Os fornecedores são iguais, mas os consumidores são menos
O consumidor, na ótica do STJ, não precisa comprovar a má-fé do fornecedor quando cobrado de forma indevida, devendo ser restituído o que pagou em dobro.
segunda-feira, 27 de outubro de 2025
Atualizado às 14:59
O STJ decidiu recentemente sobre a prova de má-fé pelo consumidor em ação de repetição de valores descontados indevidamente em dobro contra um fornecedor. Entendeu o ministro Humberto Martins que a devolução do que o consumidor pagou em dobro independe da prova de má-fé.
Desse modo, de acordo com a decisão do ministro, cabe apenas a violação à boa-fé para que o autor (da ação) seja ressarcido devidamente. O que o CDC diz diante dessa decisão? O consumidor precisa comprovar a má-fé do fornecedor ou este é quem deve comprovar que não violou a boa-fé?
Em um primeiro momento, o art. 42, § único, do CDC diz sobre a cobrança indevida:
Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.
Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável (Grifos do autor).
O consumidor tem direito à repetição do que pagou indevidamente em dobro, contudo não terá esse direito se o fornecedor cobrou indevidamente sob engano justificável. O final do parágrafo único do art. 42 do CDC exime o fornecedor de devolver em dobro a quantia nessa hipótese.
Porém, o STJ decidiu que o consumidor não precisa comprovar a má-fé do fornecedor, agindo acertadamente. A decisão é conforme o CDC no seguinte sentido:
- O consumidor é a parte vulnerável da relação de consumo;
- Cabe inversão do ônus da prova;
- A responsabilidade civil do fornecedor é, via de regra, objetiva.
Sob esse viés, é claro no CDC coloca, na PNRC - Política Nacional das Relações de Consumo, a vulnerabilidade do consumidor de maneira presumida. Isso é o que diz o art. 4º, I, do código:
Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:
I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;
O mercado é como uma selva: o mais apto ou o mais forte sobrevive. Tendo isso em vista, a Constituição (CF/88), em seu art. 5º, XXXII, diz que o Estado deve promover, na forma de lei, a defesa do consumidor.
Preocupado com a parte mais fraca dessa relação, o poder legislativo criou o código em 1990 com a finalidade de tornar uma relação desigual mais equitativa. Por isso, a PNRC coloca o consumidor como a parte mais frágil.
Também, é importante mencionar que o art. 6º, VIII, do CDC, diz que o juiz, no caso de os fatos serem verossímeis ou o consumidor ser hipossuficiente na questão probatória, pode ele inverter o ônus da prova.
Essa inversão é uma faculdade do juiz, que analisará o caso concreto e verá se cabe ou não. Portanto, ele não é obrigado a fazer com que o fornecedor tenha que provar os fatos alegados pelo consumidor.
Em última análise, a responsabilidade civil por danos (materiais ou morais) causados ao consumidor é objetiva, ou seja, independe da prova de dolo ou culpa. Isso é o que diz os arts. 12, caput, e 14, caput, do CDC:
Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos (Grifos do autor).
Então, o STJ decidiu acertadamente no que tange à prova de má-fé pelo consumidor na repetição de valores cobrados indevidamente.
Haja vista que o fornecedor tem mais poder que o consumidor e, muitas vezes, este não consegue comprovar a má-fé daquele, o CDC diz que a comprovação da conduta de boa-fé ou má-fé do fornecedor é dele próprio.
Ante o exposto, exigir do consumidor que comprove a má-fé do fornecedor é inverter a lógica do Direito do Consumidor. Isso é totalmente fora dos parâmetros da equidade, tão prezada pelo Direito brasileiro.
Equidade é, sob essa ótica, tornar justa uma relação desigual. Portanto, "alguns animais são mais iguais do que os outros", conforme Orwell, entretanto o CDC existe para que uns não sejam mais iguais do que os outros.


