O SPSM da Bahia: A previdência dos militares em foco
O SPSM-BA: A previdência dos militares em foco analisa a estrutura normativa e os principais desafios do sistema de proteção aplicável aos policiais militares e bombeiros militares baianos.
quinta-feira, 2 de outubro de 2025
Atualizado às 14:47
1. Sobre o SPSM
O SPSM - Sistema de Proteção Social dos Militares, comumente identificado como a previdência dos militares, apresenta características singulares que o diferenciam tanto do RGPS - Regime Geral de Previdência Social quanto dos RPPS - Regimes Próprios de Previdência dos Servidores Civis. Essas especificidades resultam do regime jurídico peculiar que rege a carreira militar, marcado por obrigações e restrições próprias, como a dedicação exclusiva, a disponibilidade permanente, a sujeição a riscos inerentes à atividade castrense e a limitação ao exercício de determinados direitos fundamentais, notadamente a sindicalização e a greve.
No âmbito das Forças Auxiliares, compostas pelas Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, reconhece-se a condição de instituições militares permanentes, exclusivas e típicas de Estado. Essas corporações desempenham papel essencial no sistema de segurança pública, na preservação da ordem e no resguardo da coletividade, além de constituírem força de reserva do Exército, nos termos do §6º do art. 144 da CF/88.
No que se refere às atribuições funcionais, às Polícias Militares, integrantes do Susp - Sistema Único de Segurança Pública, atua de forma preventiva e repressiva, visível nas ruas, polícia ostensiva e de preservação da ordem pública, com o objetivo de garantir a tranquilidade social, proteger a vida, a integridade física das pessoas, o patrimônio público e privado e assegurar o cumprimento das leis, atuação como força auxiliar e reserva do Exército Brasileiro, nos termos do art. 144, §6º, da CF/88, no cumprimento de ordens judiciais e apoio a outras instituições de segurança pública, quando necessário. Já aos Corpos de Bombeiros Militares, igualmente inseridos no Susp, compete a execução de atividades de defesa civil, prevenção e combate a incêndios, salvamento, resgate, perícias de incêndio e explosões.
A EC 103/19, que instituiu a reforma previdenciária brasileira, ensejou alterações indiretas no que tange aos militares. Diferente das repercussões aos servidores civis, os militares das Forças Armadas, das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros Militares não foram incluídos integralmente no texto da EC 103/19. Por outro lado, os militares foram submetidos às normas específicas editadas em paralelo, como a lei Federal 13.954/19, que reestruturou a carreira e passou a dispor sobre o Sistema de Proteção Social dos Militares, estabelecendo parâmetros de referência para os Estados.
Na Bahia, tal adequação concretizou-se com a edição da lei 14.265/20, que criou o Sistema de Proteção Social dos Policiais Militares e Bombeiros Militares do Estado da Bahia. Esse diploma alterou a lei 10.955/07, fixando normas sobre inatividade, pensões e contribuições, além de instituir o FPSM - Fundo de Proteção Social dos Policiais Militares e Bombeiros Militares do Estado da Bahia, vinculado à Secretaria da Administração. O FPSM tem por finalidade a arrecadação e a capitalização de recursos destinados ao custeio dos benefícios previstos no sistema protetivo, em favor dos militares e de seus dependentes.
Diante desse contexto, o presente artigo objetiva analisar o SPSM do Estado da Bahia à luz da lei 14.265/20, destacando suas inovações normativas e seus desafios de implementação.
2. Importância do tema no Estado da Bahia
2.1 Relevância jurídica, social e orçamentária
O Sistema de Proteção Social do Militar apresenta especial relevância no contexto da Bahia, não apenas sob o aspecto jurídico, mas também pelas repercussões sociais, orçamentárias e atuariais que dela decorrem, vez que o Estado conta com expressivo efetivo de policiais militares e bombeiros militares.
A regulamentação do SPSM impacta diretamente não apenas os integrantes da ativa, mas também os inativos e pensionistas, representando parcela expressiva das despesas públicas estaduais. Por essa razão, a lei 14.265/20 assume especial importância, pois busca alinhar o regime baiano às diretrizes nacionais estabelecidas pela EC 103/19 e pela lei Federal 13.954/19, garantindo maior uniformidade e segurança jurídica.
O estudo do Sistema de Proteção Social dos militares baianos revela-se necessário diante das inovações e desafios introduzidos pela lei 14.265/20. Assim, a ausência de obras doutrinárias específicas sobre o tema no contexto da Bahia reforça a necessidade de produção acadêmica que sistematize a legislação, examine sua compatibilidade constitucional e avalie os reflexos práticos de sua aplicação.
Assim, a presente análise justifica-se não apenas pela inovação legislativa, mas também pela contribuição científica que pode oferecer à compreensão e ao aprimoramento do regime de proteção social dos militares da Bahia, fornecendo subsídios a operadores do direito, gestores públicos e aos próprios integrantes da corporação.
