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Lawfare e crise política no Brasil

O texto explora como as acusações mútuas entre grupos políticos deslegitimam instituições, ofendem a democracia e produzem impactos deletérios sobre a sociedade.

segunda-feira, 20 de outubro de 2025

Atualizado às 12:10

Introdução

A política brasileira contemporânea revela-se como um palco de acusações recíprocas, onde a metáfora popular "a latrina falando da sujeira" sintetiza o espírito de desconfiança que permeia a relação entre os atores públicos. Em meio a esse cenário, emerge a tese do lawfare, traduzida como a utilização estratégica e distorcida do Direito para fins políticos, com o objetivo de perseguir adversários e manipular a opinião pública.

Tal prática tem efeitos devastadores: além de enfraquecer a legitimidade das instituições jurídicas e políticas, desvia o foco das verdadeiras demandas sociais, aprofundando as mazelas históricas do Brasil. O que se percebe é um ciclo vicioso de acusações e contra-acusações que, como uma latrina política, despeja sobre a sociedade as consequências de um jogo de poder que ignora a cidadania.

Análise contextual

O uso político do Direito - o lawfare - tem ganhado relevância em diversos países, e no Brasil se apresenta como instrumento de manipulação em disputas judiciais de grande repercussão. Esse fenômeno transforma processos legais em armas de guerra política, corroendo a confiança popular no sistema de justiça.

A metáfora da "sujeira" revela que tanto acusadores quanto acusados se encontram envolvidos em práticas questionáveis, sem autoridade moral para sustentar discursos de superioridade ética. Assim, a retórica do poder dominante, ao acusar opositores de perseguição jurídica, oculta a própria sujeira que carrega em seus bastidores.

O maior prejuízo desse embate não recai sobre partidos ou lideranças, mas sobre a sociedade, que permanece refém da ausência de políticas públicas efetivas. Direitos sociais fundamentais, expressos no art. 6º da Constituição Federal de 1988 - saúde, educação, segurança, saneamento básico, mobilidade urbana, assistência social, entre outros - são relegados a segundo plano. Enquanto as elites políticas duelam em tribunais e palanques, a população sofre com hospitais sucateados, escolas precárias, violência crescente e desigualdades estruturais.

Reflexões finais

Exigir políticos honestos, no atual cenário brasileiro, parece missão quase que impossível; clamar pela volta de boçais ao poder, por sua vez, não passa de um retrocesso histórico e de uma sentença de atrofia contra o já combalido sistema democrático nacional. O Brasil não precisa de messianismos nem de farsas no comando, mas de instituições sólidas, de leis respeitadas e de uma cidadania ativa que não se curve ao poder corrupto. O verdadeiro caminho não está no retorno autoritário nem na perpetuação da cleptocracia, mas na reconstrução ética da política, na refundação moral da República e na elevação da democracia ao patamar de grandeza que o povo brasileiro merece.

A teoria do "sujo falando do mal lavado" traduz, de forma metafórica, a essência da crise política e institucional brasileira. O lawfare, ao invés de fortalecer a democracia e o Estado de Direito, fragiliza-os ao ser utilizado como arma de perseguição política.

É urgente romper com essa lógica de latrina política, que transforma a esfera pública em palco de disputas de poder, deixando de lado o compromisso com o bem comum. O verdadeiro desafio consiste em resgatar a centralidade dos direitos sociais, garantindo ao povo brasileiro condições dignas de vida e o cumprimento dos preceitos constitucionais.

Se a política permanecer refém da retórica da sujeira, a sociedade continuará sendo a grande vítima de um ciclo de degradação ética e abandono social. Somente com responsabilidade, transparência e respeito à Constituição Federal será possível reconstruir a confiança institucional e pavimentar o caminho para um Estado verdadeiramente democrático de direito.

O Brasil, herdeiro de uma história de lutas e sonhos, não pode aceitar ser reduzido a um circo de horrores sustentado pela corrupção endêmica e pela covardia cívica. Esta nação só encontrará sua verdadeira grandeza quando o povo deixar de ser espectador passivo e assumir o papel de protagonista, rompendo os grilhões do silêncio que alimentam os abutres do erário.

Não haverá redenção enquanto o ouro roubado do suor do trabalhador continuar servindo de banquete para políticos sem pudor; não haverá justiça enquanto o nepotismo e o fisiologismo forem tratados como normalidade; não haverá futuro enquanto os orçamentos forem sequestrados pelo turismo luxuoso dos que deveriam servir ao povo.

É chegada a hora de romper o pacto da mediocridade e erguer a voz contra a putrefação institucional. O câncer que corrói as entranhas da República já não se esconde - exala seu odor pútrido pelas ruas e gabinetes. E só a resistência consciente, lírica e insurgente da sociedade brasileira poderá operar a cirurgia histórica que extirpará esse tumor.

O Brasil precisa escolher: ou continua a ser pasto de abutres, ou se levanta como pátria altiva, regenerada pelo sangue de sua própria coragem e pela chama inextinguível da justiça.

Mas quando tudo parecia já exaurir a imaginação dos doutos - ou ardilosos - políticos brasileiros, eis que surge, num estalar de dedos, a famigerada PEC da Blindagem, conhecida pelo povo como PEC da Impunidade.

A proposta, em sua essência, não é outra, senão erigir um sistema institucionalizado de impunidade, no qual o sistema de Justiça somente poderá agir se, antes, houver a autorização dos próprios parlamentares, em votação secreta, para abertura de processo e formação de culpa.

