Créditos extemporâneos de PIS/Cofins: Debates recentes sobre a EFD-Contribuições
O artigo examina os recentes entendimentos administrativos sobre créditos extemporâneos de PIS/Cofins e a exigência (ou não) de retificação da EFD.
sexta-feira, 3 de outubro de 2025
Atualizado em 6 de outubro de 2025 09:03
A sistemática da não cumulatividade das contribuições ao PIS e à Cofins, disciplinada pelas leis 10.637/02 e 10.833/03, prevê a possibilidade de desconto de créditos vinculados a custos, despesas e encargos necessários à atividade do contribuinte. O §4º do art. 3º de ambas as leis admite, expressamente, a utilização de créditos de forma extemporânea, desde que respeitado o prazo decadencial. Essa previsão legal, contudo, deu origem a intenso debate no âmbito administrativo quanto à forma de operacionalizar o aproveitamento desses créditos.
O ponto central da controvérsia reside na necessidade, ou não, de retificação da EFD-Contribuições para viabilizar a utilização de créditos referentes a períodos anteriores. De um lado, há decisões reconhecendo que a lei assegura o direito ao crédito extemporâneo independentemente de ajustes formais nas escriturações. De outro, consolidou-se uma corrente mais restritiva que condiciona esse aproveitamento à retificação da escrituração do período de origem.
Em decisão paradigmática, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, no acórdão 3301-014.399, de 12/2/25, entendeu que não é necessária a retificação da documentação fiscal para que o contribuinte possa se valer de créditos extemporâneos de PIS e Cofins, desde que demonstre, por outros meios, que tais créditos não foram consumidos em períodos anteriores, que não se encontram decaídos e que, nos pedidos de compensação, tenha havido o devido rateio proporcional. Esse julgado expressou de forma clara que a comprovação material da existência e disponibilidade do crédito seria suficiente para amparar a sua utilização.
Não obstante, outras decisões do próprio CARF evidenciam tendência oposta. No acórdão 3102-002.851, de 21/7/25, o colegiado decidiu, por voto de qualidade, pela impossibilidade de aproveitamento de créditos extemporâneos sem a apresentação de escriturações retificadas, reforçando que o registro deveria observar os demonstrativos de apuração originais. No mesmo sentido, o acórdão 3202-002.785, de 19/8/25, consignou que o regime da competência impõe que o creditamento ocorra nos períodos de apuração correspondentes ao fato gerador, exigindo, assim, a retificação da EFD-Contribuições desde a origem até o período em que o crédito será utilizado. O acórdão 3301-014.500, também de agosto de 2025, alinhou-se a essa orientação ao condicionar a apropriação extemporânea à comprovação mediante retificação da EFD-Contribuições, admitindo a possibilidade de comprovação por outros meios apenas em caráter excepcional e com ônus probatório elevado para o contribuinte.
A Receita Federal, por sua vez, consolidou a mesma interpretação por meio da solução de consulta COSIT 90/25. Nessa manifestação, restou consignado que os créditos não aproveitados no período original somente podem ser descontados extemporaneamente mediante retificação da EFD-Contribuições, respeitado o prazo de cinco anos contado da transmissão da escrituração.
Verifica-se, portanto, que, embora haja precedentes admitindo a apropriação direta com base na previsão legal, o entendimento que vem prevalecendo no âmbito da Receita Federal e, em larga medida, no próprio CARF, é o da indispensabilidade da retificação da EFD-Contribuições. O resultado é a formação de um quadro de incerteza interpretativa, em que a literalidade da lei é confrontada por uma prática administrativa que impõe condicionantes adicionais para o aproveitamento de créditos extemporâneos.
Esse cenário ganhou maior densidade jurídica com a recente súmula aprovada pelo CARF em setembro de 2025, a qual fixou expressamente o entendimento de que o aproveitamento de créditos extemporâneos de PIS e Cofins pressupõe a retificação das escriturações fiscais digitais. A súmula, ao consolidar a posição mais restritiva, reforça o caráter vinculante desse requisito no contencioso administrativo e reduz o espaço para interpretações divergentes.
Essa insegurança é particularmente sensível para empresas que possuem créditos a serem apropriados, mas que encontram dificuldades em retificar suas EFD-Contribuições em razão da existência de PER/DCOMPs já transmitidos e homologados com base nessas escriturações. Nessas hipóteses, a exigência de retificação pode, em tese, inviabilizar o aproveitamento de créditos legítimos.
Todavia, decisões recentes do CARF apontam para uma possível flexibilização desse cenário. O acórdão 3202-002.854, de 19/9/25, reconheceu a possibilidade de apresentação de mais de um PER referente ao mesmo período de apuração, desde que se trate de pedidos autônomos e relativos a créditos distintos. Esse entendimento abre espaço para que, mesmo diante de um PER já deferido, o contribuinte apresente novo pedido sem que isso seja considerado retificação ou duplicidade, o que mitiga, em parte, as limitações práticas impostas pela exigência de retificação da EFD-Contribuições.
O exame da jurisprudência administrativa revela um cenário de oscilação entre a interpretação literal da lei, que admite o aproveitamento extemporâneo de créditos, e a postura restritiva da administração tributária, que condiciona esse aproveitamento à retificação da EFD-Contribuições. A admissão da possibilidade de coexistência de PERs autônomos para um mesmo período, por sua vez, adiciona uma nova variável à discussão e indica que o tema permanece em evolução. A ausência de um posicionamento consolidado acentua a insegurança jurídica, exigindo maior clareza normativa e jurisprudencial para conferir previsibilidade e estabilidade na aplicação do regime da não cumulatividade.


