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ECA Digital: Novas regras para a proteção de crianças e adolescentes

A lei 15.211/25, o ECA Digital, redefine as responsabilidades de empresas, pais, escolas e Conselho Tutelar na proteção de crianças e adolescentes no ambiente digital. Saiba o que muda.

terça-feira, 23 de setembro de 2025

Atualizado às 10:39

Introdução: O advento do Estatuto Digital da Criança e do Adolescente

A promulgação da lei 15.211, de 17/9/25, conhecida como o ECA Digital - Estatuto Digital da Criança e do Adolescente, representa um marco legislativo de fundamental importância para a sociedade brasileira. Em um cenário de crescente digitalização e imersão de jovens em plataformas online, a nova lei surge como resposta à necessidade de atualizar e fortalecer os mecanismos de proteção infantojuvenil, estendendo ao ambiente virtual os princípios já consagrados no Estatuto da Criança e do Adolescente (lei 8.069/90).

O ECA Digital estabelece um novo paradigma ao definir responsabilidades claras para os diversos atores envolvidos no ecossistema digital, desde as grandes empresas de tecnologia até pais, escolas e o Conselho Tutelar. Seus pilares são a proteção integral, a prevalência do melhor interesse da criança e do adolescente e a garantia de um desenvolvimento biopsicossocial seguro, livre de violência, exploração e outras formas de violação de direitos.

Implicações para as empresas de tecnologia

O novo diploma legal impõe uma série de deveres às empresas que oferecem produtos ou serviços de tecnologia da informação no Brasil, mesmo que sediadas no exterior. A principal diretriz é a adoção de uma postura proativa na proteção de seus usuários mais jovens, o que se traduz em obrigações concretas:

  • Prevenção e mitigação de riscos: Os arts. 5º e 6º do ECA Digital determinam que as empresas devem, desde a concepção de seus produtos, implementar medidas para prevenir e mitigar riscos como o acesso a conteúdo pornográfico, a exploração e o abuso sexual, a violência, o cyberbullying e a incitação a práticas autolesivas. Isso exige investimentos em moderação de conteúdo, sistemas de denúncia eficazes e cooperação com as autoridades.
  • Privacidade por padrão (Privacy by Default): O art. 7º estabelece que as configurações de privacidade devem ser, por padrão, as mais restritivas possíveis, garantindo o mais elevado grau de proteção aos dados pessoais de crianças e adolescentes. A coleta e o tratamento de dados para fins de publicidade direcionada ou outras finalidades comerciais passam a depender de consentimento parental específico e destacado.
  • Verificação de idade: Para o acesso a conteúdos ou serviços inadequados para menores de 18 anos, o art. 9º exige a implementação de mecanismos eficazes de verificação de idade, vedando a simples autodeclaração. Trata-se de um dos maiores desafios tecnológicos e operacionais impostos pela lei, que demandará soluções inovadoras e seguras.

O papel dos pais e responsáveis na era digital

O ECA Digital reforça o dever de cuidado ativo e contínuo dos pais e responsáveis, conforme o parágrafo único do art. 3º. A lei reconhece que a proteção no ambiente digital não é uma tarefa exclusiva do Estado ou das empresas, mas uma responsabilidade compartilhada. Nesse sentido, os pais são instados a:

  • Exercer a supervisão parental: A utilização de ferramentas de controle parental, que permitem limitar o tempo de uso, filtrar conteúdos e monitorar as atividades online dos filhos, é incentivada e respaldada pela nova legislação.
  • Promover o diálogo e a orientação: Mais do que simplesmente proibir, os pais devem orientar seus filhos sobre os riscos e as oportunidades do mundo digital, construindo uma relação de confiança que favoreça a comunicação sobre eventuais problemas.
  • Assumir a responsabilidade civil: A lei não isenta os pais da responsabilidade civil por atos ilícitos praticados por seus filhos no ambiente digital, o que reforça a importância do acompanhamento e da educação para o uso ético e responsável da tecnologia.

A escola como agente de educação digital

O ECA Digital reconhece o papel estratégico da escola na formação de cidadãos digitais conscientes e críticos. O inciso VIII do artigo 4º destaca a promoção da educação digital como um dos fundamentos para a utilização de produtos e serviços de tecnologia por crianças e adolescentes. Isso implica a necessidade de:

  • Inclusão curricular: As escolas devem incorporar em seus projetos pedagógicos temas como cidadania digital, segurança online, combate à desinformação e desenvolvimento de pensamento crítico em relação ao conteúdo consumido na internet.
  • Parceria com as famílias: A promoção de palestras, workshops e outras atividades de conscientização para pais e alunos é fundamental para criar uma cultura de segurança e bem-estar no ambiente digital, fortalecendo a parceria entre escola e família.

Os desafios do Conselho Tutelar no cenário digital

O Conselho Tutelar, órgão essencial na defesa dos direitos da criança e do adolescente, tem suas atribuições ampliadas para o universo digital. Os conselheiros tutelares precisarão lidar com novas formas de violência e violações de direitos, como o cyberbullying, o assédio online e a exploração sexual em plataformas digitais. Para tanto, será necessário:

  • Capacitação contínua: A formação dos conselheiros deverá incluir módulos específicos sobre direito digital, segurança da informação e as novas dinâmicas de violência no ambiente online.
  • Articulação com a nova autoridade administrativa: O ECA Digital prevê a criação de uma autoridade administrativa autônoma para fiscalizar a aplicação da lei (art. 2º, X). A articulação entre o Conselho Tutelar e essa nova entidade será crucial para a efetividade das políticas de proteção.

Conclusão: Desafios e perspectivas da proteção integral na era digital

O Estatuto Digital da Criança e do Adolescente representa um avanço significativo na legislação brasileira, ao reconhecer as especificidades do ambiente digital e estabelecer um arcabouço jurídico robusto para a proteção de seus usuários mais vulneráveis. A efetiva implementação da lei, contudo, dependerá do engajamento de toda a sociedade.

Para as empresas, o desafio será conciliar a inovação tecnológica com a responsabilidade social e o respeito aos direitos humanos. Para os pais, a tarefa será a de educar e proteger seus filhos em um mundo cada vez mais conectado. Para as escolas, a missão será a de formar cidadãos digitais críticos e responsáveis. E para o Conselho Tutelar e o sistema de Justiça, o objetivo será o de garantir a aplicação da lei e a responsabilização dos infratores.

O ECA Digital não é um ponto de chegada, mas um ponto de partida. A proteção integral de crianças e adolescentes na era digital é um processo contínuo de aprendizado, adaptação e colaboração, que exigirá um esforço conjunto e permanente de todos os setores da sociedade.

Marco Aurelio Fernandes dos Santos

VIP Marco Aurelio Fernandes dos Santos

Fundador da M A Segurança Digital e Palestrante. Formado em Segurança Pública e Direito, com especialização em Perícia Digital Forense, atua em Direito Digital, Segurança da Informação e investigações

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