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A importância da cláusula de não concorrência entre os sócios nos contratos societários: Protegendo a fórmula do negócio empresarial

Proteções contratuais entre sócios evitam que retirantes usem know-how ou clientela para prejudicar a empresa.

segunda-feira, 22 de setembro de 2025

Atualizado às 14:49

No mundo globalizado em que vivemos, onde o capitalismo é predominante, a formação de sociedades empresárias por meio da união de 2 (dois) ou mais sócios se destaca como um pilar para o crescimento e a expansão dos resultados, não só da empresa e de seus sócios, mas também da sociedade como um todo, que se beneficia com as "guerras" e "avanços" travados entre as empresas para se destacarem no mercado. A validade e a aplicabilidade da cláusula de não concorrência, no entanto, têm sido objeto de vasta discussão no âmbito judicial brasileiro, gerando uma jurisprudência que busca equilibrar, de um lado, a liberdade de iniciativa e o livre exercício profissional, e do outro, a proteção da propriedade intelectual e os investimentos empresariais.

A colaboração entre os sócios, cada qual com diferentes características e expertises, por muitas vezes pode gerar negócios notáveis, de modo a fazer com que uma empresa se destaque e desponte no seu ramo de atuação, geralmente por conta dessa união. Contudo, em um mundo globalizado tão dinâmico, a eventual saída de um dos sócios da rmpresa é um fato, que exige um planejamento cuidadoso e prévio claramente disposto em um acordo de sócios, ou até mesmo no contrato social/estatuto social da empresa, a depender do caso. Nesse contexto, a cláusula de não concorrência se apresenta como um mecanismo simples, mas crucial para resguardar os interesses da empresa e dos sócios remanescentes.

A cláusula de não concorrência entre os sócios é uma estipulação que visa proteger o negócio contra a utilização indevida de informações privilegiadas, conhecimento técnico ("know-how") e relacionamentos comerciais por parte de um sócio retirante. O objetivo principal é impedir que o ex-sócio, por um determinado período e sobre um certo local de atividade, estabeleça uma atividade concorrente logo após a sua saída, eventualmente se aproveitando de sua clientela e contatos que teve conhecimento durante sua atividade para a empresa, e, eventualmente, prejudicando as atividades e negócios da mesma, sob pena de pagamento de uma multa para a Empresa previamente estabelecida no acordo de sócios. Trata-se de uma medida preventiva contra a concorrência desleal, assegurando que a carteira de clientes, qualificações técnicas ou inovações de procedimentos que por vezes fazem a Empresa se destacar, se virem contra ela. A jurisprudência tem reiterado que a cláusula é legítima para proteger o know-how, investimentos e a clientela da empresa, evitando o desvio indevido após o término da relação contratual1.

Importante destacar que a cláusula de não concorrência não se faz somente importante na eventual saída de um sócio, mas, em um cenário de compra e venda de uma empresa, é de interesse do(s) comprador(es) que os antigos donos da empresa não possam estabelecer negócios semelhantes ao que ora estão vendendo, pois, comercialmente, a transação não traria os lucros desejados pelo(s) comprador(es), cenário em que novamente a cláusula de não concorrência torna-se indispensável. Imagine que você compra ou adquire produtos e serviços de determinada empresa, todavia fica sabendo que ela foi vendida, e que o antigo dono abriu uma empresa semelhante em outro lugar, neste cenário, são grandes as chances de a clientela da empresa migrar atrás dos antigos donos/Sócios, de modo que a cláusula de não concorrência mostra novamente sua importância.

A validade jurídica da cláusula de não concorrência, embora não expressamente prevista na lei, possui respaldo nos princípios gerais do direito contratual brasileiro. A liberdade de contratar prevista no art. 421 e art. 425, a boa-fé objetiva prevista no art. 422, e a função social do contrato prevista no art. 421, todos do CC brasileiro (lei 10.406/02) são os pilares que sustentam sua admissibilidade. O STJ e os tribunais estaduais têm se posicionado majoritariamente pela validade dessas cláusulas, desde que observados certos requisitos que garantam a razoabilidade e a proporcionalidade da restrição imposta2.

