Estabilidade em risco? O impacto do excesso de atestados na vida do servidor
Excesso de faltas justificadas não ameaça cargo, mas pode afetar benefícios, carreira e gerar acompanhamento da Administração.
quinta-feira, 2 de outubro de 2025
Atualizado em 1 de outubro de 2025 11:03
Imagine a seguinte cena: um funcionário público exemplar, que sempre se dedicou ao trabalho com zelo, começa a lidar com questões de saúde. Entre idas ao médico, terapias e repouso, a quantidade de licenças médicas aumenta. Uma questão preocupante surge: será que essa quantidade de ausências, mesmo com justificativa, pode ameaçar meu cargo?
Essa é uma questão válida que gera incerteza em muitos funcionários. Afinal, a segurança no setor público é um dos pilares da profissão, mas isso não quer dizer que não existam deveres. Por outro lado, o funcionário é um ser humano, passível de enfrentar surpresas, enfermidades e vulnerabilidades que a instituição não pode desconsiderar.
Neste artigo, vamos explorar juntos as implicações práticas desse assunto. O objetivo é explicar, de forma acessível e compreensível, em que medida o número elevado de faltas abonadas pode ou não prejudicar a posição no serviço público.
Qual a diferença entre ausências justificadas e não justificadas?
Para entendermos se um funcionário público pode ser demitido por ter muitas ausências justificadas, é crucial sabermos o que a lei define como falta justificada e não justificada.
Resumidamente, uma falta justificada acontece quando o funcionário não vai ao trabalho, mas apresenta uma razão que a Administração Pública considera válida. A lei lista várias situações aceitáveis:
- Atestado médico emitido por um profissional de saúde e confirmado pela perícia oficial;
- Licença maternidade, paternidade ou adoção, direitos assegurados pela Constituição;
- Falecimento de um familiar próximo, com um período de afastamento determinado por lei;
- Intimação judicial, como a obrigação de ser jurado ou testemunha;
- Outras situações especificadas na legislação.
Por outro lado, a falta não justificada ocorre quando o funcionário se ausenta sem dar uma explicação, ou quando a explicação dada não é aceita pela Administração. Um exemplo seria um atestado médico não aprovado pela perícia oficial, ou uma justificativa que não está prevista em lei.
Essa diferenciação é essencial. A lei 8.112/1990, em nível federal, estabelece que a ausência não justificada pode ser considerada como falta de assiduidade, o que pode levar à demissão. As faltas justificadas, por si só, não se encaixam nessa situação, mas podem ter consequências indiretas e até levantar suspeitas se forem muito frequentes, como veremos adiante.
Limites legais e consequências das faltas
A lei no Brasil é clara sobre faltas sem justificativa. A lei 8.112/1990 diz que, se um funcionário público federal faltar ao trabalho por mais de 60 dias, mesmo que não sejam seguidos, em um período de 12 meses, sem justificativa, ele pode ser demitido, que é a punição mais séria.
Além disso, mesmo antes desse limite, faltar sem justificativa pode levar a outras punições, como uma advertência ou suspensão, dependendo da situação. É importante lembrar que ir ao trabalho é uma obrigação importante para quem trabalha no serviço público.
E as faltas justificadas? Aqui mora a dúvida de muitos. Por regra, o servidor que apresenta uma justificativa aceita pela Administração não sofre penalidade disciplinar. Isso significa que não se perde o cargo por excesso de faltas justificadas.
Mas isso não quer dizer que não há consequências. Dependendo do motivo do afastamento, pode acontecer o seguinte:
Perder alguns benefícios, como auxílio-alimentação ou bônus que dependem da frequência;
Ter a progressão na carreira afetada, já que a avaliação de desempenho pode exigir uma presença mínima;
Prejudicar o ambiente de trabalho, porque a ausência constante pode fazer com que os colegas tenham que trabalhar mais e o serviço para a população pode ser prejudicado.
Em alguns casos, quando os afastamentos se tornam frequentes demais, a Administração pode abrir sindicância ou até mesmo instaurar processo administrativo para verificar se há abuso de direito ou tentativa de fraude. Nessas situações, a linha que separa o direito legítimo da prática abusiva torna-se muito tênue.
Reflexos do excesso de faltas justificadas
Apesar de não serem motivo direto para desligamento, um número muito grande de ausências justificadas pode trazer problemas para o dia a dia do funcionário. É nesse ponto que muitos se espantam: não é suficiente apresentar atestados ou provar que a ausência é válida, já que faltar demais afeta a trajetória profissional.
Algumas consequências comuns são:
- Perda de benefícios vinculados à assiduidade: Benefícios como vale-refeição ou bônus de desempenho podem ser cortados ou diminuídos, já que, em muitos casos, a lei exige a presença constante para o pagamento.
- Prejuízo na progressão funcional e avaliação de desempenho: Em vários planos de carreira, a frequência é um fator importante. Se o funcionário falta muito, mesmo com justificativa, pode ter seu crescimento desacelerado ou até impedido por um tempo.
- Dificuldade de reposição de carga horária: Dependendo da função, faltar com frequência pode atrapalhar prazos e objetivos, pedindo mais dedicação depois ou até prejudicando projetos e colegas.
