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"Lei Felca": O ECA Digital que redefine a proteção infantil na internet brasileira

Lei Felca, o ECA Digital, impõe novas regras às big techs e busca proteger crianças da adultização precoce na internet e nos jogos online.

quinta-feira, 2 de outubro de 2025

Atualizado às 14:44

O Brasil acaba de dar um passo histórico na regulação do ambiente digital. Foi sancionada a lei Felca, apelidada de ECA Digital, legislação considerada uma das mais rigorosas do mundo no combate à exploração digital de crianças e adolescentes. 

Neste sentido, o texto da lei coloca o país na vanguarda dessa pauta, ao estabelecer regras duras para big techs, influenciadores, gamers e pais.

Assim, mais do que um conjunto de proibições, a lei nasce com a missão de enfrentar a adultização precoce, fenômeno que tem se tornado cada vez mais visível nas redes sociais, nos jogos eletrônicos e nas plataformas de vídeo.

1. Breve contexto sobre a adultização precoce

O termo se refere à exposição de crianças a conteúdos, responsabilidades e práticas de consumo que não correspondem à sua idade.

Essa "adultização" pode acontecer das mais variadas formas como, por exemplo, i) pela superexposição de menores em perfis de redes sociais; ii) pelo estímulo ao consumo de produtos digitais voltados ao público adulto; iii) pela influência de algoritmos que entregam conteúdos inapropriados; bem como iv) pelas práticas de monetização em jogos, como loot boxes e microtransações.

Deste modo, a lei Felca busca oferecer uma resposta abrangente a esse cenário, combinando proteção jurídica, mecanismos tecnológicos e responsabilização solidária.

2. Principais medidas

2.1 Supervisão parental obrigatória

Um dos pilares da nova lei é a obrigatoriedade de ferramentas de supervisão parental. 

Com a sanção, as plataformas digitais não poderão mais tratar essa funcionalidade como opcional. 

Nesse contexto, pais e responsáveis deverão ter acesso a instrumentos claros, acessíveis e eficazes para acompanhar a navegação e o consumo digital dos filhos.

O descumprimento poderá gerar multas milionárias, aumentando a pressão sobre as big techs para repensar seus sistemas e investir em inovação responsável.

2.2 Proibição de loot boxes para menores de 18 anos

A mudança também irá acontecer no mercado dos games.

Entre os pontos que mais chamaram atenção, está a proibição da venda de loot boxes a menores de idade. 

De maneira simples, as loot boxes são caixas virtuais com recompensas aleatórias, que podem ser compradas dentro dos jogos.

A nova lei constata existir semelhança desses itens com jogos de azar, por criarem um ciclo viciante de expectativa e recompensa.

Segundo a lei, qualquer empresa que disponibilizar loot boxes para crianças e adolescentes estará sujeita a sanções severas. 

Assim, para a indústria de games, essa mudança representa uma transformação direta na forma de monetização e exigirá a criação de novos modelos de engajamento e receita.

2.3 Regras para microtransações em jogos

Outro aspecto relevante é a regulação das microtransações. 

A partir de agora, os jogos deverão oferecer transparência total sobre o que está sendo adquirido, seu valor real e sua utilidade. 

Essa exigência busca evitar que jovens sejam induzidos a gastar sem clareza, prática comum em modelos de free-to-play.

2.4 Dados pessoais e algoritmos sob vigilância

A lei Felca também endurece a proteção de dados de crianças e adolescentes. 

A coleta e o tratamento de informações pessoais ficam ainda mais limitados, com restrições adicionais à publicidade direcionada.

Além disso, as empresas precisarão prestar contas sobre os algoritmos de recomendação, explicando como funcionam e quais critérios utilizam. Isso significa o fim da lógica de simplesmente "empurrar" conteúdos virais para menores sem considerar o impacto em seu desenvolvimento.

2.5 Influenciadores digitais e sharenting

Outro alvo da lei são os influenciadores digitais e o sharenting, que se caracteriza como a prática em que pais expõem excessivamente a vida dos filhos para gerar engajamento.

A norma determina maior fiscalização sobre essas condutas, bem como determina que os pais poderão ser responsabilizados se utilizarem a imagem e a intimidade de seus filhos de maneira abusiva. 

Portanto, isso muda a forma como marcas, agências e influenciadores trabalham campanhas envolvendo crianças.

2.6 Responsabilização solidária: pais e plataformas no mesmo barco

Um outro ponto crucial da lei é a previsão de responsabilização solidária. 

Neste sentido, se uma criança for exposta a conteúdo nocivo, a responsabilidade não recairá apenas sobre os pais, mas também sobre a empresa de tecnologia que permitiu o acesso.

Essa disposição pressiona diretamente as plataformas a adotar práticas mais seguras, já que não poderão mais transferir todo o ônus aos responsáveis legais.

3. Conclusão

Não é forçoso concluir que a lei insere o Brasil na linha de frente da proteção digital da infância ao nível global, ao lado de legislações da União Europeia e de debates em andamento nos Estados Unidos, a lei Felca coloca o nosso país como referência.

Portanto, a lei Felca inaugura uma nova era da internet no Brasil: mais do que proibir loot boxes ou exigir supervisão parental, a norma cria um novo pacto de responsabilidade entre pais, empresas de tecnologia e sociedade.

Se os objetivos serão plenamente atingidos ou se novos desafios surgirão, apenas o tempo dirá, mas é impensável que qualquer participante do ecossistema digital brasileiro negue ou ignore os impactos dessa regulação.

Camila Betanin

VIP Camila Betanin

Advogada | Professora | Especialista em Direito do Entretenimento Digital | Direito dos Games | Direito Digital | Creator Economy | Sócia-Fundadora do Betanin & Leal - Advocacia e Consultoria.

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