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Furto o roubo por arrebatamento?

Afinal de contas qual a tipicidade do arrebatamento do objeto da vítima; trata-se de furto ou roubo?

segunda-feira, 17 de novembro de 2025

Atualizado às 10:47

Introdução

O Direito Penal tem como missão a tutela dos bens jurídicos mais relevantes à convivência harmônica em sociedade. Entre eles, destaca-se a proteção ao patrimônio, um valor fundamental que sustenta não apenas a ordem econômica, mas também a segurança individual. O sistema de justiça criminal brasileiro, contudo, enfrenta dilemas interpretativos que geram insegurança jurídica, como no caso da subtração mediante arrebatamento: configura furto ou roubo?

A resposta a essa indagação exige não apenas rigor técnico, mas sensibilidade diante da escalada da criminalidade no país e da necessidade de se garantir efetiva proteção à vítima.

Diferenças e semelhanças entre furto e roubo

Ambos os crimes pertencem ao Título II do CP brasileiro, que trata dos crimes contra o patrimônio. Todavia, as distinções entre furto e roubo são substanciais e impactam diretamente na fixação da pena e na gravidade da conduta.

Furto (art. 155, CP) consiste na subtração de coisa móvel alheia sem violência ou grave ameaça à pessoa, praticado de forma clandestina ou sorrateira. A pena, na modalidade simples, é de reclusão de 1 a 4 anos, e multa. O furto qualificado abarca situações em que há rompimento de obstáculo, abuso de confiança, emprego de fraude, escalada, destreza, ou concurso de pessoas, com penas que podem atingir até 8 anos de reclusão.

Roubo (art. 157, CP), por sua vez, é a subtração de coisa móvel alheia com o emprego de violência ou grave ameaça à pessoa, ou ainda com uso de meios que a impeçam de resistir. Sua pena base é de 4 a 10 anos, e multa, podendo atingir até 30 anos nos casos de latrocínio. É um crime pluriofensivo, pois atinge não só o patrimônio, mas também a integridade física e psíquica da vítima.

Semelhanças: Ambos têm como objeto material coisa móvel alheia e exigem o dolo de assenhoramento definitivo.

Diferenças centrais:

  • No furto, a ação é furtiva, sem confrontação direta com a vítima.
  • No roubo, há confronto direto com a vítima, mediante violência ou grave ameaça.

O arrebatamento, nesse cenário, exige análise fina: trata-se de um furto ágil ou de um roubo disfarçado de destreza violenta?

Hediondez dos crimes de furto e roubo

A lei 8.072/1990, que trata dos crimes hediondos, agrava o tratamento penal de condutas que atentam gravemente contra os direitos fundamentais. Dentre os crimes contra o patrimônio, são considerados hediondos:

No roubo:

  • Com restrição de liberdade da vítima (art. 157, § 2º, V).
  • Com emprego de arma de fogo (art. 157, § 2º-A, I) ou de uso proibido/restrito (art. 157, § 2º-B).
  • Com resultado de lesão grave ou morte (latrocínio - art. 157, § 3º).

No furto:

  • Quando qualificado pelo uso de explosivo ou artefato análogo que cause perigo comum (art. 155, § 4º-A).

A natureza hedionda implica regime inicial fechado, vedação de anistia, graça e indulto, e critérios mais rígidos para progressão de pena. A gravidade e o impacto social desses crimes justificam a severidade.

Do arrebatamento na subtração da coisa móvel

A subtração por arrebatamento é o grande ponto de tensão entre a teoria e a prática penal. O vocábulo arrebatar traz a ideia de força, impetuosidade, súbito ataque. Pergunta-se: ao arrancar um objeto - um celular, um cordão, um relógio - da vítima, com brusquidão, há violência?

Parte da doutrina e jurisprudência classifica como furto com destreza ou furto por arrebatamento, quando o ato é praticado de forma súbita, sem resistência da vítima, e sem qualquer consequência lesiva.

Outros intérpretes, contudo, entendem que há violência implícita no ato, pois o gesto de arrancar algo de alguém, sobretudo quando a vítima é surpreendida, envolve abalo físico ou psíquico. Em determinados contextos, pode causar hematomas, desequilíbrio, quedas ou traumas.

É crucial examinar o caso concreto:

  • Houve contato físico ou risco de lesão?
  • A vítima foi exposta a medo, pânico ou impossibilidade de reação?
  • A violência foi empregada para vencer resistência?

A tipificação correta depende de um exame acurado da intensidade do ato e seus efeitos. O simples fato de não haver arma ou ameaça verbal não elimina a possibilidade de se reconhecer a violência.

Análise crítica

A recente decisão de tribunal que tipificou o arrebatamento como furto, e não como roubo, acendeu o debate público. Políticos se apressaram em usar o caso como palanque ideológico, enquanto juristas se dividiram.

Mas onde está o interesse da vítima? Onde está a função social do Direito Penal?

Desconsiderar o medo da vítima, o trauma da abordagem súbita e violenta, é desumanizar o sistema de justiça. O Direito Penal não pode ser conivente com a degradação do sentimento de segurança coletiva, sobretudo num país onde o crime avança com ousadia.

Ao considerar o arrebatamento como furto, abre-se uma porta perigosa à impunidade seletiva. O medo das ruas, o cerceamento da liberdade cotidiana e a banalização da violência não podem ser ignorados em nome de tecnicismos frios.

Conclusão

A hermenêutica penal deve ser comprometida com a verdade, com o equilíbrio entre legalidade e justiça social. O autor que arranca de forma violenta ou com força uma coisa da vítima, por mais rápido que seja, comete roubo, pois viola a integridade corporal ou emocional da vítima.

Respeitam-se os que pensam diferente. É a beleza da democracia. Mas é preciso coragem para defender que o Direito Penal seja um instrumento de proteção do cidadão de bem, e não um manual de defesa do infrator.

Não se trata de populismo punitivista, mas de urgência de justiça. O Brasil não pode se dobrar à normalização da barbárie urbana. O crime de arrebatamento, quando ofensivo à integridade, deve ser tratado com o rigor de um roubo.

A segurança pública está em colapso. O Direito Penal de terceira via, voltado à proteção da vítima e da sociedade, não é opção: é necessidade histórica. Que os tribunais, ao decidirem, não esqueçam que a CF protege, antes de tudo, a dignidade da pessoa humana - e isso inclui o direito de não ser violentamente surpreendido em plena luz do dia por um delinquente travestido de ladrão esperto.

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BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Vol. 3. Crimes em Espécie. Saraiva, 2023.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

BRASIL. Código Penal. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940.

BRASIL. Lei nº 8.072/1990 (Lei dos Crimes Hediondos).

BRASIL. Lei nº 13.654/2018 (Reforma dos crimes patrimoniais).

MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de Direito Penal. Parte Especial. 34ª ed. São Paulo: Atlas, 2023.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 18. ed. São Paulo: Forense, 2024.

Texto ajustado com apoio técnico da IA ChatGPT. Acesso em 26 de julho de 2025.

Jeferson Botelho

VIP Jeferson Botelho

Delegado Geral aposentado da PCMG; prof. de Direito Penal e Processo Penal; autor de obras jurídicas; advogado em Minas Gerais. Jurista. Mestre em Ciência das Religiões - Faculdade Unida Vitória/ES;

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