- Olhares de desconfiança da Administração: Quando os atestados começam a ser muito comuns, é normal que a chefia comece a prestar mais atenção na situação. Isso não quer dizer que o funcionário esteja fraudando, mas pode levar a uma investigação ou à necessidade de uma perícia médica oficial.
Em resumo, muitas faltas justificadas não levam automaticamente à perda do emprego, mas podem diminuir direitos, atrasar o crescimento na carreira e fazer com que o funcionário seja mais observado pela chefia. Por isso, é fundamental ser honesto, sempre registrando e informando os motivos de cada ausência.
Estabilidade não é sinônimo de impunidade
Sem sombra de dúvidas, a estabilidade representa um dos maiores benefícios para quem atua no serviço público. Ela assegura que, uma vez superado o período de experiência, o profissional só perderá o cargo em cenários bem definidos, como uma sentença judicial definitiva, um PAD - processo administrativo disciplinar ou uma avaliação de desempenho insatisfatória.
No entanto, é fundamental entender que a estabilidade não serve como escudo para qualquer tipo de comportamento. Ela existe para prevenir perseguições por questões políticas ou demissões sem justa causa, mas não impede que o servidor seja responsabilizado quando não cumpre suas obrigações.
Dessa forma, mesmo que as ausências justificadas não caracterizem, por si só, falta constante ao trabalho, um número excessivo de afastamentos pode gerar dúvidas sobre a aptidão do servidor para realizar suas tarefas. Nessas situações, a Administração pode seguir dois caminhos:
- Quando há suspeita de fraude ou abuso: a instauração de um PAD pode resultar até na demissão, caso se prove que os atestados ou justificativas foram forjados ou utilizados de maneira inadequada.
- Quando há incapacidade laboral real: o caminho costuma ser a submissão a junta médica oficial, podendo resultar em readaptação funcional ou, em último caso, aposentadoria por invalidez.
Em outras palavras, a estabilidade garante que o servidor não será demitido injustamente, mas não permite faltas ilimitadas. A responsabilidade e o compromisso com o trabalho no setor público são tão importantes quanto os direitos garantidos pela Constituição.
Orientação prática ao servidor
Considerando a complexidade da situação, é natural questionar: o que o servidor pode fazer, na prática, para se proteger de problemas em razão de excesso de faltas justificadas?
A resposta inicial é é simples: organização e transparência. Não basta apresentar atestados, é preciso guardar cópias, protocolos e registros formais de cada afastamento. Isso cria um histórico claro, que poderá ser utilizado em eventual sindicância ou PAD.
Veja algumas orientações essenciais:
- Guarde todos os documentos comprobatórios: Mantenha consigo cópias de atestados médicos, relatórios, exames e qualquer documento que justifique a ausência. Sempre registre tudo oficialmente, para que conste nos arquivos do setor de recursos humanos.
- Solicite perícia médica oficial quando necessário: A lei determina que as ausências por motivos de saúde, especialmente as mais longas ou repetidas, devem ser avaliadas por uma junta médica oficial. Isso valida a ausência e evita contestações.
- Comunique-se de forma formal e tempestiva: Sempre que precisar se ausentar, avise imediatamente a Administração, preferencialmente por escrito ou através dos canais oficiais. Evite conversas informais que possam ser ignoradas futuramente.
- Acompanhe sua própria vida funcional: Esteja atento a possíveis descontos injustificados, registros de falta e reflexos em sua avaliação de desempenho. Caso perceba algo errado, solicite explicações formais.
- Busque apoio especializado: Em casos de afastamentos recorrentes por motivo de saúde ou quando houver risco de instauração de PAD, o acompanhamento médico e jurídico é fundamental para assegurar que seus direitos sejam preservados.
Mais do que um dever burocrático, essas atitudes são um ato de autoproteção. O servidor que age com clareza e transparência reduz significativamente o risco de ver sua carreira ameaçada por interpretações equivocadas da Administração.
Conclusão
A dúvida que aflige tantos servidores pode, enfim, ser respondida: o excesso de faltas justificadas não leva, automaticamente, à perda do cargo público. A legislação é bem clara ao determinar a demissão somente em situações de ausências não justificadas, caracterizando falta constante ao trabalho.
No entanto, é fundamental ter em mente que as ausências, mesmo que legítimas, geram consequências na carreira: podem diminuir benefícios, retardar avanços e gerar questionamentos por parte da Administração. Em casos mais graves, podem até mesmo levar a investigações ou processos administrativos, principalmente quando existem sinais de uso excessivo.
A grande lição é que a estabilidade não é um passe livre, mas sim uma segurança que vem junto com obrigações. O funcionário que conhece seus direitos e cumpre seus deveres consegue manter o equilíbrio entre sua saúde, sua vida pessoal e sua carreira sem comprometer a conquista de toda uma vida.
Assim, se você é funcionário público, recorde-se: cuidar da sua saúde e ser honesto com a Administração não são atitudes que se excluem, mas que se completam. Estar a par da lei, manter sua documentação organizada e agir com responsabilidade são as melhores maneiras de proteger não só o seu cargo, mas também a honra da sua jornada no serviço público.
Leticia de Oliveira Silva Borges
Associada do Via Advocacia.


