A decisão do STF sobre o rol da ANS: Um guia completo para o consumidor
A judicialização continua sendo um direito constitucional, mas agora está submetida a regras mais estritas, que demandam uma argumentação técnica e juridicamente bem fundamentada.
terça-feira, 23 de setembro de 2025
Atualizado às 14:12
O STF, em decisão, proferida em 18 de setembro de 2025, no julgamento da ADI 7265, impacta diretamente a vida de milhões de brasileiros, estabelecendo um novo paradigma na relação entre consumidores e operadoras de saúde1.
O objetivo deste artigo é desmistificar o "juridiquês" e explicar, de forma clara e objetiva, o que muda para o consumidor com o reconhecimento da taxatividade mitigada do rol da ANS e quais são os novos critérios para exigir a cobertura de tratamentos.
Historicamente, o debate se concentrava em saber se o rol da ANS seria taxativo (uma lista fechada, onde as operadoras só seriam obrigadas a cobrir o que estivesse expressamente listado) ou exemplificativo (uma lista de referência, que não excluiria a cobertura de outros procedimentos necessários).
A decisão do STF buscou um caminho intermediário, visando equilibrar a proteção do consumidor com a sustentabilidade financeira do sistema de saúde suplementar. Por maioria de votos (sete a quatro), o tribunal seguiu o entendimento do ministro relator Luís Roberto Barroso, estabelecendo critérios objetivos que devem ser observados cumulativamente para que os planos de saúde sejam obrigados a custear procedimentos fora do rol oficial.
A taxatividade mitigada e os novos critérios para cobertura
O STF estabeleceu que o rol da ANS é, em regra, taxativo, mas admite exceções em casos específicos. É o que se chama de TAXATIVIDADE MITIGADA. Na prática, isso significa que os planos de saúde podem, sim, ser obrigados a custear procedimentos não previstos na lista oficial da agência, desde que sejam cumpridos, cumulativamente, cinco requisitos objetivos estabelecidos pela Corte. A ausência de qualquer um desses critérios impede a obrigatoriedade de cobertura.
Para facilitar a compreensão, apresentamos os critérios de maneira detalhada:
1 - Prescrição médica:
- tratamento deve ser prescrito por médico ou odontólogo assistente habilitado;
- ponto de partida continua sendo a indicação do profissional de saúde que acompanha o paciente;
- a prescrição, não há como solicitar o procedimento - Receita médica detalhada com justificativa clínica.
2 - Não negativa da ANS:
- tratamento não pode ter sido expressamente negado pela ANS nem estar pendente de análise para inclusão no rol;
- de solicitar, é importante verificar se a ANS já se manifestou contrariamente à incorporação daquele tratamento específico;
- ao site da ANS ou documentação que comprove ausência de negativa.
3 - Ausência de alternativa:
- deve haver alternativa terapêutica adequada no rol da ANS para a condição do paciente;
- consumidor e seu médico devem demonstrar que os tratamentos já disponíveis no plano de saúde não são adequados ou suficientes para o caso concreto;
- médico comparativo explicando por que as alternativas do rol são inadequadas.
4 - Comprovação científica:
- tratamento deve ter comprovação científica de eficácia e segurança baseada em medicina por evidências de alto grau ou ATS - avaliação de Tecnologia em Saúde;
- bastam artigos de opinião ou estudos preliminares. É preciso que a comunidade científica reconheça a validade do tratamento por meio de estudos robustos;
- científicos, diretrizes médicas, pareceres de sociedades médicas
5 - Registro na Anvisa:
- procedimento ou medicamento deve possuir registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária;
- é um requisito fundamental de segurança, garantindo que o tratamento foi avaliado e autorizado para uso no Brasil;
- de registro na Anvisa ou consulta ao banco de dados da agência.
É crucial entender que todos os cinco requisitos devem ser preenchidos simultaneamente. Se, por exemplo, um tratamento tiver registro na Anvisa e comprovação científica, mas existir uma alternativa eficaz no rol da ANS, a operadora não será obrigada a cobri-lo.