3. Estrutura do Sistema de Proteção Social dos Militares da Bahia
3.1 Inovações normativas e objetivos
O SPSM - Sistema de Proteção Social dos Policiais Militares e Bombeiros Militares da Bahia, instituído pela lei Estadual 14.265/20, consiste em um conjunto integrado de direitos voltados à inatividade remunerada e à pensão militar, destinado aos policiais militares e bombeiros militares do Estado da Bahia e seus dependentes, tendo como escopo atender finalidades precípuas no sentido de proporcionar ao segurado e aos seus dependentes benefícios de inatividade remunerada e pensão militar, garantir o pagamento da remuneração da inatividade decorrente de ato de concessão praticado pelas autoridades competentes e dar cobertura aos eventos de incapacidade permanente para o trabalho, morte e idade avançada.
3.2 Segurados e dependentes
São considerados segurados do SPSM os policiais militares e bombeiros militares da ativa, da reserva remunerada e os reformados, sendo a qualidade de segurado adquirida de forma automática com o ingresso no cargo efetivo estadual militar. Essa condição, entretanto, pode ser perdida em hipóteses legais específicas, como morte, exoneração, demissão ou cassação da inatividade.
No que tange aos dependentes, a lei estadual adota o rol previsto na lei 6.880/1980 (Estatuto dos Militares), aplicável às Forças Armadas, garantindo isonomia normativa e visando a proteção social do policial militar e bombeiro militar assegurando os benefícios garantidos ao segurado, como a reserva remunerada e a reforma, já aos dependentes, a pensão militar.
3.3 Custeio do sistema
Do ponto de vista do custeio para o fundo de proteção social dos militares, a alíquota de contribuição dos militares ativos, inativos e pensionistas foi fixada em 9,5% até 31/12/20, já a partir de 1/1/21 a alíquota passou a ser de 10,5% (dez e meio por cento). Se faz necessário mencionar o fato gerador para incidência das contribuições para o SPSM, decorrendo da percepção de remuneração, soldo, remuneração da inatividade, pensão ou outra espécie remuneratória, incluídas as vantagens pecuniárias pessoais de caráter permanente ou de qualquer outra natureza, oriundos dos cofres públicos estaduais, em decorrência das circunstâncias relacionadas ao militar da ativa, da reserva remunerada e reformado.
Existem circunstâncias da carreira do militar que se relaciona aos afastamentos e/ou licenciamento do cargo efetivo estadual militar, algumas vezes sem a percepção de soldo ou remuneração.
Logo, nessas hipóteses esse afastamento sem percepção de remuneração enquanto na ativa não contará o respectivo tempo de afastamento ou licenciamento para fins de cálculo e percepção dos benefícios (reserva remunerada ou reforma para o segurado e pensão militar para os dependentes) e nem terá o recolhimento da contribuição ao sistema de proteção social dos militares.
Além dos afastamentos e licenciamentos, o militar poderá ser cedido a outros órgãos ou entidades de outra unidade da Federação com ônus e sem ônus. A cessão sem ônus para o órgão cedente (o órgão de origem) e com ônus para o cessionário ensejará o desconto da contribuição que é descontada do militar, pelo órgão ou entidade cessionária (o órgão que recebeu o militar cedido), assim como, a contribuição devida pelo órgão de origem, tendo como base de cálculo das contribuições do militar cedido ou à disposição, o soldo ou remuneração do cargo efetivo estadual militar do qual seja titular.
Na perspectiva de exame da natureza da gratificação ou da vantagem e a sua incorporação aos proventos de inatividade, a lei 14.265/20 prevê que incidirão contribuições para o SPSM sobre as parcelas remuneratórias complementares, que não compõem a remuneração do militar no cargo efetivo, mas que são pagas pelo órgão cessionário ao militar cedido, desde que a parcela seja passível de incorporação aos proventos de inatividade (reserva remunerada ou reforma).
Já no caso de cessão do militar sem ônus para o cessionário, a responsabilidade dos descontos continuará sob a responsabilidade do cedente e o dever de repasse das contribuições à unidade gestora do SPSM.
Nos casos de exercício de mandato eletivo Federal, estadual, distrital ou municipal, caberá ao militar afastado do seu cargo efetivo estadual militar, nos termos do art. 38 da CF/88, desde que o afastamento tenha se dado com prejuízo do soldo ou remuneração do cargo efetivo, o recolhimento da contribuição diretamente à conta bancária do SPSM, cuja base de cálculo corresponderá ao soldo ou remuneração do cargo efetivo do qual o segurado seja titular.
3.5 Inatividade remunerada: Reserva e reforma
Sobre a passagem do policial militar à inatividade, a legislação contempla duas situações em relação à inatividade remunerada que são: a reserva remunerada e a reforma, que estão disciplinadas na lei 7.990/01 (Estatuto dos Policiais Militares do Estado da Bahia), alterado pela lei 14.186 de 15/1/20.
