Investigação criminal. Limites e consequências jurídicas
O presente estudo analisa a proteção da imagem e intimidade dos investigados, diante da crescente exposição midiática promovida por autoridades públicas.
quarta-feira, 15 de outubro de 2025
Atualizado às 15:04
Introdução
O uso legítimo do poder é manifestação natural do Estado Democrático de Direito, mas seu exercício abusivo converte-se em grave ameaça à cidadania. O abuso de autoridade, ao ultrapassar os limites legais, fere a liberdade, a dignidade e a honra da pessoa humana.
Historicamente, a lei 4.898/1965 buscou coibir tais práticas, sendo posteriormente substituída pela lei 13.869/19, que atualizou a proteção contra excessos cometidos por agentes públicos. Entre as inovações, destaca-se a vedação à exposição midiática de suspeitos e a proibição de antecipação de juízo de valor antes da conclusão das apurações.
Em tempos de espetacularização da justiça, urge reforçar a centralidade dos princípios constitucionais da presunção de inocência e do devido processo legal, evitando que a investigação criminal seja transformada em palco de promoção pessoal e de desrespeito à dignidade humana.
Análise contextual do tema
A CF/88, em seus arts. 5º, incisos V, X, LIV e LVII, garante o direito à indenização por dano moral ou à imagem, a inviolabilidade da honra e da intimidade, o devido processo legal e a presunção de inocência. Esses dispositivos não são meras declarações, mas verdadeiros pilares de um Estado de Direito.
O CPP (decreto-lei 3.689/1941), por sua vez, estabelece regras que orientam a investigação criminal, impondo ao Estado o dever de apurar infrações penais com respeito às garantias individuais. A violação desses preceitos compromete a validade da investigação e macula a legitimidade da persecução penal.
A lei 13.869/19, conhecida como lei de abuso de autoridade, tipifica condutas praticadas por agentes públicos que, excedendo-se em suas funções, violam direitos fundamentais. O art. 38 da referida lei criminaliza a conduta de antecipar atribuição de culpa antes do encerramento das apurações ou do oferecimento da denúncia, vedando a exposição midiática e a manipulação da opinião pública.
Sob o aspecto fático, observa-se no Brasil contemporâneo uma perigosa tendência de "investigações espetáculo", nas quais autoridades buscam protagonismo midiático em detrimento da discrição, do sigilo e da seriedade que a investigação criminal exige. Essa postura, além de gerar nulidades processuais, compromete a imparcialidade e a credibilidade das instituições de justiça.
Assim, a análise jurídica e social evidencia que a preservação da imagem do investigado é questão de ordem constitucional, legal e ética, devendo ser observada como condição indispensável ao fortalecimento da democracia e à manutenção da paz social.
Reflexões finais
A justiça não é palco, tampouco espetáculo de vaidades. Seu altar é a CF; sua essência, a imparcialidade. Quando autoridades transformam a investigação em vitrine midiática, rasgam o manto da presunção de inocência e ferem a dignidade humana.
O investigado não pode ser exposto como troféu de caça ou condenado pela opinião pública antes mesmo do julgamento. Essa prática, além de criminosa, é uma violência contra a própria ideia de democracia. A honra, a imagem e a intimidade não são favores do Estado, mas direitos fundamentais inalienáveis, conquistados ao preço de sangue na história da humanidade.
É tempo de compreender que a legitimidade da investigação não nasce do aplauso das multidões, mas da serenidade da lei. Uma investigação só é forte quando é imparcial; só é justa quando respeita garantias; só é legítima quando não se curva ao espetáculo.
Se a sociedade deseja justiça verdadeira, deve exigir que os responsáveis pela persecução penal sejam guardiões da legalidade, e não atores de uma encenação. O combate ao crime é dever do Estado; o respeito à dignidade humana é dever da civilização.
Em síntese: proteger a imagem e a honra do investigado é proteger a própria democracia. Sem essa salvaguarda, corremos o risco de substituir a justiça pelo tribunal da opinião pública - e esse, sim, é o mais cruel dos julgamentos.
Por fim, o art. 38 da lei de abuso de autoridade criminaliza a conduta do agente público que, por meio de comunicação, inclusive em redes sociais, antecipa juízo de valor e atribui culpa a investigados antes da conclusão das apurações e da formalização da acusação. A sanção prevista é de detenção de 6 meses a 2 anos, além de multa, justamente para coibir a prática nefasta da condenação midiática.
Ressalte-se que, em virtude da independência das instâncias penal, administrativa e cível, o agente público responsável por tal violação poderá responder não apenas criminalmente, mas também por infração administrativa e pela obrigação de reparar danos materiais e morais, nos termos do art. 186 do CC e do art. 5º, inciso X, da CF/88. Tais dispositivos asseguram a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, garantindo o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
Essa proteção encontra perfeita sintonia com o enunciado da súmula 37 do STJ, que estabelece a possibilidade de cumulação das indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato.
Assim, a mensagem que ecoa da CF, da lei e da jurisprudência é clara: a dignidade da pessoa humana não pode ser sacrificada em nome da vaidade de autoridades nem do espetáculo midiático. Antecipar a culpa é violar a essência da justiça, é rasgar o manto da presunção de inocência e expor o cidadão ao mais cruel dos tribunais: o da opinião pública.
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NUCCI, Guilherme de Souza. Princípios Constitucionais Penais e Processuais Penais. São Paulo: RT, 2020.
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Texto ajustado com apoio técnico da IA ChatGPT. Acesso em 12 de setembro de 2025.


