Reforma tributária 50: Tributação dos arrendamentos rurais
Um dos pontos de tributação que parece estar passando despercebido na reforma tributária é o dos arrendamentos rurais. Vamos abordar uma das nuances mais sensíveis do tema.
quarta-feira, 1 de outubro de 2025
Atualizado às 11:14
1. Proibição de estrangeiros possuírem imóveis rurais no Brasil
Pouco conhecida - inclusive entre juristas -, a proibição legal da posse de imóveis rurais por estrangeiros está prevista na lei 5.709/1971. A norma restringe:
- A aquisição de imóveis rurais por pessoas físicas estrangeiras não residentes;
- A aquisição por pessoas jurídicas estrangeiras;
- E, ainda, por empresas brasileiras cujo capital social seja majoritariamente (mais de 50%) de propriedade estrangeira.
A limitação se refere a:
- Três módulos fiscais por pessoa física;
- Até cinquenta módulos fiscais, no caso de pessoas jurídicas.
Módulo rural é a unidade de medida agrária, variável conforme o município, que expressa a área mínima para a subsistência de uma família, conforme o Estatuto da Terra.
2. Tributação de imóveis na LC 214/25
A LC 214/25, regulamentando o art. 156-A da CF/88, define como hipóteses de incidência do IBS e da CBS:
Art. 255 - A base de cálculo do IBS e da CBS é o valor:
- I - da operação de alienação do bem imóvel;
- II - da locação, cessão onerosa ou arrendamento do bem imóvel;
- III - da cessão ou do ato oneroso translativo ou constitutivo de direitos reais sobre bens imóveis;
- IV - da operação de administração ou intermediação;
- V - da operação nos serviços de construção civil.
A inclusão expressa do arrendamento como hipótese de incidência representa um marco na tributação da atividade agropecuária, até então isenta de tal incidência.
Mesmo com a previsão de alíquota reduzida em 70%, o impacto poderá resultar em carga tributária de até 8,4% no longo prazo.
3. Arrendamento rural equiparados à locação de imóvel
A LC 214/25 equipara o arrendamento rural à locação, submetendo-o à incidência de IBS e CBS. A medida abrange:
- Arrendamento agrícola;
- Arrendamento agropastoril;
- Arrendamento pecuário;
- Arrendamento extrativista, entre outros.
Além do impacto econômico, surgem dúvidas jurídicas sobre:
- A aplicabilidade da desoneração em casos de produção para exportação;
- A extensão da tributação a contratos com multinacionais que arrendam terras rurais no Brasil, mas não podem adquiri-las.
A escolha entre a alíquota reduzida e o regime regular exige simulação econômica específica para cada tipo de contrato e cultura.
4. Impacto direto nos custos de produção
A inclusão do arrendamento rural na base do IBS/CBS tende a:
- Aumentar o custo fixo da produção agropecuária;
- Impactar culturas de ciclo curto (como hortaliças) e longo (como cana e eucalipto);
- Atingir a cadeia leiteira, a pecuária, a silvicultura e a produção de grãos;
- Aumentar o custo da terra especialmente para pequenos e médios produtores.
Urge a mensuração do impacto por hectare ou unidade produtiva, considerando:
- Possibilidade de creditamento do arrendatário;
- Necessidade de gestão tributária integrada com a contabilidade rural.
5. Garantia da alíquota de transição para arrendatários agrícolas
Os contratos de arrendamento firmados até 31/12/25 poderão usufruir da alíquota de transição de 3,65%, conforme previsão da LC 214/25. Porém:
- A vigência contratual anterior à data deve ser comprovada documentalmente;
- É recomendável a formalização de termos aditivos, com cláusulas específicas para garantir o benefício da alíquota reduzida até o fim da vigência do contrato;
- Nem sempre essa escolha será economicamente mais vantajosa.
6. Alíquotas diferenciadas para biocombustíveis
A lei 14.993/24 - lei do combustível do futuro traz incentivos à produção e comercialização de combustíveis renováveis. Entre os instrumentos, estão:
- PNDV - Programa Nacional do Diesel Verde;
- Programa Nacional de Incentivo ao Biometano;
- Alíquotas diferenciadas para etanol, biodiesel, biogás e outros.
Mesmo com os incentivos, o impacto tributário sobre o arrendamento pode afetar os custos de produção dos biocombustíveis e sua competitividade, principalmente após o aumento da mistura do etanol na gasolina para 30%.
Conclusão
- A reforma tributária impõe nova carga ao setor agropecuário, incluindo os arrendamentos rurais na base do IBS/CBS.
- A equiparação do arrendamento à locação altera profundamente a lógica contratual vigente e exige reestruturação documental.
- O impacto nos custos de produção é inevitável, demandando planejamento tributário para produtores e arrendatários.
- A proibição de aquisição de terras por estrangeiros fará com que o arrendamento rural seja ainda mais utilizado por multinacionais.
- A alíquota de transição de 3,65% representa uma oportunidade, mas requer formalização adequada até 31/12/25.
- A incidência tributária poderá afetar políticas públicas de descarbonização, caso não haja ajustes nas normas complementares e regulatórias.
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BRASIL. Lei nº 5.709, de 7 de outubro de 1971. Regula a aquisição de imóvel rural por estrangeiro residente no País ou pessoa jurídica estrangeira. Diário Oficial da União, Brasília, 8 out. 1971.
BRASIL. Lei Complementar nº 214, de 18 de dezembro de 2025. Dispõe sobre o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). Diário Oficial da União, Brasília, 19 dez. 2025.
BRASIL. Lei nº 14.993, de 8 de outubro de 2024. Institui o Programa Nacional do Diesel Verde (PNDV) e o Programa Nacional de Incentivo ao Biometano. Diário Oficial da União, Brasília, 9 out. 2024.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Atualizada até a Emenda Constitucional nº 132, de 2023.
INCRA. Módulo Fiscal por Município. Disponível em: https://www.gov.br/incra. Acesso em: 27 set. 2025.
IBGE. Indicadores de Produção Agrícola e Silvicultura. Disponível em: https://www.ibge.gov.br. Acesso em: 27 set. 2025.


