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O crime de descumprimento de medidas protetivas não tem proporcionalidade

O crime de descumprimento de medidas protetivas carece de proporcionalidade e padronização, punindo condutas leves e graves com a mesma severidade.

segunda-feira, 20 de outubro de 2025

Atualizado às 12:09

1. Introdução.

A lei Maria da Penha, marco importante no enfrentamento à violência contra a mulher, foi sendo aprimorada ao longo dos anos para garantir maior proteção às vítimas. Em 2018, foi inserido o art. 24-A, que criou o crime de descumprimento de medidas protetivas de urgência, atualmente com pena de reclusão de 2 a 5 anos. Contudo, o referido dispositivo trouxe consigo sérios problemas de proporcionalidade e coerência normativa. Ao não distinguir a gravidade das condutas, a lei trata como igualmente criminosos atos de extrema violência e interações mínimas e não ofensivas, como o envio de uma simples mensagem. Este ensaio propõe uma análise crítica dessa desproporção e sugere a necessidade urgente de uma reforma legislativa.

2. A generalização do crime de descumprimento.

O art. 24-A da lei Maria da Penha não faz distinção entre diferentes formas de descumprimento. Na prática, isso significa que um simples "bom dia" enviado por mensagem pode gerar as mesmas consequências legais que uma invasão de domicílio ou perseguição da suposta vítima. Essa generalização é juridicamente injusta e ignora princípios elementares do Direito Penal, como a ofensividade.

3. A dupla penalização: prisão e processo criminal.

Quem descumpre medida protetiva está sujeito não apenas ao processo pelo crime de descumprimento, mas também à decretação de prisão preventiva e à imposição de monitoração eletrônica. Em outras palavras, mesmo que a conduta seja de baixa lesividade, o sistema jurídico já impõe um conjunto de sanções que extrapola, em muito, o necessário para reprovar a conduta. A punição é imediata, mesmo antes da condenação, e frequentemente desproporcional ao ato praticado.

É fundamental lembrar que o Direito Penal deve ser a última ratio, ou seja, deve intervir apenas quando estritamente necessário. Tratar da mesma forma quem envia uma mensagem amorosa e quem ameaça ou persegue a vítima é um erro grave. Ainda que a pena aplicável varie entre 2 a 5 anos de reclusão - permitindo ao juiz graduar a pena na sentença de acordo com critérios de culpabilidade -, o fato é que todos os acusados respondem formalmente pelo mesmo tipo penal. Isso gera estigmatização, prisão provisória e consequências sociais e jurídicas irreversíveis.

O ideal seria que a lei trouxesse uma gradação para as formas de descumprimento, conforme a gravidade da conduta. Por exemplo, interações sem conteúdo ofensivo, como o envio de mensagens neutras ou afetuosas, deveriam ensejar advertência judicial ou audiência de justificação, não processo criminal. Já atos com potencial ofensivo real - como perseguições, invasões, ameaças -, sim, justificariam o rigor penal. Essa gradação garantiria o respeito à dignidade da pessoa humana e ao princípio da intervenção mínima do Direito Penal.

Outro ponto preocupante é a completa falta de uniformidade na reação dos magistrados. Enquanto alguns juízes decretam prisão preventiva de imediato diante da mera notícia de descumprimento, outros determinam apenas audiência de advertência, mesmo diante de situações semelhantes. Essa disparidade revela um problema estrutural grave: a ausência de parâmetros claros na lei que orientem a atuação judicial e impeçam decisões subjetivas, influenciadas por convicções pessoais ou ideológicas.

A falta de proporcionalidade e de padronização não apenas fere os direitos do acusado, mas também compromete a credibilidade do sistema de justiça. Ao punir com a mesma severidade condutas absolutamente distintas, o Estado deixa de promover justiça para se tornar instrumento de punição automática, muitas vezes movida por impulsos de vingança ou estratégias de litígio familiar. Isso abre espaço para abusos e fragiliza a confiança social nas instituições.

4. Conclusão.

O crime de descumprimento de medidas protetivas, como previsto no art. 24-A da lei Maria da Penha, precisa urgentemente ser revisto. A sua estrutura atual desconsidera a diversidade de condutas e trata de maneira homogênea situações radicalmente distintas. Essa desproporcionalidade penaliza o acusado de maneira injusta e, por vezes, desnecessária. A solução passa por duas medidas centrais: (1) a criação de uma gradação legal entre formas de descumprimento, com respostas diferenciadas conforme a gravidade da conduta; e (2) a padronização da atuação judicial, garantindo que todos os acusados, em situações semelhantes, recebam tratamento isonômico. Só assim a lei Maria da Penha poderá ser um instrumento eficaz de proteção, sem se transformar em veículo de injustiça.

Júlio Cesar Konkowski da Silva

VIP Júlio Cesar Konkowski da Silva

Advogado especializado na defesa na LEI MARIA DA PENHA e em MEDIDAS PROTETIVAS, com atuação em todo o Brasil.

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