Neste sentido, a cláusula de não concorrência deve observar requisitos essenciais, que a jurisprudência tem consolidado para sua validade e eficácia. A ausência de qualquer um desses elementos pode levar à nulidade ou ineficácia da cláusula:

  1. Delimitação temporal

É necessário estabelecer um período, com prazos razoáveis, geralmente fixados entre 3 (três) até 5 (cinco) anos, embora possa variar conforme as especificidades do mercado, especialmente quando o sócio possui um histórico de atuação e expertise em determinado ramo, de modo que a cláusula de não concorrência figura até mesmo como uma moeda de troca em um eventual acordo comercial para a vinda de um novo Sócio. A cláusula não pode ser perpétua ou por prazo indeterminado, sob pena de configurar uma restrição abusiva à liberdade de trabalho e à livre iniciativa. O TJ/SP, por exemplo, já validou uma cláusula com prazo de 10 (dez) anos em um contrato de cessão de cotas, demonstrando que a razoabilidade do prazo é analisada caso a caso.

  1. Delimitação geográfica

Deve-se delimitar claramente a área onde a proibição se aplica, compatível com o mercado de atuação da Sociedade, geralmente variando entre o município, Estado e até mesmo o País onde a Empresa exerce suas atividades, respeitando as peculiaridades de cada negócio empresarial. Restrições globais ou excessivamente amplas são consideradas abusivas, pois extrapolam a necessidade de proteção do negócio.

  1. Compensação financeira

Embora o CC não exija expressamente uma compensação financeira em todos os contextos, a jurisprudência e a doutrina têm consolidado a necessidade de uma contrapartida financeira para a validade da cláusula, especialmente em relações que envolvem restrição à liberdade de trabalho ou atividade econômica, como é o caso de sócios retirantes. A ausência de compensação pode levar à nulidade da cláusula, pois a restrição imposta ao ex-sócio deve ser devidamente indenizada. O valor da indenização deve ser proporcional ao tempo e à abrangência da restrição.

  1. Legítimo interesse empresarial

A cláusula deve ter como finalidade a proteção de um legítimo interesse empresarial, como o know-how, os segredos comerciais, a carteira de clientes, a reputação da empresa ou investimentos significativos. Não pode ser utilizada como um mero instrumento para eliminar a concorrência ou para impedir o ex-sócio de exercer sua profissão sem uma justificativa razoável e concreta.

  1. Especificidade e clareza

Embora não seja um requisito de validade, a especificidade e a clareza na redação da cláusula são essenciais para sua eficácia e para evitar litígios futuros. A cláusula deve detalhar as atividades proibidas, o período de restrição, a área geográfica e, se houver, a forma de compensação. Uma cláusula genérica ou ambígua pode ser interpretada de forma restritiva pelo judiciário ou até mesmo considerada ineficaz.

Por outro lado, com relação as disputas judiciais envolvendo cláusulas de não concorrência entre sócios frequentemente giram em torno dos seguintes pontos:

(i) Abusividade da cláusula: Alegação de que a cláusula é excessivamente restritiva em termos de tempo, território ou escopo, violando a liberdade de trabalho e a livre concorrência. A jurisprudência tem sido rigorosa na análise da razoabilidade e proporcionalidade da restrição.

(ii) Ausência ou insuficiência de compensação financeira: A falta de uma contrapartida financeira adequada é um dos principais motivos para a invalidação de cláusulas de não concorrência, especialmente quando a restrição impede o ex-sócio de exercer sua principal atividade econômica.

(iii) Comprovação do dano e do descumprimento: A parte que alega o descumprimento da cláusula deve comprovar não apenas a violação da restrição, mas também os prejuízos efetivos sofridos em decorrência da concorrência desleal. A inclusão de cláusulas penais (multas) no contrato pode facilitar a comprovação do dano e desestimular o descumprimento.

