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Sucessão na empresa: Como não quebrar o negócio (e a família)

70% das empresas familiares não chegam à 2ª geração. O problema não é o mercado, é a sucessão. Evite guerras familiares, custos altos e o fim do seu legado com planejamento e as ferramentas certas.

terça-feira, 28 de outubro de 2025

Atualizado às 14:43

Você construiu! Com suor, lágrimas e sacrifícios que só quem empreende entende. Sua empresa é seu legado, o pão na mesa da sua família. Você sonha em vê-la prosperar por gerações, liderada por seus filhos, netos, carregando seu nome e seus valores.

Pois bem, tenho que te contar que a realidade é razoavelmente desanimadora. Mais de 70% das empresas familiares não chegam à segunda geração, e menos de 15% sobrevivem à terceira. É uma estatística que tira o sono de qualquer fundador. Não é a concorrência, a crise econômica ou a inovação disruptiva que mata a maioria desses negócios. É a sucessão.

A sucessão empresarial é o momento mais perigoso na vida de uma empresa familiar. É a hora em que o bastão é passado, e a forma como isso acontece pode significar a continuação do seu legado ou a falência, acompanhada, quase invariavelmente, por uma guerra familiar. Não é uma questão de "se" vai acontecer, mas de "quando". E adiar essa conversa é o maior atestado de irresponsabilidade que um fundador pode dar.

Uma empresa familiar não é um negócio comum. Ela vive na intersecção de três mundos: a família, a propriedade e a gestão. Quando tudo está funcionando, esses círculos se sobrepõem harmoniosamente. Na sucessão, eles colidem, criando o cenário de desastre.

  1. Conflitos na família: O pai que não confia no filho, o filho que se sente eternamente subestimado, a filha que tem aptidão mas é ignorada, os genros e noras que têm "boas ideias". Velhas mágoas e rivalidades afloram. O negócio vira palco para disputas pessoais.
  2. Conflitos na propriedade: Quem vai ser o dono? Em que proporção? As quotas serão iguais para todos os filhos, mesmo os que não trabalham na empresa? E o que fazer com as quotas do herdeiro que quer vender a parte para viajar pelo mundo?
  3. Conflitos na gestão: Quem tem o poder de decisão? Quem será o novo CEO? O filho que estudou fora tem competência para substituir o pai visionário? E o executivo não-familiar que ajudou a construir a empresa, como ele se encaixa nesse novo arranjo?

A sucessão é como uma cirurgia na empresa. Qualquer corte errado pode ser ruim para o negócio e, de brinde, para a família.

Jogo sem regras...

A complexidade da sucessão aumenta porque cada "jogador" tem sua própria agenda e seus próprios medos.

  • O fundador teme a perda do propósito, da identidade. Acha que ninguém fará tão bem quanto ele. Procrastina a decisão, prometendo que "um dia a gente vê isso". O que ele não percebe é que, ao adiar, está condenando o próprio legado. A morte de um fundador sem plano de sucessão é também um potencial atestado de óbito para a maioria das empresas.
  • Os herdeiros sentem o peso da expectativa, a pressão de preencher um vazio imenso. Podem não ter o desejo ou a aptidão para a gestão, mas se sentem obrigados. Ou, pior, podem ter aptidão e serem preteridos por algum tipo de favoritismo ou insegurança do fundador.
  • Os executivos não familiares veem com apreensão a instabilidade. Se não há clareza, tendem a buscar outro lugar, levando consigo conhecimento e experiência valiosos.

O outro problema (in) visível...

Além de todos os dramas humanos, a sucessão empresarial carrega outro problema grande.

  • O ITCMD sobre as quotas: Ao falecer o fundador, as quotas da empresa entram no inventário e são tributadas pelo ITCMD. O problema? A base de cálculo pode ser o valor de mercado da empresa, que pode ser milhões, e não o valor simbólico do capital social. Onde a família vai arrumar o dinheiro para pagar esse imposto? Muitas vezes, a única saída é vender a própria empresa ou parte dela.
  • A avaliação: Determinar o valor de uma empresa familiar para fins de sucessão ou partilha é uma dor de cabeça imensa. Não é apenas o balanço; é o know-how, a marca, os relacionamentos. Uma avaliação malfeita pode ser o pingo d'água da briga familiar.

