Da superação da tese fixada no Tema 706 pela Corte Especial do STJ
A Corte Especial do STJ superou a tese do Tema 706, que permitia revisão de astreintes a qualquer tempo.
quinta-feira, 25 de setembro de 2025
Atualizado às 14:10
Quando do julgamento do REsp 1.333.988/SP, processado sob o rito dos recursos repetitivos (Tema repetitivo 706 do STJ), a 2ª seção do STJ fixou a seguinte tese: "A decisão que comina astreintes não preclui, não fazendo tampouco coisa julgada."
Contudo, posteriormente a esse precedente vinculante, a Corte Especial do STJ proferiu em 2024 e em 2025 2 (dois) precedentes em sentido diametralmente oposto ao da tese fixada no Tema repetitivo 706 do STJ, senão vejamos:
"DIREITO PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. MULTA PERIÓDICA (ASTREINTES). VALOR ACUMULADO DA MULTA VENCIDA. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. REGRA ESPECÍFICA NO CPC/2015. DESESTÍMULO À RECALCITRÂNCIA. REDUÇÕES SUCESSIVAS. IMPOSSIBILIDADE. PRECLUSÃO PRO JUDICATO CONSUMATIVA.
1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça sedimentou-se, sob a égide do CPC/1973, no sentido da possibilidade de revisão do valor acumulado da multa periódica a qualquer tempo. No entanto, segundo o art. 537, § 1°, do CPC/2015, a modificação somente é possível em relação à 'multa vincenda'.
2. A alteração legislativa tem a finalidade de combater a recalcitrância do devedor, a quem compete, se for o caso, demonstrar a ocorrência de justa causa para o descumprimento da obrigação.
3. No caso concreto, ademais, ocorreu preclusão pro judicato consumativa, pois o montante alcançado com a incidência da multa já havia sido reduzido por meio de decisão transitada em julgado.
4. Embargos de divergência conhecidos e não providos."
(EAREsp n. 1.766.665/RS, relator Ministro Francisco Falcão, relator para acórdão Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Corte Especial, julgado em 3/4/2024, DJe de 6/6/2024). (Original sem destaques).
"DIREITO PROCESSUAL CIVIL. EFETIVAÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. MULTA PERIÓDICA (ASTREINTES). VALOR ACUMULADO DA MULTA VENCIDA. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. REGRA ESPECÍFICA NO CPC/2015. DESESTÍMULO À RECALCITRÂNCIA E À LITIGÂNCIA ABUSIVA REVERSA. PRECEDENTE VINCULANTE DA CORTE ESPECIAL. OBSERVÂNCIA OBRIGATÓRIA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA PARA SUPERAÇÃO. ESTABILIDADE, INTEGRIGADE E COERÊNCIA DA JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL. MANUTENÇÃO. PENDÊNCIA DE DISCUSSÃO SOBRE A MULTA. RELAÇÃO COM O VENCIMENTO. INEXISTÊNCIA. ABUSO DO CREDOR. CONVERSÃO EM PERDAS E DANOS DE OFÍCIO. POSSIBILIDADE. RESULTADO PRÁTICO EQUIVALENTE AO ADIMPLEMENTO. ORDENS JUDICIAIS A ÓRGÃOS PÚBLICOS E INSTITUIÇÕES PRIVADAS. PREFERÊNCIA.
1. Consoante a regra do art. 537, § 1°, do CPC, a modificação das astreintes somente é possível em relação à 'multa vincenda'. Precedente vinculante da Corte Especial.
2. Não se justifica a alteração de entendimento fixado em precedente vinculante apenas em virtude de divergência interna do órgão colegiado.
3. Nos termos do art. 926 do CPC, "os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente".
4. A multa periódica é uma técnica processual importante no combate à litigância abusiva reversa e para garantir a efetividade da tutela jurisdicional.
5. A pendência de discussão sobre a multa periódica não tem relação com o seu vencimento, o qual ocorre de pleno direito diante do decurso do prazo para o cumprimento da obrigação, observado o período fixado no preceito.
6. O problema dos valores elevados alcançados com a incidência da multa periódica deve ser combatido preventivamente das seguintes formas: i) conversão da obrigação de fazer em perdas e danos, de ofício, quando verificada a inércia abusiva do credor em relação ao exercício da faculdade prevista no art. 499 do CPC; e ii) preferência pela expedição de ordens judiciais a órgãos públicos e instituições privadas visando ao alcance do resultado prático equivalente ao adimplemento, substituindo a atuação do obrigado, quando possível.
7. Recurso conhecido e desprovido."
(EAREsp n. 1.479.019/SP, relator Ministro João Otávio de Noronha, relator para acórdão Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Corte Especial, julgado em 7/5/2025, DJEN de 19/5/2025). (Original sem destaques).
Cumpre ressaltar, por relevante, que, no acórdão proferido no EAREsp n. 1.479.019/SP, consta a seguinte passagem no voto condutor, que foi proferido pelo Min. Ricardo Villas Bôas Cueva:
"No entanto, a questão demanda reflexões mais aprofundadas, especialmente porque essa decisão, muito embora tenha sido proferida sob a égide do CPC atual, baseou-se especialmente em jurisprudência majoritária construída à época em que vigia o CPC/1973, com destaque para o Tema Repetitivo n° 706: 'A decisão que comina astreintes não preclui, não fazendo tampouco coisa julgada' (REsp 1.333.988/SP, Segunda Seção, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 9/4/2014, DJe de 11/4/2014). Além disso, não se levou em consideração que o CPC/2015 alterou substancial e expressamente o regime jurídico das astreintes no tocante à possibilidade de modificação." (trecho do voto do relator, grifou-se).
(...)