(iv) Interpretação do objeto social e da atividade concorrente: Muitas vezes, a discussão se concentra em saber se a nova atividade do ex-sócio realmente configura concorrência com a antiga empresa, ou se o objeto social da nova empresa é idêntico ou similar o suficiente para caracterizar a violação da cláusula.

(v) Aplicação do CDC: Em alguns casos, tenta-se aplicar o CDC para anular a cláusula, alegando vulnerabilidade do sócio. No entanto, o STJ tem afastado a aplicação do CDC em relações eminentemente comerciais, a menos que haja comprovada hipossuficiência de uma das partes.

(vi) Trespasse vs. Acordo societário: A distinção entre a vedação legal de concorrência em casos de trespasse, conforme art. 1.147 do CC, e a cláusula de não concorrência em acordos societários é um ponto relevante. A jurisprudência do TJ/MG, por exemplo, já destacou que referido art. 1.147 do CC não se aplica automaticamente a casos que não envolvem alienação de estabelecimento comercial3.

A inclusão dessa cláusula no acordo de sócios ou, no até mesmo no contrato social/estatuto social, representa uma decisão estratégica com múltiplos benefícios. Ela previne conflitos futuros ao definir as regras para a saída de um sócio, proporciona segurança jurídica para todas as partes envolvidas e protege efetivamente a continuidade da empresa.

Em resumo, a cláusula de não concorrência é um instrumento jurídico valioso e, muitas vezes, indispensável para a proteção dos interesses das sociedades empresariais diante da saída de sócios, ou o interesse dos novos sócios, diante de uma operação de compra e venda de empresas. Ela atua como uma garantia, defendendo o negócio contra a concorrência potencialmente desleal de quem detém informações e conhecimentos estratégicos.

Por fim podemos concluir que a cláusula de não concorrência estabelece um equilíbrio entre a proteção dos legítimos interesses da Empresa e a garantia da liberdade de trabalho do sócio retirante. Uma cláusula bem elaborada, que observe os requisitos de limitação temporal, espacial e material, que preveja uma compensação financeira e que seja clara e específica, não apenas será considerada lícita pelo Judiciário, mas também cumprirá seu papel essencial de garantir a segurança, a estabilidade e a continuidade dos negócios em um cenário de inevitáveis mudanças no quadro societário.

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1 Superior Tribunal de Justiça. Terceira Turma julga válida limitação de concorrência imposta em parceria comercial. Disponível em: [https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias-antigas/2015/2015-05-21_07-28_Terceira-Turma-julga-valida-limitacao-de-concorrencia-imposta-em-parceria-comercial.aspx](https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias-antigas/2015/2015-05-21_07-28_Terceira-Turma-julga-valida-limitacao-de-concorrencia-imposta-em-parceria-comercial.aspx)

2 Superior Tribunal de Justiça. Terceira Turma julga válida limitação de concorrência imposta em parceria comercial. Disponível em: [https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias-antigas/2015/2015-05-21_07-28_Terceira-Turma-julga-valida-limitacao-de-concorrencia-imposta-em-parceria-comercial.aspx](https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias-antigas/2015/2015-05-21_07-28_Terceira-Turma-julga-valida-limitacao-de-concorrencia-imposta-em-parceria-comercial.aspx)

3 Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Relatório Espelho Acórdão. Disponível em: [https://www5.tjmg.jus.br/jurisprudencia/relatorioEspelhoAcordao.do?inteiroTeor=true&ano=23&ttriCodigo=1&codigoOrigem=0000&numero=175693&sequencial=001&sequencialAcordao=0](https://www5.tjmg.jus.br/jurisprudencia/relatorioEspelhoAcordao.do?inteiroTeor=true&ano=23&ttriCodigo=1&codigoOrigem=0000&numero=175693&sequencial=001&sequencialAcordao=0)

Raphael Bernardo Ramos

Raphael Bernardo Ramos

Advogado na Área de Societário e Regulatório de Combustíveis no escritório Oliveira e Olivi.

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