de seu cumprimento, resta caracterizada a perda do interesse objetivo do credor em recebê-la.
- Inadimplemento relativo: ocorre quando a obrigação é cumprida de forma imperfeita - seja parcialmente ou em desacordo com o pactuado, ou, ainda, quando não é cumprida no prazo ajustado, mas o credor ainda tem interesse na prestação e o cumprimento continua possível.
Assim, nota-se que a diferença principal entre o inadimplemento absoluto e o relativo repousa no binômio possibilidade-interesse. Quando houver um desinteresse do credor na prestação ou a impossibilidade de execução pelo devedor, o inadimplemento passa a ser absoluto. Contudo, enquanto a prestação ainda puder ser cumprida e conservar utilidade para o credor, configura-se apenas o inadimplemento relativo, caracterizada por uma inexecução temporária.3
3. Remédios à disposição do credor
Isso posto, uma vez caracterizado o inadimplemento contratual (absoluto ou relativo), o ordenamento jurídico coloca à disposição do credor certas medidas, também conhecidas como remédios contratuais. São elas:
I. Cumprimento específico da obrigação: o ordenamento jurídico assegura ao credor o direito de manter o vínculo contratual e exigir o cumprimento da obrigação na forma originalmente pactuada. Essa tutela específica, prevista no art. 475 do CC e reforçada pelos arts. 497 a 501 do CPC, garante que a prestação seja realizada tal como ajustada no contrato (in natura);
II. Cumprimento da obrigação pelo equivalente: o ordenamento jurídico assegura ao credor o direito de manter o vínculo contratual e exigir a substituição da obrigação devida pelo resultado prático equivalente ou pelo pagamento do equivalente monetário4 (nessa última hipótese, o credor é ressarcido por meio do pagamento do valor correspondente à obrigação inadimplida); e
III. Resolução do contrato: o ordenamento jurídico assegura ao credor o direito de extinguir o vínculo contratual, com o retorno das partes ao status quo ante, ou seja, com a restituição das partes à situação em que estavam antes da celebração do contrato, nos termos do art. 475 do CC.
Ademais, é importante destacar que os três referidos remédios contratuais poderão ser cumulados com indenização por perdas e danos, a fim de assegurar a reparação integral dos prejuízos sofridos pelo credor.
Contudo, a escolha entre esses remédios dependerá, basicamente, de dois critérios principais: a possibilidade de cumprimento da obrigação e o interesse do credor em seu cumprimento.5
Primeiro, avalia-se se a obrigação ainda pode ser cumprida. Se a prestação se tornou impossível de forma definitiva, não há como exigir o cumprimento específico, abrindo espaço para outros remédios como a execução pelo equivalente ou a resolução. Se o cumprimento ainda é possível, passa-se ao segundo critério: se o credor ainda tem interesse no cumprimento.
O interesse do credor pode se perder de duas formas: pela inutilidade do cumprimento extemporâneo, quando a prestação fora do tempo já não atende à finalidade contratual a que o credor desejou, ou pela gravidade do descumprimento em relação à relação obrigacional, quando a quebra é tão significativa que elimina a confiança ou a utilidade do contrato como um todo, como por exemplo: o credor "ainda tem interesse no recebimento do maquinário adquirido, mas prefere buscar outro parceiro contratual a manter a relação com um devedor contumaz" (STEINER, 2021, p. 312) .
Assim, a escolha do remédio - cumprimento específico, cumprimento pelo equivalente ou resolução do contrato - decorre da análise objetiva desses dois elementos, garantindo que a solução adotada realmente satisfaça o direito lesado.
4. Conclusão
O estudo do inadimplemento contratual demonstra que a violação de um contrato não se limita apenas ao não cumprimento da obrigação principal, mas abrange qualquer dever obrigacional imputável ao devedor. A distinção entre o inadimplemento absoluto e o relativo é fundamental para a análise do caso concreto, pois ela diferencia as situações em que o cumprimento se tornou inviável ou inútil para o credor (inadimplemento absoluto) daquelas em que a obrigação ainda pode ser cumprida (inadimplemento relativo).
Diante do descumprimento contratual, o sistema jurídico oferece ao credor um conjunto de remédios: o cumprimento específico, o cumprimento pelo equivalente e a resolução do contrato. A escolha da medida adequada depende da análise de dois critérios: a possibilidade de cumprimento da obrigação e o interesse objetivo do credor em seu adimplemento. Em qualquer uma das hipóteses, os remédios podem ser cumulados com o pedido de indenização por perdas e danos, a fim de garantir a reparação integral dos prejuízos sofridos.
Por fim, a disciplina do inadimplemento contratual estabelece um sistema legal que visa proteger o credor e, ao mesmo tempo, garantir a eficácia do vínculo obrigacional.
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1 Steiner, Renata C. Descumprimento contratual: remédios à disposição do credor lesado. In: TERRA, Aline de Miranda Valverde; GUEDES, Gisela Sampaio da Cruz (Coord.). Inexecução das obrigações: pressupostos, evolução e remédios. Rio de Janeiro: Processo, 2021. v. II. p. 305 e 306
2 Embora a doutrina frequentemente utilize as expressões inadimplemento absoluto e inadimplemento relativo, o Código Civil não adota essa terminologia. A lei trata apenas do "inadimplemento" e da "mora" (arts. 389 a 401 do CC), que correspondem, respectivamente, ao que a doutrina denomina inadimplemento absoluto e relativo.
3 Martins, José Eduardo Figueiredo de Andrade. Inadimplemento eficiente do contrato. Orientador: Eduardo Tomasevicius Filho. 2019. Tese (Doutorado - Programa de Pós-Graduação em Direito Civil - Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, 2019. p. 161)
4 Na lição de Giovanni Ettore Nanni: "Portanto, o ressarcimento pode ser realizado não somente por meio do pagamento do equivalente monetário, mas também com a prestação de uma coisa ou uma atividade, que resulte adequada, à luz da situação de fato, a eliminar as consequências danosas do fato lesivo." (Nanni, Giovanni Ettore. Inadimplemento absoluto e resolução contratual: requisitos e efeitos. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021. E-book, RB-3.2)
5 Embora a doutrina frequentemente utilize a terminologia "(im)possibilidade" de cumprimento da obrigação e "(des)interesse" do credor em seu adimplemento, o CC não adota essa terminologia. A lei trata de "não cumprimento" da obrigação (arts. 389 e 475 do CC) e "inutilidade" da prestação para o credor (art. 395, parágrafo único, do CC).