De qualquer forma, mesmo que fosse possível superar um precedente apenas em virtude de "uma leitura mais atenta", conforme proposto pelo Ministro relator, a regra do art. 537, § 1º, do CPC não deixa margem a dúvidas ao determinar que "o juiz poderá, de ofício ou a requerimento, modificar o valor ou a periodicidade da multa vincenda ou excluí-la, caso verifique que: (...)" (grifou-se).
Ainda que se aplique o princípio do "quem pode o mais pode o menos", invocado pelo relator em seu voto, a autorização para exclusão da multa indicaria a possibilidade de sua redução, mas, de toda sorte, apenas no tocante à vincenda.
É nesse sentido o entendimento, dentre outros, de Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart, Daniel Mitidiero (Código de Processo Civil Comentado - 9ª ed. - São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2023, pág. 728); Araken de Assis (Manual da Execução - 20ª ed. - São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018, pp. 857/858); Fernando da Fonseca Gajardoni, Luiz Dellore, André Vasconcelos Roque, Zulmar Duarte de Oliveira Jr. (Comentários ao Código de Processo Civil. - 5ª ed - Rio de Janeiro: Forense, 2022, pág. 857); Marcelo Abelha (Manual de direito processual civil - 6ª ed. - Rio de Janeiro: Forense, 2016, págs. 773/774); Luiz Fux (Curso de direito processual civil - 6ª ed. - Rio de Janeiro: Forense, 2023, pág. 756); Humberto Theodoro Júnior (Curso de direito processual civil, vol. 3 - 52ª ed. - Rio de Janeiro: Forense, 2019, págs. 192/193); Luiz Rodrigues Wambier, Eduardo Talamini (Curso avançado de processo civil, vol. 3: execução. - 18ª ed. - São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, pp. 486/487); Leonardo Carneiro da Cunha (Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo - 1ª ed. - Rio de Janeiro: Forense, p. 878); e José Miguel Garcia Medina (Código de Processo Civil Comentado. - 6ª ed. - São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 945).
Por outro lado, não encontrei na doutrina ninguém sustentando a tese defendida pelo relator no sentido de que a expressão "vincenda", utilizada pelo legislador no § 1º do art. 537, refere-se apenas à "periodicidade da multa".
A norma tem a finalidade de combater a inércia do devedor que, como ocorreu no caso dos autos, permanece durante anos sem cumprir a obrigação que lhe foi imposta e se limita a requerer a redução da multa que alcançou patamares elevados tão somente em razão da sua recalcitrância."
Não se deve perder de vista que os precedentes firmados pela Corte Especial do STJ são vinculantes, em razão da seguinte regra prevista no inciso V do art. 927 do CPC:
"Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:
(...)
V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados." (Original sem destaques).
A respeito do aludido dispositivo legal, leciona Lucas Buril de Macêdo:
"(...)
Finalmente, o CPC estatui que os órgãos julgadores vinculam-se às teses assumidas pelo pleno ou órgão especial aos quais estiverem vinculados. Esta previsão é, sem dúvidas, a mais polêmica, diante da importância que possui para o stare decisis, a ser engrandecido ou diminuído conforme a interpretação eu for outorgada ao seu texto. Com efeito, é possível realizar uma dentre as duas leituras seguintes: a primeira, mais literal e restritiva, no sentido de que o órgão menor do tribunal está vinculado aos precedentes do órgão maior, com o que haveria a tutela exclusiva do dever de uniformização, fazendo com que os entendimentos assumidos no mesmo tribunal estivessem sempre em conformidade com o seu maior órgão; ou a segunda, que, além de abranger o dito na primeira, é mais extensiva, pois tem como ponto de partida a premissa de que os órgãos jurisdicionais que se encontram abaixo de outro na pirâmide da hierarquia judiciária estão vinculados, fazendo com que, nesta interpretação, os juízes estejam vinculados aos plenos ou órgãos especiais tanto do tribunal intermediário do qual fazem parte como também do pleno do STF e à Corte Especial do STJ.
Esta última intepretação é a mais adequada. Com ela, tem-se a construção de um verdadeiro sistema de precedentes obrigatórios, concretizando de forma mais efetiva o direito fundamental à segurança jurídica, que deve nortear a leitura do dispositivo.
(..)
Com a regra de que os juízes de primeiro grau vinculam-se ao pleno ou órgão especial do tribunal intermediário que integram também à Corte Especial do STJ e o pleno do STF, tem-se uma efetiva proteção da segurança jurídica, tornando o art. 927, V, do CPC material suficiente para a caracterização do stare decisis, que é uma imposição contemporânea dos princípios constitucionais da segurança jurídica, igualdade e eficiência." (MACÊDO, Lucas Buril de. Precedentes judiciais e o direito processual civil. 3 ed. Salvador: JusPodivm, 2019, pp. 363/364).
Considerando a previsão legal do inciso V do art. 927 do CPC/15 e o fato de a Corte Especial do STJ possuir hierarquia superior à da 2ª seção cível, verifica-se que a tese fixada no Tema repetitivo 706 do STJ encontra-se superada após os julgamentos dos EAREsp 1.766.665/RS e EAREsp 1.479.019/SP.
O cancelamento formal da tese do Tema repetitivo 706 do STJ não apenas se justifica, mas se impõe como medida necessária para preservar a coerência jurisprudencial e a segurança jurídica. A manutenção de teses contraditórias compromete a credibilidade institucional e gera incerteza entre os operadores do Direito.
A evolução jurisprudencial demonstrada pelos precedentes da Corte Especial reflete a adequada adaptação do entendimento jurisprudencial às inovações trazidas pelo CPC/15, especialmente no que tange ao regime das astreintes, consolidando interpretação mais consentânea com a literalidade da norma processual vigente e com os objetivos de combate à recalcitrância do devedor.


