Setembro Verde: Inclusão social da pessoa com deficiência
A campanha reforça a importância da inclusão de pessoas com deficiência, destacando barreiras físicas, tecnológicas e atitudinais, e o impacto do capacitismo no trabalho e na sociedade.
segunda-feira, 22 de setembro de 2025
Atualizado às 10:54
Setembro Verde.
Mais uma campanha para conscientização de direitos das pessoas com deficiência.
Usualmente, as empresas continuam se preocupando com a "lei de cotas", com a busca por candidatos e em como inserir a pessoa com deficiências e outros assuntos relacionados ao tema que são mais usuais aos RHs. Mas a busca por candidatos e a possibilidade de sua contratação derivam de outras condições que devem ser providas, especialmente, pelo Estado, como a educação de qualidade a todos os cidadãos.
Sem educação e formação, inclusive profissionalizante, a inserção fica prejudicada.
As empresas podem atuar além das cotas?
Sim, e há muito o que se fazer.
A LBI1 - lei brasileira de inclusão trata de vários direitos, especialmente os fundamentais, como direito à educação ou à moradia. Cabe aos Estados e à sociedade proverem condições de exercício desses direitos.
Ela traz alguns conceitos que vou usar hoje para esse tema e, dentre eles, os mais importantes para atuação empresarial são:
I - Acessibilidade: Possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, de espaços, mobiliários, equipamentos urbanos, edificações, transportes, informação e comunicação, inclusive seus sistemas e tecnologias, bem como de outros serviços e instalações abertos ao público, de uso público ou privados de uso coletivo, tanto na zona urbana como na rural, por pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida;
IV - Barreiras: Qualquer entrave, obstáculo, atitude ou comportamento que limite ou impeça a participação social da pessoa, bem como o gozo, a fruição e o exercício de seus direitos à acessibilidade, à liberdade de movimento e de expressão, à comunicação, ao acesso à informação, à compreensão, à circulação com segurança, entre outros.
A acessibilidade, de forma simplista e geral, seria composta das medidas para destruir ou minimizar barreiras.
E quais são essas barreiras, segundo a lei?
1. Barreiras urbanísticas: As existentes nas vias e nos espaços públicos e privados abertos ao público ou de uso coletivo;
2. Barreiras arquitetônicas: As existentes nos edifícios públicos e privados;
3. Barreiras nos transportes: As existentes nos sistemas e meios de transportes;
4. Barreiras nas comunicações e na informação: Qualquer entrave, obstáculo, atitude ou comportamento que dificulte ou impossibilite a expressão ou o recebimento de mensagens e de informações por intermédio de sistemas de comunicação e de tecnologia da informação;
5. Barreiras atitudinais: Atitudes ou comportamentos que impeçam ou prejudiquem a participação social da pessoa com deficiência em igualdade de condições e oportunidades com as demais pessoas;
6. Barreiras tecnológicas: As que dificultam ou impedem o acesso da pessoa com deficiência às tecnologias.
Só nessa lista, já há muito que as empresas podem fazer em seu ambiente de trabalho para a acessibilidade das pessoas com deficiência.
Mas hoje vou falar de um tema relacionado à inclusão social, que acredito ser o mais importante, pois ele pode ser inconsciente ou ser encoberto como "politicamente correto", e no que, eu entendo, estão inseridas nas abarreiras atitudinais.
Estou falando do capacitismo.
No site do gov.br, em 2024,2 foi apresentada uma cartilha sobre o tema. A apresentação demonstrava que o capacitismo é a discriminação contra pessoas com deficiência, manifestada por meio de tratamentos, comunicações e barreiras que limitam seus direitos. Em 2023, o Disque 100 registrou 394.482 violações contra esse público, um aumento de 50% em relação a 2022. Entre as denúncias, as mais comuns incluem negligência, riscos à saúde, maus-tratos e tortura psíquica.