A decisão do STF, ao estabelecer cinco critérios cumulativos mais rigorosos, efetivamente restringiu a aplicação da lei, criando um filtro mais severo para a concessão de coberturas excepcionais. Essa mudança representa um endurecimento significativo em relação ao texto original da lei, que era mais favorável ao consumidor.
A realidade financeira das operadoras: Questionando as justificativas
Os números divulgados pela ANS demonstram que as operadoras de saúde estão em uma posição financeira robusta, com lucros que mais do que dobraram no primeiro trimestre de 2025 em comparação ao ano anterior, alcançando quase 7 bilhões de reais.
Essa realidade financeira sólida questiona diretamente a justificativa frequentemente apresentada pelas operadoras para restringir a cobertura de tratamentos inovadores. O argumento de que a ampliação da cobertura comprometeria a sustentabilidade do sistema perde força diante de números que demonstram não apenas a viabilidade, mas a prosperidade do setor.
Os dados financeiros robustos das operadoras ressaltam a necessidade de uma revisão urgente e mais frequente do rol da ANS, de modo que ele reflita adequadamente os avanços da medicina moderna e assegure que todos os pacientes possam acessar tratamentos que salvam vidas. A defasagem entre os avanços médicos e a atualização do rol oficial não pode ser justificada por questões financeiras quando o setor apresenta lucros bilionários.
Esta situação evidencia um desequilíbrio na relação entre consumidores e operadoras, onde os beneficiários pagam valores cada vez mais altos por seus planos, enquanto as empresas registram lucros recordes, mas ainda assim resistem a ampliar a cobertura para tratamentos essenciais que não constam no rol da ANS.
O caminho do consumidor: Como agir em caso de necessidade
Diante da necessidade de um tratamento que não consta no rol da ANS, o consumidor deve seguir um roteiro claro e bem documentado para resguardar seus direitos:
Primeira etapa - Obtenha um laudo médico detalhado: O primeiro passo é solicitar ao médico ou odontólogo um laudo completo e detalhado, que não apenas prescreva o tratamento, mas que também justifique a sua necessidade. Este documento é a peça central e deve, preferencialmente, já abordar os cinco critérios estabelecidos pelo STF, explicando por que as alternativas do rol não são adequadas e citando as evidências científicas que amparam a indicação.
Segunda etapa - Faça o pedido formal à operadora: Com o laudo em mãos, o consumidor deve protocolar o pedido de autorização junto à sua operadora de plano de saúde. É fundamental guardar o número de protocolo, a data da solicitação e, se possível, obter um comprovante de recebimento. A operadora tem prazos legais para responder, que variam conforme a urgência do caso.
Terceira etapa - Exija a negativa por escrito: Desde julho de 2025, as operadoras são obrigadas a fornecer, por escrito e de forma clara, os motivos de qualquer negativa de cobertura, mesmo que o consumidor não solicite expressamente. Este documento é essencial para qualquer medida futura, seja na esfera administrativa (apresentando reclamação na ANS) ou judicial.
Quarta etapa - Busque a via judicial: Caso a operadora negue a cobertura e o consumidor entenda que preenche todos os cinco requisitos estabelecidos pelo STF, o caminho é buscar o Poder Judiciário. Para isso, é altamente recomendável a contratação de um advogado especializado em direito da saúde, que tenha experiência com os novos critérios estabelecidos pela Corte.
Decisões judiciais: Novas regras rigorosas para os magistrados
A decisão do STF também impôs novas e rígidas obrigações aos juízes que analisarem casos envolvendo autorizações para tratamentos que não constam no rol da ANS. O objetivo é tornar a análise mais técnica, menos subjetiva e mais uniforme em todo o território nacional. Se essas orientações não forem seguidas, a decisão judicial poderá ser anulada.