A reserva remunerada pode ocorrer a pedido ou de "ex officio", sendo a pedido deverá ser requerida pelo militar, através de requerimento escrito. Podendo ser a reserva remunerada com remuneração integral na inatividade, se contar com 35 (trinta e cinco) anos de serviço, dos quais pelo menos 30 (trinta) anos deve ser de exercício de atividade militar ou com remuneração proporcional na inatividade, com base em tantas quotas de remuneração do posto ou da graduação quantos forem os anos de serviço, se não atingir o tempo mínimo de serviço.
A transferência para a reserva remunerada "ex officio" ocorrerá quando forem implementadas as condições previstas no art. 177 do Estatuto dos Militares, como atingir as idades-limite para a permanência no posto ou terem os oficiais ultrapassado 6 (seis) anos de permanência no último posto ou 9 (nove) anos de permanência no penúltimo posto, previstos na hierarquia do seu Quadro, dentre outras situações previstas no mencionado artigo.
A reforma aplica-se ao militar de ofício quando ele atingir as idades-limite para permanência na reserva remunerada: se oficial superior, 64 anos; se oficial intermediário ou subalterno, 60 anos e se praça, 60 anos. Outra situação é quando o militar for julgado incapaz definitivamente para o serviço ativo da Polícia Militar, quando estiver agregado por mais de um ano, por ter sido julgado incapaz temporariamente, mediante homologação de Junta de Saúde ou Junta Médica credenciada e quando for condenado à pena de reforma, prevista no CPM, por sentença com trânsito em julgado, por decisão da Justiça Estadual em consequência do Conselho da Justificação para os Praças e Oficiais.
4. Conclusão
O SPSM - Sistema de Proteção Social dos Policiais Militares e Bombeiros Militares da Bahia, instituído pela lei 14.265/20, representa um marco jurídico e administrativo de significativa relevância, especialmente ao conferir maior segurança normativa ao regime jurídico dos militares, alinhando às diretrizes fixadas pela lei Federal 13.954/19.
A criação do SPSM para os militares estaduais evidencia o reconhecimento da singularidade da carreira castrense e a necessidade de um modelo de proteção social que considere suas peculiaridades funcionais.
Do ponto de vista jurídico e institucional, o SPSM não se restringe a uma mera transposição de normas federais para a esfera estadual, mas constitui um sistema de proteção social, construído para contemplar as especificidades da carreira militar estadual. Entre tais particularidades, destacam-se a dedicação integral à função, a disponibilidade permanente, a impossibilidade de sindicalização e de greve, e a sujeição a um regime disciplinar rigoroso, circunstâncias que demandam um tratamento jurídico diferenciado e justificam a manutenção de um sistema protetivo autônomo e especializado, por meio do estabelecimento de parâmetros claros sobre a inatividade remunerada, as pensões, o custeio do sistema e as condições de manutenção da qualidade de segurado e de dependente, o que minimiza lacunas interpretativas, que anteriormente geravam insegurança administrativa e elevado número de litígios judiciais.
Sob a ótica social e orçamentária, a lei assume relevância ainda maior, na medida em que o contingente de militares estaduais representa parcela expressiva da estrutura de segurança pública e, simultaneamente, impacto considerável nas despesas pública, o que implica tanto um elevado impacto na estrutura estatal quanto uma significativa responsabilidade financeira para o Tesouro estadual. O equilíbrio atuarial e financeiro do sistema, portanto, constitui desafio central e exige mecanismos de gestão transparentes, sustentáveis e ajustados à realidade fiscal do Estado.
Não obstante, trata-se de diploma normativo relativamente recente, cujos efeitos ainda se consolidam no plano administrativo e judicial. Esse aspecto reforça a necessidade de aprofundamento doutrinário e jurisprudencial, capaz de fornecer maior previsibilidade na aplicação prática das normas e assegurar a compatibilidade do regime estadual com o ordenamento constitucional.
Questões relacionadas à sua interpretação doutrinária e à sua aplicação jurisprudencial ainda estão em desenvolvimento, de modo que a consolidação de entendimentos pelos tribunais estaduais e superiores será fundamental para conferir maior previsibilidade às situações concretas. Ademais, o acompanhamento da execução administrativa é imprescindível, uma vez que a efetividade do sistema depende da boa governança do fundo de proteção social e da observância rigorosa de critérios técnicos para sua sustentabilidade.
Conclui-se, portanto, que a continuidade de estudos acadêmicos sobre o tema é essencial para a consolidação do regime, contribuindo para o fortalecimento institucional da segurança pública, para a proteção dos direitos dos militares e de seus dependentes e, em última instância, para a preservação do interesse público, considerando que o Sistema de Proteção Social dos Militares da Bahia é mais do que um conjunto de normas, trata-se de uma expressão do reconhecimento da dedicação daqueles que vivem em constante disponibilidade para proteger a sociedade. Ao mesmo tempo, denota-se o desafio permanente de equilibrar direitos fundamentais e responsabilidade fiscal. Cabendo aos operadores do Direito e estudiosos do tema, acompanhar sua consolidação, fiscalizar sua execução e contribuir para que o sistema não seja apenas um aparato legal, mas um verdadeiro instrumento de justiça social, capaz de assegurar dignidade aos militares e segurança ao interesse público.


