Licença ambiental estratégica: Inovação da lei geral de licenciamento ambiental
Se bem aplicada, poderá corrigir falhas históricas do modelo tradicional, garantindo maior eficiência administrativa, proteção ambiental integrada e previsibilidade para investidores e sociedade.
quinta-feira, 2 de outubro de 2025
Atualizado em 1 de outubro de 2025 11:05
A promulgação da lei 15.190/25, denominada LGLA - Lei Geral de Licenciamento Ambiental, representou uma virada normativa de relevância histórica no ordenamento jurídico brasileiro.
Entre as inovações mais expressivas do diploma, encontra-se a instituição da LAE - Licença Ambiental Especial, prevista no art. 5º como um dos sete tipos de licença ambiental admitidos pelo novo regime.
Paralelamente, o governo Federal publicou, no mesmo dia, 8/8/25, a MP 1.308/25, que regulamenta a LAE - Licença Ambiental Especial, prevista na lei geral do licenciamento ambiental.
A MP surge logo após a sanção da lei 15.190/25, da qual o presidente vetou pontos polêmicos, como o processo monofásico, que permitiria a expedição de todas as licenças de uma só vez, e a previsão de que a licença entrasse em vigor apenas seis meses depois.
Com a medida provisória, o governo autorizou a aplicação imediata da LAE, mas afastou a possibilidade de simplificação excessiva, sinalizando um equilíbrio entre agilidade e rigor ambiental.
O novo instrumento será aplicado aos empreendimentos considerados estratégicos pelo Conselho de Governo, órgão consultivo que assessora diretamente a Presidência da República.
O veto ao processo monofásico foi interpretado como um gesto de cautela do governo, mas o debate parlamentar sobre a MP certamente retomará essas tensões, em especial diante do risco de que empreendimentos de grande impacto recebam tratamento acelerado sem a devida maturação técnica.
Embora já esteja em vigor, a MP 1.308/25 depende da aprovação do Congresso Nacional para ser convertida em lei.
A tramitação, em regime de urgência, prosseguirá a partir da instalação da comissão mista e seguirá para votação nos plenários da Câmara e do Senado.
Nesse cenário, a MP pode se tornar palco de um novo embate político, em que a pauta ambiental e os interesses econômicos voltarão a se confrontar, colocando em evidência os dilemas de um país que busca conciliar desenvolvimento e sustentabilidade.
Ao consolidar e sistematizar os procedimentos de licenciamento, a legislação procurou equilibrar a proteção do meio ambiente - direito fundamental inscrito no art. 225 da CF/88 - com a segurança jurídica e a previsibilidade necessárias ao desenvolvimento econômico.
A LAE surge como uma licença de caráter prévio, amplo e orientador, destinada a avaliar e ordenar, em escala estratégica, empreendimentos ou políticas públicas que tenham impactos ambientais cumulativos, sinérgicos ou difusos.
Seu desenho normativo não se limita a um único projeto, mas busca enxergar o território em sua complexidade, antecipando riscos e compatibilizando usos do solo, recursos naturais e diretrizes de desenvolvimento.
Assim, a LAE difere das licenças tradicionais (prévia, de instalação ou de operação), cujo enfoque recai sobre empreendimentos individualizados. Ela funciona como instrumento de planejamento ambiental, como um filtro inicial que condiciona e orienta os demais licenciamentos subsequentes de empreendimentos necessariamente considerados estratégicos pelo Poder Público.
Caso pretenda utilizar o LAE, o governo Federal poderá, por exemplo, possibilitar o avanço da autorização para atividades como a exploração de petróleo na Amazônia, caso do pedido feito pela Petrobras para explorar petróleo na Margem Equatorial do Rio Amazonas (Fonte: Agência Senado).
A adoção da LAE traz consequências diretas para o regime jurídico do licenciamento, tais como:
- Racionalização dos procedimentos: Empreendimentos que se enquadram sob diretrizes estabelecidas em uma LAE poderão ter seu processo de licenciamento individual simplificado.
- Segurança jurídica ampliada: A definição prévia de condicionantes estratégicas reduz margens de incerteza, mitigando litígios e recursos administrativos.
- Integração federativa: Como a LGLA harmoniza competências da União, Estados e municípios, a LAE serve de plataforma de convergência, evitando sobreposições de exigências.
- Fortalecimento da análise cumulativa: Diferentemente da avaliação fragmentada, a LAE impõe análise conjunta de impactos regionais, aspecto frequentemente ignorado no licenciamento tradicional.
A LAE - Licença Ambiental Estratégica representa um avanço significativo introduzido pela lei 15.190/25, incorporando uma visão de planejamento antecipatório no processo de licenciamento.
Na prática, a LAE funcionará como um ato administrativo expedido pela autoridade licenciadora, que estabelecerá as condições para instalação de empreendimentos estratégicos com potencial de causar significativa degradação ambiental.
Esses projetos serão definidos em decreto presidencial a partir de proposta bianual do Conselho de Governo e terão prioridade de análise, com o apoio de uma equipe técnica permanente.
Além disso, todos os órgãos públicos envolvidos no processo de licenciamento deverão dar celeridade às autorizações necessárias, e o prazo máximo para a conclusão será de doze meses, desde que o empreendedor apresente o EIA - Estudo de Impacto Ambiental e o Rima - Relatório de Impacto Ambiental, ambos mantidos como requisitos obrigatórios.
Para a iniciativa privada, a MP pode representar um sinal positivo de desburocratização e maior segurança para investimentos em projetos considerados prioritários, já que impõe prazos definidos e confere status de urgência ao processo.
No campo ambiental, entretanto, a discussão promete ser acirrada.
Apesar de seu caráter inovador, a LAE enfrenta críticas:
- Risco de esvaziamento técnico: Se conduzida apenas como instrumento burocrático, sem metodologia clara de AAE - Avaliação Ambiental Estratégica, pode se tornar mero ritual de validação de políticas já definidas.
- Capacidade institucional: Exige equipes técnicas qualificadas e sistemas de informação robustos, o que ainda não se consolidou nos órgãos ambientais brasileiros.
- Possível judicialização: A delimitação do alcance jurídico da LAE sobre os licenciamentos subsequentes poderá ser objeto de questionamentos, sobretudo em setores de grande impacto econômico.
A iniciativa reflete um movimento político claro do governo: atender à demanda por maior previsibilidade e rapidez nos licenciamentos de grandes obras, especialmente em setores como infraestrutura e energia, sem renunciar a parâmetros de proteção ambiental.
Ao mesmo tempo, a medida evidencia o esforço do Executivo em assumir protagonismo diante de um tema historicamente travado por disputas entre ambientalistas e setores produtivos.
Em sentido oposto, organizações da sociedade civil e especialistas já começam a se mobilizar para eventual questionamento no sentido de ser verificado se a prioridade conferida à LAE não resultará em pressões indevidas sobre os órgãos licenciadores ou em análises apressadas.
O desafio, contudo, está em evitar a superficialidade e assegurar rigor técnico, de modo que a LAE cumpra seu papel como instrumento de racionalização, e não de flexibilização indevida.
Se bem aplicada, poderá corrigir falhas históricas do modelo tradicional, garantindo maior eficiência administrativa, proteção ambiental integrada e previsibilidade para investidores e sociedade.
Marcia Heloisa Pereira da Silva Buccolo
Advogada no escritório Edgard Leite Advogados Associados. Especialista em Direito Administrativo pela Universidade de Salamanca, Espanha e em Direito Público pela PUC-SP.


