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A teoria do menor maduro, o menor em tratamento médico

Este artigo tem o objetivo de discutir o direito do menor ao livre consentimento para o tratamento médico, respeitando sua percepção e sua maturidade.

segunda-feira, 6 de outubro de 2025

Atualizado às 11:13

A teoria do menor maduro e a autonomia de consentimento da criança e do adolescente em tratamento médico

1. Introdução

O reconhecimento da criança e do adolescente como sujeitos de direitos trouxe novos desafios à prática jurídica e médica. No campo da saúde, ganha relevo a discussão sobre o alcance da autonomia desses sujeitos, especialmente diante de tratamentos médicos que exigem consentimento informado. Surge, nesse contexto, a teoria do menor maduro, segundo a qual a validade da manifestação de vontade não depende exclusivamente da idade cronológica, mas da capacidade de compreensão do menor acerca das consequências do ato.

O presente artigo não tem o condão de exaurir o assunto, mas tão somente analisar a aplicação da teoria do menor maduro no direito brasileiro, sobretudo no âmbito médico, refletindo sobre a compatibilização entre o princípio da proteção integral e o respeito à autonomia progressiva da criança e do adolescente, levando em consideração a sua vivencia e compreensão sobre determinado tratamento.

2. Fundamentos normativos da autonomia progressiva

A Constituição Federal de 1988, em seu art. 227, consagra o dever da família, da sociedade e do Estado de assegurar, com prioridade absoluta, os direitos da criança e do adolescente, incluindo a preservação de sua dignidade.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (lei 8.069/90) reforça a ideia de participação ativa do menor em seus arts. 15, 16, 17 e 18, garantindo o direito de opinião e expressão, e o art. 100, parágrafo único, XII, do mesmo diploma, estabelece que deve ser respeitada a condição de pessoa em desenvolvimento.

No plano internacional, a Convenção sobre os Direitos da Criança (1989), ratificada pelo Brasil em 1990, prevê em seu art. 12 que a criança tem direito de expressar livremente sua opinião sobre questões que lhe afetem, devendo essa opinião ser considerada conforme sua idade e maturidade. Ou seja, se constatado a vivencia da criança naquele determinado tratamento médico - como um tratamento de quimioterapia - seu livre consentimento tem que ser respeitado.

3. A teoria do menor maduro 

Originária do direito inglês, notadamente do caso Gillick v. West Norfolk and Wisbech Area Health Authority (1985), a teoria do menor maduro rompe com o critério puramente etário e admite que um adolescente possa prestar consentimento válido quando demonstra capacidade de compreender a natureza, os riscos e as consequências do procedimento médico.

No Brasil, embora o CC mantenha critérios objetivos de incapacidade - arts. 3º e 4º - a doutrina e a jurisprudência vêm reconhecendo hipóteses em que a manifestação de vontade do menor deve ser considerada, especialmente na área médica, em respeito à autonomia progressiva.

Podemos citar, por exemplo, um menor de 14 anos de idade que está indo para sua sétima sessão de quimioterapia, mas tem a informação do médico que o tratamento é paliativo. Levando em consideração as sessões anteriores, pressupõe-se que o menor é maduro suficiente no assunto, ao pode de seu consentimento ser extremamente relevante para o prosseguimento do tratamento. 

4. O consentimento informado em saúde

consentimento informado é um desdobramento do princípio da dignidade da pessoa humana e do direito à autodeterminação. Tradicionalmente, esse consentimento é prestado pelos pais ou responsáveis legais, nos caso que envolvem o tratamento de menores.

Todavia, em situações que envolvem adolescentes, especialmente a partir dos 12 anos, tem-se admitido a necessidade de ouvir e respeitar a sua vontade. O CFM - Conselho Federal de Medicina, na resolução 1.995/12, reconhece que a recusa ou aceitação de tratamento por parte do paciente deve ser considerada, ainda que menor de idade, desde que dotado de discernimento.

Exemplos práticos incluem:

  • tratamento oncológico;
  • adesão a terapias invasivas ou experimentais;
  • interrupção de tratamentos de risco elevado;
  • consentimento para métodos contraceptivos ou acompanhamento psicológico.

Em tais casos, a autonomia de consentimento do adolescente deve ser analisada individualmente, cabendo à equipe médica avaliar sua maturidade, em conjunto com os responsáveis, e sempre em atenção ao melhor interesse do menor.

5. Limites e desafios da aplicação

Apesar dos avanços, a aplicação da teoria do menor maduro no Brasil enfrenta obstáculos:

  • Falta de critérios objetivos para avaliar maturidade;
  • Possibilidade de conflito entre a vontade do adolescente e a decisão dos pais;
  • Judicialização em casos de recusa a tratamento vital, em que o Estado pode intervir para preservar a vida.

Assim, é preciso equilíbrio entre a proteção integral e a autonomia progressiva, evitando tanto a anulação do consentimento do adolescente quanto a sua exposição a riscos que não compreende plenamente.

Importante, nestes casos, não se confundir a autonomia de consentimento com a autonomia de vontade, que são institutos diferentes à luz do direito.

6. Conclusão

A teoria do menor maduro, aplicada ao consentimento em tratamentos médicos, revela-se instrumento fundamental para concretizar a condição da criança e do adolescente como sujeitos de direitos. O respeito à autonomia progressiva contribui para o desenvolvimento da responsabilidade e da cidadania, sem afastar a proteção integral prevista na Constituição e no ECA.

Cabe à comunidade médica e jurídica aprimorar protocolos que garantam a escuta qualificada do adolescente, conciliando sua autonomia com a tutela de sua saúde e vida. O desafio é transformar o paradigma protetivo em um paradigma participativo, no qual a criança e o adolescente sejam reconhecidos como protagonistas de sua própria história.

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Referências

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei n. 8.069/90.

ONU. Convenção sobre os Direitos da Criança. 1989.

CFM. Resolução n. 1.995/2012.

GILLICK v. West Norfolk and Wisbech Area Health Authority [1985] 3 All ER 402.

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.

PAIVA, Angela Benedita. O direito da criança de ser ouvida. São Paulo: Saraiva, 2015.

Tacito Alexandre de Carvalho e Silva

VIP Tacito Alexandre de Carvalho e Silva

Advogado. Pós graduado em Processo Civil. Pós graduado em Direito Médico pelo instituto Albert Einstein. Professor de Processo Civil (Faculdade São Paulo). Procurador M 2009/2016. Vereador 2021/2024.

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