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Fundos de investimentos e a oportunidade estratégica no mercado de precatórios

FIDCs em precatórios ganham força como estratégia financeira, aproveitando deságios e liquidez diante do crescente passivo público.

sexta-feira, 26 de setembro de 2025

Atualizado em 25 de setembro de 2025 13:34

No atual cenário fiscal brasileiro, a crescente judicialização das relações entre particulares e o Estado tem gerado um passivo expressivo na forma de precatórios, assim definidos como dívidas da União, Estados e municípios reconhecidas por decisão judicial definitiva.

Frente ao aumento exponencial desses compromissos e à limitação estrutural do orçamento público, os FIDCs - Fundos de Investimento em Direitos Creditórios, notadamente aqueles lastreados em precatórios, emergem como instrumento de fomento à liquidez, com relevante papel jurídico e econômico.

A evolução recente da política fiscal brasileira, aliada à crescente preocupação com o volume das sentenças judiciais de pagamento obrigatório (precatórios), tem desenhado um cenário de desafios para a União, Estados e municípios. No entanto, para o mercado financeiro, em especial os fundos de investimento, surge uma janela de oportunidade estratégica: a aquisição de precatórios com deságio.

O atual ambiente jurídico e econômico tem revelado uma intensificação das despesas judiciais da União. Conforme dados do Tesouro Nacional1, as obrigações com precatórios e RPVs - requisições de pequeno valor ultrapassarão os R$ 100 bilhões já em 2025, com projeções que atingem R$ 116,3 bilhões em 2027. Mais recentemente, o estoque de precatórios atingiu R$ 130,83 bilhões ao final de 2024, o que representa um aumento expressivo de 54,79% em relação ao ano anterior. Este montante, em ascensão contínua, pressiona o cumprimento do novo arcabouço fiscal e torna inevitável o redimensionamento das regras fiscais até, no máximo, 2026.

Esse cenário está diretamente relacionado ao esgotamento da autorização excepcional concedida pelo STF em 2023, que permitiu à União, de forma temporária, excluir parte expressiva dos precatórios do teto de gastos primários (ADI 7064 e ADI 7047). Essa possibilidade de flexibilização orçamentária se encerra em 2026, o que exigirá, a partir de 2027, a plena reintegração dessas obrigações no planejamento fiscal da União, com impacto significativo sobre o espaço fiscal disponível.

A transição impõe risco fiscal considerável e, ao mesmo tempo, pressiona o Executivo a buscar medidas de contenção, como a renegociação da classificação contábil dos precatórios ou a apresentação de nova PEC que reconfigure o regime atual. Entretanto, não há solução mágica, o volume de precatórios é estruturalmente elevado e tende a persistir no curto e médio prazo.

Neste contexto, os fundos de investimento se posicionam como atores relevantes na aquisição de ativos judiciais. A crescente necessidade de liquidez por parte de credores e a indefinição orçamentária quanto aos prazos de pagamento criam um ambiente propício para negociações com deságio.

Essa assimetria de interesses, em que de um lado estão credores dispostos a antecipar recebíveis e, de outro, investidores com apetite por risco e visão de longo prazo, consolida os precatórios como uma classe alternativa de ativos financeiros.

Além disso, os precatórios possuem atributos que os tornam particularmente atrativos a certos perfis de fundos: são créditos líquidos, certos e exigíveis, com lastro em decisão judicial transitada em julgado. Apesar da morosidade na liberação dos recursos pela União, Estados e Municípios, o risco de inadimplemento substancial é praticamente inexistente, dada a natureza da dívida pública.

Sob a ótica jurídica, a cessão de precatórios encontra respaldo nos artigos 286 a 298 do Código Civil, sendo dispensável o consentimento do devedor público, mas exigindo a sua notificação para plena eficácia. Já a modelagem jurídica das operações deve observar as diretrizes impostas pela resolução 4.656/18 do Banco Central, especialmente no que se refere aos fundos estruturados (FIDCs), bem como à compatibilidade com as regras da CVM - Comissão de Valores Mobiliários. A estruturação dessas operações demanda, portanto, atuação multidisciplinar envolvendo advogados especializados, consultores financeiros e gestores de ativos.

Neste cenário, os fundos de investimento que se estruturarem adequadamente para operar com precatórios estarão bem-posicionados para capturar valor por meio da aquisição de ativos com deságio expressivo, tendo em vista que a conjugação da incerteza fiscal, alta judicialização e pressão orçamentária cria um terreno fértil para oportunidades estratégicas nesse segmento.

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1 Tesouro publica Balanço Geral da União de 2024 - Ministério da Fazenda

Alex de Andrade Lira

Alex de Andrade Lira

Sócio no Escritório Ernesto Borges Advogados. Membro da Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa com Autismo da OAB/MS. Especialista em Processo Civil pela Escola de Direito do Ministério Público de Mato Grosso do Sul e em Direito de Energia pelo Instituto Brasileiro de Estudos de Direito da Energia (IBDE).

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