Precedente e jurisprudência: Distinções essenciais à luz do CPC/15
O precedente e a jurisprudência são conceitos distintos, sendo o primeiro um caso concreto que serve de tese para outros e a segunda uma "coletânea" de precedentes.
domingo, 28 de setembro de 2025
Atualizado em 26 de setembro de 2025 13:33
Introdução
Muito se fala em jurisprudência e em precedentes judiciais de forma confusa. Utiliza-se em peças jurídicas/petições a "jurisprudência pacífica" e os precedentes. Todavia, são apresentadas pelos operadores do Direito com certa obscuridade. Por isso o presente texto tem como intuito a análise dos seguintes objetos em relação à temática: (I) O conceito; (II) Seus aspectos; (III) Suas diferenças. Calcar-se-á na legislação pátria e nas lições de Fredie Didier Jr e outros doutrinadores.
Precedente judicial: Conceito e aspectos
Por um lado, o precedente judicial é uma dimensão da decisão judicial de um determinado caso concreto (em sentido amplo) e, sob outro viés, são as razões de decidir desse caso, em sentido estrito (DIDIER JR., 2025, 597-598). Então, pode-se conceituar o precedente como um caso concreto cuja razão de decidir/tese transcende o próprio caso, transformando-se em norma jurídica, e é utilizado para aplicação em outros casos concretos.
Nesse sentido, a norma jurídica é aplicação que se faz pela interpretação do caso concreto e, no caso do precedente, é construída indutivamente para a utilização em casos concretos semelhantes (DIDIER, 2025, p. 598-599). Há quem discorde dessa posição, afirmando que o texto é um evento e não é separado da norma, sendo a aplicação e fundamentação/compreensão realizadas simultaneamente (STRECK, 2017). Por mais que o autor concorde com a segunda tese, utilizará a primeira para fins didáticos.
Ademais, o precedente possui os elementos de uma sentença: a) Relatório; b) Tese/Razões de decidir; c) Dispositivo. O mais importante, no entanto, é a ratio decidendi (razões de decidir). Esta é a fundamentação utilizada como tese a ser aplicada a casos semelhantes futuramente. Deve-se levar em consideração que nem todo precedente é aplicável a determinado caso. Por isso, diz-se que o juiz realiza a distinção (distinguishing), técnica essa que o julgador utiliza com o fito de aplicar ou afastar o precedente de determinado caso de forma motivada, conforme o art. 489, V e VI, do CPC.
Art. 489. São elementos essenciais da sentença:
§ 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:
V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;
VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.
Outrossim, o precedente pode ser vinculante/obrigatório ou persuasivo. Fala-se em precedente vinculante quando ele é obrigatório, a exemplo das SV - súmulas vinculantes do STF; já os precedentes persuasivos não possuem força de obrigar o magistrado a aceitá-los no caso concreto, devendo o intérprete utilizar a distinção a fim de aplicá-lo ou afastá-lo. Nesse sentido, contudo, os tribunais, com os deveres de uniformizarem suas jurisprudências, deixando-as estáveis, íntegras e coerentes, conforme o art. 926, do CPC, são obrigados a seguirem o entendimento neles firmados:
Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.
É inconteste salientar que o precedente, para ser superado (overruling) de forma expressa (visto que o Direito brasileiro não admite superação tácita/overriding, do precedente), total ou parcial (DIDIER, 2025, p. 658), deve haver motivação.
Exemplificando, transcreve-se abaixo uma ementa de um precedente, possuindo relatório e razão de decidir, que ainda não se tornou uma jurisprudência pacificada, mas que pode ser utilizado em determinados casos similares:
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE DIVÓRCIO CUMULADA COM GUARDA, ALIMENTOS E PARTILHA DE BENS. INCLUSÃO DOS FILHOS NO POLO ATIVO DA AÇÃO. DESNECESSIDADE. SÚMULA 283/STF. DIREITO REAL DE HABITAÇÃO. INSTITUTO DE DIREITO SUCESSÓRIO. APLICAÇÃO POR ANALOGIA AO DIVÓRCIO. IMPOSSIBILIDADE. DIVÓRCIO LIMINAR. DIREITO POTESTATIVO. DESNECESSIDADE DE CONTRADITÓRIO. TUTELA DE EVIDÊNCIA. APLICAÇÃO DA TÉCNICA PROCESSUAL MAIS ADEQUADA. POSSIBILIDADE DE JULGAMENTO PARCIAL DE MÉRITO EM CARÁTER LIMINAR.