Na reportagem do site Retina Brasil3, vemos que o capacitismo é a discriminação contra pessoas com deficiência que surge da ideia de que corpos e mentes "normais" são superiores. E o capacitismo impede a acessibilidade plena, pois é um preconceito que cria barreiras que dificultam a inclusão e autonomia dessas pessoas4.
Não é um problema simples, como se vê da reportagem, mas sim um problema estrutural que determina quem pode participar plenamente da sociedade, afetando leis, educação, trabalho, acessibilidade e a linguagem utilizada na sociedade.
Há várias formas de capacitismo, como mostra a reportagem. Delas, eu trago as que são mais ligadas ao ambiente de trabalho, mas olhe todas no link do rodapé.
Capacitismo estrutural:
- Presente nas instituições e na sociedade;
- Reflete a falta de acessibilidade em espaços públicos, trabalho, educação e serviços. Exemplo: falta de rampas e pisos táteis em prédios públicos.
Capacitismo no trabalho:
- Questões sobre a capacidade profissional de pessoas com deficiência.
- Evitar suposições negativas sobre habilidades.
- Promover a valorização das habilidades de todos.
A acessibilidade é um direito, não um favor
O Site Diário PCD5 traz uma pesquisa que relaciona saúde mental e deficiência. Capacitismo gera, além de tudo, transtornos mentais nas pessoas com deficiência.
A reportagem mostra um estudo efetuado na campanha do "Janeiro Branco", como parte da campanha sobre saúde mental por vários institutos. Nela, o estudo revela como o capacitismo afeta a saúde mental de pessoas com deficiência e neurodivergentes no trabalho. Conforme a pesquisa, 84% desses trabalhadores relataram que ações capacitistas impactaram sua saúde mental.
A pesquisa traz dados assustadores:
- 9 em cada 10 pessoas na força de trabalho já foram vítimas de capacitismo.
- 84% dos profissionais atingidos estavam empregados na época do ocorrido.
- Apenas 35% relataram o capacitismo à empresa.
- Entre os que relataram, 40% não se sentiram respeitados ou acolhidos.
- 65% não relataram devido a: medo de demissão ou retaliação (38%); crença de que não faria diferença (29%)
Você já pensou em como há frases que todos nós já falamos alguma vez sem nenhuma reflexão prévia? A cartilha do min. de Direitos Humanos e da Cidadania traz algumas delas6:
Deu para ver que há muito a ser feito, não?
Mas tudo começa com educação e informação.
Então, compartilho algumas dicas iniciais:
1. Conheça o tema e trate dele sempre, não só em campanhas. Veja que tipo da capacitação será mais bem aplicada para sua realidade;
2. Analise seu ambiente de trabalho e o quanto ele é acessível, e não o torne acessível só por multas ou penalidades - até criminais -, que estão na LBI, mas por uma mudança de cultura e responsabilidade social para além do marketing;
3. Pense nele ao escrever seu código de ética e de conduta;
4. Pense nele ao criar seus canais de denúncia (já vi uns bem inacessíveis);
5. Trata disso sempre e sempre.
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1 https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm
2 https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2024/janeiro/capacitismo-o-que-e-como-combater-e-por-que-e-tao-importante-falar-sobre-o-tema
3https://retinabrasil.org.br/dia-a-dia-com-a-doenca/capacistismo/#:~:text=O%20capacitismo%20perpetua%20a%20exclus%C3%A3o,%2C%20trabalho%2C%20sa%C3%BAde%20e%20lazer.
4 https://retinabrasil.org.br. Idem.
5 https://diariopcd.com.br/pesquisa-revela-que-84-dos-profissionais-com-deficiencia-tiveram-saude-mental-abalada-por-capacitismo-no-ambiente-corporativo/
6 https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2024/janeiro/Guia_Capacitismo_03_11_23.pdf
Maria Lucia Benhame
Sócia-fundadora da banca Benhame Sociedade de Advogados. Graduada em Direito pela Universidade de São Paulo - USP e pós graduada em Direito e Processo do Trabalho pela mesma instituição.