Estratégias de transição.

A sucessão não é um evento; é um processo. E, como todo processo, exige planejamento, disciplina e as ferramentas certas.

1. Governança familiar: Regras do jogo antes do jogo

  • Conselho de família: Um fórum formal para discutir expectativas, valores, carreira dos membros da família na empresa e a visão de futuro. Separa as discussões familiares das discussões de negócio.
  • Acordo de sócios (ou de acionistas): Este é o documento vital. Ele define tudo: quem pode ter quotas, como elas podem ser vendidas, quem tem direito a voto, como se resolvem impasses. É a constituição da empresa, prevenindo brigas antes que elas aconteçam.
  • Conselho de Administração (com independentes): Profissionais de mercado que trazem uma visão externa e objetiva, ajudando a tomar decisões difíceis e a profissionalizar a gestão.

2. Preparação de herdeiros: Não basta ser filho. É preciso ser competente. Defina critérios claros para entrada e ascensão na empresa (educação, experiência externa, resultados). Invista no desenvolvimento dos herdeiros que têm vocação. E, mais importante, seja honesto com aqueles que não a têm.

3. Holdings: A holding, se bem estruturada e acompanhada de um acordo de sócios sólido, pode ser um excelente veículo para organizar a propriedade da empresa, facilitar a doação de quotas em vida com cláusulas de incomunicabilidade/inalienabilidade e centralizar a gestão do capital.

4. Testamento: Além do testamento pessoal, um testamento específico para as quotas da empresa pode ser uma excelente opção. Ele pode designar quem assumirá o controle, quem venderá as quotas, e quais instruções seguir para manter a operação sem descontinuidades.

5. Seguro de vida: Sua relevância é grande. Um seguro de vida bem estruturado pode prover a liquidez imediata necessária para:

  • Pagar o ITCMD sobre as quotas da empresa, evitando a venda forçada;
  • Comprar a parte de herdeiros que não querem continuar no negócio, permitindo que os que desejam seguir na gestão mantenham o controle;
  • Garantir a subsistência da família enquanto o processo de sucessão (e inventário) se desenrola.

Repercussões no setor e planejamento

A complexidade e a taxa de falha da sucessão familiar estão impulsionando o mercado de consultoria especializada.

  • Consultoria multidisciplinar: A demanda por planejadores que unam expertise jurídica, financeira e de gestão familiar está em alta. O problema não é de um advogado, um contador ou um psicólogo; é de todos eles juntos.
  • Novos produtos financeiros: Seguros com finalidade específica para sucessão, fundos de liquidez para pagamento de ITCMD e mecanismos de valuation de empresas familiares tornam-se cada vez mais sofisticados.
  • Governança como ativo: Empresas com governança familiar sólida passam a ser vistas com mais valor por investidores externos, facilitando futuras captações ou vendas.

Conclusão...

Passar o bastão é o último e maior ato de amor que um fundador pode demonstrar por sua família e por sua criação. Não é um sinal de fraqueza, mas de sabedoria e força.

Ignorar isso é um convite para uma tempestade entrar na sua casa e na sua empresa. É deixar para o destino e para os advogados decidirem o futuro da sua empresa e da sua família. É como construir uma mansão, mobiliar com o que há de melhor, mas esquecer de colocar um telhado. Quando a chuva (ou o inevitável) chegar, tudo o que você construiu será danificado ou destruído.

A sucessão não é sobre a sua partida. É sobre a permanência ad eternum. E, para isso, é preciso planejar, dialogar e, acima de tudo, ter a humildade de aceitar que sua obra não é apenas a empresa, mas a capacidade dela prosperar sem você.

Lucas Pereira Santos Parreira

VIP Lucas Pereira Santos Parreira

Sócio no Escritório Rosenthal e Sarfatis Metta Advogados Associados. Mestre em Direito Empresarial e Especialista em Direito Tributário, Direito Civil e Direito Contratual.

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