Verificações obrigatórias do magistrado
Verificação de requerimento prévio: O juiz deve obrigatoriamente verificar se houve requerimento prévio à operadora de saúde e se houve negativa expressa, demora irrazoável ou omissão da operadora na autorização do tratamento. Esta verificação é fundamental para demonstrar que a via administrativa foi esgotada antes da judicialização.
Consulta ao NATJUS: O magistrado deve analisar previamente as informações disponíveis no banco de dados do NATJUS - Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário antes de proferir sua decisão. Importante destacar que o juiz não poderá mais fundamentar sua decisão apenas na prescrição médica ou laudo apresentado pelo usuário do plano, sendo obrigatória a consulta a fontes técnicas especializadas.
Análise técnica independente: Quando o NATJUS não estiver disponível, o juiz deve consultar outros entes ou pessoas com expertise técnica reconhecida. Esta medida visa garantir que a decisão seja baseada em conhecimento científico sólido, não apenas na argumentação das partes.
Comunicação à ANS: Em caso de concessão de liminar ou decisão favorável ao usuário, o juiz deverá obrigatoriamente oficiar a ANS sobre a possibilidade de inclusão do tratamento no rol de procedimentos obrigatórios. Esta comunicação contribui para a atualização contínua do rol e para a criação de um banco de dados sobre tratamentos emergentes.
Fundamentação obrigatória
O magistrado deve fundamentar adequadamente sua decisão, demonstrando:
- A análise de cada um dos cinco critérios estabelecidos pelo STF;
- A consulta realizada ao NATJUS ou a outros especialistas;
- A avaliação das circunstâncias específicas do caso concreto;
- A consideração da legislação de regência, sem incursão no mérito técnico-administrativo da ANS.
Essas medidas indicam que a judicialização se tornará significativamente mais criteriosa e exigirá uma preparação muito mais robusta e técnica por parte do consumidor e de seu advogado.
Conclusão: Mais clareza, maior responsabilidade e novos desafios
A decisão do STF sobre a taxatividade mitigada do rol da ANS representa um marco na regulação da saúde suplementar no Brasil. Ao mesmo tempo em que fecha a porta para uma interpretação totalmente aberta do rol (exemplificativo), ela consolida a possibilidade de cobertura de tratamentos inovadores e essenciais, desde que amparados por critérios técnicos e científicos rigorosos.
Para o consumidor, a nova realidade exige uma postura mais ativa, informada e estratégica. É fundamental conhecer profundamente os cinco critérios, dialogar abertamente com o profissional de saúde para a elaboração de um laudo robusto e tecnicamente fundamentado, e documentar meticulosamente cada passo da jornada junto à operadora. A judicialização continua sendo um direito constitucional, mas agora está submetida a regras mais estritas, que demandam uma argumentação técnica e juridicamente bem fundamentada.
Contudo, é importante questionar se os critérios estabelecidos pelo STF, embora tecnicamente rigorosos, não criam barreiras excessivas ao acesso a tratamentos inovadores, especialmente considerando a robusta situação financeira das operadoras. A discrepância entre os lucros bilionários do setor e a resistência em ampliar coberturas sugere que o debate sobre o rol da ANS está longe de ser encerrado.
Em um cenário de constantes avanços na medicina, a clareza sobre as regras do jogo é fundamental, mas igualmente importante é garantir que essas regras não se tornem obstáculos intransponíveis para pacientes que necessitam de tratamentos que podem salvar suas vidas.
O desafio agora é garantir que a aplicação desses critérios seja feita de forma equilibrada, considerando tanto a necessidade de rigor técnico quanto o direito fundamental à saúde, especialmente em um contexto onde as operadoras demonstram capacidade financeira para ampliar suas coberturas sem comprometer sua sustentabilidade.
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Referências
1 Supremo Tribunal Federal (STF). (2025, 18 de setembro). STF fixa critérios para que planos de saúde cubram tratamentos fora da lista da ANS. https://noticias.stf.jus.br/postsnoticias/stf-fixa-criterios-


