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A compra e venda de imóveis mudou: Entenda como a decisão do CNJ impacta o mercado

Decisão do CNJ simplifica registros imobiliários, acelera transações e amplia a responsabilidade dos compradores na análise de riscos.

quarta-feira, 24 de setembro de 2025

Atualizado às 13:52

Comprar e vender imóveis no Brasil ficou mais simples, porém mais arriscado. Em setembro de 2025, o CNJ decidiu que cartórios não podem mais exigir certidões negativas de débitos fiscais como condição para registrar escrituras de compra e venda. A medida, definida no PCA 0001611-12.2023.2.00.0000, representa um avanço na desburocratização do mercado imobiliário, mas transfere ao comprador - e aos profissionais que o assessoram - a responsabilidade de verificar eventuais passivos ocultos que antes funcionavam como obstáculo no ato do registro da compra e venda dos imóveis.

O novo entendimento ficou resumido na afirmação de que "não se pode condicionar o registro à inexistência de débitos". Em termos práticos, as certidões deixam de ser exigência obrigatória e passam a ter caráter meramente informativo. Negócios que antes eram paralisados por pendências fiscais, muitas vezes sem relação direta com o imóvel, agora podem ser concluídos, cabendo ao adquirente avaliar os riscos. O CNJ também determinou que normas estaduais ou municipais que mantinham essa prática não têm mais validade, estabelecendo um padrão uniforme em todo o país.

Os efeitos são imediatos. De um lado, a decisão estimula a circulação de imóveis e destrava operações antes represadas. De outro, desloca para o comprador o ônus da diligência: a segurança da transação deixa de depender de um filtro cartorário e passa a repousar na qualidade da investigação prévia realizada pelas partes. Como vem sendo destacado por especialistas, o julgamento não elimina riscos de execuções fiscais ou penhoras, apenas altera o local onde a prevenção deve ocorrer: não mais no balcão do cartório, mas no contrato e na análise documental a ser realizado pelo adquirente ou interessados.

Exemplos práticos ajudam a visualizar os impactos. Um comprador que adquire um imóvel sem investigar ações fiscais contra o vendedor pode ter o bem bloqueado meses depois, mesmo com a escritura registrada. Em condomínios, a aquisição de uma unidade sem a análise de débitos condominiais ou litígios em curso pode levar o novo proprietário a herdar dívidas expressivas ou assumir obrigações extraordinárias já aprovadas em assembleia.

No plano institucional, a decisão reforça a coerência federativa ao eliminar a multiplicidade de provimentos regionais que criavam distorções no sistema registral. Alinha-se também à jurisprudência constitucional que veda meios indiretos de arrecadação e protege o direito de propriedade. Ainda assim, a adaptação pode ser gradual: é natural que haja resistência de alguns cartórios e corregedorias até que o novo entendimento esteja plenamente consolidado, especialmente no que se refere ao caráter facultativo e informativo das certidões.

Ponto de vista

A decisão do CNJ deve ser compreendida como um convite à maturidade do mercado imobiliário. Em vez de depender de uma exigência burocrática, as partes passam a ter a responsabilidade de garantir a segurança da transação com técnica e cautela. As certidões continuam sendo ferramentas valiosas de transparência, mas deixam de funcionar como barreira automática. A mensagem é clara: a Fazenda Pública possui mecanismos próprios para cobrar seus créditos; cabe ao comprador, com assessoria qualificada, adotar as medidas de prevenção necessárias.

O impacto prático será o fortalecimento da auditoria prévia e da governança contratual. Escritórios de advocacia, incorporadoras, imobiliárias e administradoras condominiais precisarão oferecer análises documentais detalhadas, identificar riscos e elaborar contratos que prevejam responsabilidades e indenizações. Onde antes havia burocracia defensiva, a tendência é surgir método estruturado. É essa a verdadeira revolução da decisão: um mercado menos formalista, porém mais profissionalizado.

Conclusão

A decisão do CNJ redefine a lógica das transações imobiliárias no Brasil. Ao afastar a exigência de certidões negativas, cria-se um ambiente mais ágil e menos burocrático, mas que exige maior responsabilidade de quem compra. A segurança jurídica deixa de ser garantida por um requisito imposto pelo cartório e passa a depender da capacidade das partes de avaliar riscos, reunir informações e firmar contratos bem estruturados.

Esse novo cenário inaugura uma etapa em que os negócios são mais rápidos, mas também mais exigentes: o comprador bem assessorado tende a sair fortalecido, enquanto o desatento pode enfrentar consequências severas. A mensagem é direta e não deixa margem para dúvidas - simplificação só gera benefícios quando acompanhada de cautela; ignorar os riscos do presente pode custar caro no futuro.

Werberty A. Mariano

Werberty A. Mariano

Advogado, Servidor Público, Especialista em Direito e Economia pela UNICAMP, atuante em Direito Condominial, Imobiliário e Direito Administrativo.

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