1. Ação de divórcio cumulada com guarda, alimentos e partilha de bens da qual foi extraído o recurso especial, interposto em 25/03/2024 e concluso ao gabinete em 17/12/2024.
2. O propósito recursal consiste em decidir se é possível a decretação de divórcio em julgamento antecipado de mérito em caráter liminar.
3. O direito real de habitação é um instituto específico do direito sucessório, que tem por finalidade preservar o direito de moradia ao cônjuge sobrevivente, não havendo a possibilidade de sua aplicação, por analogia, ao direito de família, mais especificamente ao momento da dissolução do vínculo conjugal pelo divórcio. Precedentes.
5. Considerando-se que: (I) após a Emenda Constitucional 66/2010 o divórcio é compreendido como direito potestativo; (II) a decretação do divórcio independe de contraditório, pois se trata de direito do cônjuge que o pleiteia, bastando que o outro sujeite-se a tanto; (III) basta a apresentação de certidão de casamento atualizada e a manifestação de vontade da parte para que se comprove o vínculo conjugal e a vontade de desfazê-lo; e (IV) a decisão que decreta o divórcio é definitiva, não podendo ser alterada em sentença; verifica-se possível a decretação do divórcio liminar, mediante o emprego da técnica do julgamento parcial antecipado de mérito, nos termos dos arts. 355 e 356 do Código de Processo Civil.
6. No recurso sob julgamento, viável a decretação do divórcio em caráter liminar
7. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, parcialmente provido para decretar o divórcio das partes, devendo o processo prosseguir quanto aos seus consectários, mediante instrução probatória a ser realizada a critério do julgador de origem
(REsp n. 2.189.143/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 18/3/2025, DJEN de 21/3/2025.) - (Grifos do autor).
Concluindo, esses são os fundamentos e conceituações imprescindíveis dos precedentes. No próximo tópico, serão analisados o conceito e os aspectos da jurisprudência.
Jurisprudência: Conceitos e aspectos
A jurisprudência, em primeira análise, pode ser considerada como a decisão reiterada dos tribunais acerca de um tema oriundo de precedentes judiciais. Destaca-se também que a jurisprudência é uma fonte do Direito, ao lado das leis, costumes, analogia e da fonte negocial (REALE, 2013).
Sob esse viés, reputa-se ao já mencionado art. 926, do CPC, sobre estabilidade, integridade e coerência da jurisprudência. Esta carrega a uniformidade das decisões judiciais emanadas dos casos concretos.
Em síntese, essas são as características básicas da jurisprudência. No tópico seguinte, explicitar-se-á as distinções fundamentais entre os precedentes e a jurisprudência.
Precedente e jurisprudência: Distinções fundamentais
Visto as características fundamentais de ambos, deve-se explicitar que:
1. O precedente judicial é um caso concreto que possui uma tese transcendente ao próprio caso em si e é utilizado para fundamentar outro caso similar;
2. Sob outro viés, a jurisprudência é uma "coletânea" de precedentes uniformes de um determinado tribunal (1ª ou 2ª instâncias, Superiores ou o próprio STF), que demonstra o seu entendimento.
Conclusão
Por todo o exposto, conclui-se que precedente e jurisprudência possuem claras distinções, quais sejam: o precedente é uma razão de decidir de um determinado caso concreto que pode ou não ser utilizado para a fundamentação de outro caso similar; já a jurisprudência é uma "coletânea" de precedentes, uniformizados, que expressam o entendimento de determinado tribunal.
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BRASIL. LEI Nº 13.105, DE 16 DE MARÇO DE 2015. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 21 de setembro de 2025.
DIDIER JR. Fredie. Curso de Direito Processual Civil Volume 2. 20ª ed. São Paulo: Juspodivm, 2025.
REALE. Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
STRECK. Lênio Luiz. Verdade e Consenso. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017.