Como se não bastasse, o projeto ainda ousa estender a prerrogativa de foro privilegiado aos presidentes de partidos políticos, ampliando o manto da proteção e corroendo os alicerces da República.

E assim, o Brasil continua sendo o Brasil: um país que insiste em dormir em berço esplêndido, embalado pelo canto enganoso da própria inércia, ao som do mar e à luz do céu profundo.

Enquanto isso, o Sol da Liberdade, que um dia brilhou em raios fúlgidos sobre o céu da pátria, agora se ofusca, ameaçado pela sombra dos que pretendem transformar a justiça em mercadoria e a política em refúgio da impunidade.

Portanto, o Brasil sangra. O Brasil geme. O Brasil definha diante de um câncer em fase terminal chamado corrupção, alimentado pelo nepotismo, pelo fisiologismo imundo e pela farra vergonhosa do dinheiro público. Enquanto políticos deitam em milhões desviados do suor do povo, o futuro da nação é dilapidado a cada contrato tendencioso, a cada diária de turismo paga com o erário, a cada riso debochado que zombeteia a miséria do trabalhador.

Não há grandeza possível em uma pátria em que o ouro do povo serve de festim para abutres engravatados. Não há esperança onde reina o silêncio cúmplice da sociedade que, inerte, joga milhos aos pombos, enquanto o banquete dos corruptos prossegue sem resistência.

Mas a história nos convoca! É chegada a hora de rasgar o manto da passividade e erguer a voz contra a putrefação que corrói as entranhas da República. É hora de romper o pacto da mediocridade, de insurgir contra os saqueadores da dignidade nacional, de fazer da cidadania uma espada e da consciência um escudo.

O câncer não será vencido pelo silêncio, mas pela coragem. Não será extirpado pelo conformismo, mas pela luta. O Brasil não pode ser eternamente pasto de abutres - precisa se levantar como pátria altiva e soberana, regenerada pelo sangue da coragem e pela chama inextinguível da justiça. Este é o grito que não pode calar: ou o povo desperta, ou a nação sucumbe.

A PEC da Blindagem, chamada por muitos de "Sindicato do Crime" representa uma afronta desesperada à ordem jurídica e ao sentimento elementar de justiça. Ao transformar em regra constitucional mecanismos que dificultam a investigação e a responsabilização de parlamentares, a proposta não apenas enoja a consciência cívica, como destrói os instrumentos que permitem o combate à corrupção e ao desvio do erário. Em linguagem concreta: a norma abre caminho institucional para a impunidade e para a captura do Estado por interesses escusos - um verdadeiro convite para que organizações criminosas e agentes corruptos instrumentalizem a política em benefício próprio. 

O efeito prático é óbvio e letal: se o sistema de persecução penal fica refém de instâncias políticas que podem bloquear investigações e prisões, as investigações perdem eficácia, o aparato repressivo se enfraquece e os incentivos para corrupção crescem exponencialmente. A história institucional ensina que a impunidade endêmica corrói não só o erário, mas a própria legitimidade das instituições republicanas - e, quando isso acontece, a degradação social torna-se estrutural.

A imagem do país que se esvai - putrefato, em decomposição - não é apenas metáfora retórica: é o diagnóstico de uma institucionalidade que perde seus mecanismos de autocorreção. A solução, embora dolorosa, é regenerativa: é preciso sepultar práticas e normas que naturalizam a captura e a corrupção, para impedir a proliferação do mal; só assim poderemos evitar que a contaminação se transforme em praga irreversível. É necessária, portanto, uma refundação ética do Estado - uma fênix que renasça das cinzas com instituições repensadas, controles robustos e responsabilização efetiva. 

Conclusão - um brado à sociedade brasileira: Não basta lamentar. A defesa da República exige a participação ativa e contínua de cada cidadão. Exorto a sociedade civil, as organizações independentes, os sindicatos, as entidades de classe, os órgãos de controle e, sobretudo, o eleitorado - que é soberano - a não aceitar passivamente a erosão das garantias públicas. É hora de exigir transparência, de pressionar representantes eleitos, de fortalecer instituições de investigação e de promover mecanismos legais que restabeleçam a equidade entre governantes e governados. Que a indignação se converta em mobilização cívica e pacífica: protestos democráticos, fiscalização, participação em audiências públicas, denúncia, voto consciente e apoio a organizações que defendem a transparência e o estado de direito. Só uma sociedade vigilante e organizada terá força para devolver ao Brasil um projeto de justiça social e integridade pública - fazendo renascer, das próprias cinzas, um Estado genuinamente comprometido com o bem comum. 

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Referências bibliográficas

BOTELHO, Jeferson. O sujo falando do mal lavado: crítica à crise política e ao lawfare no Brasil. Texto inédito, 2025.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 out. 1988.

CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. 23. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2021.

FACHIN, Luiz Edson. O direito e os limites do lawfare. Revista de Direito e Sociedade, v. 15, n. 2, 2020.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl. O inimigo no direito penal. Rio de Janeiro: Revan, 2007.

Jeferson Botelho

VIP Jeferson Botelho

Delegado Geral aposentado da PCMG; prof. de Direito Penal e Processo Penal; autor de obras jurídicas; advogado em Minas Gerais. Jurista. Mestre em Ciência das Religiões - Faculdade Unida Vitória/ES;

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