MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. Quando o erro da empresa gera ônus ao empregado: Lições de governança e compliance

Quando o erro da empresa gera ônus ao empregado: Lições de governança e compliance

Erro de empresa gera prejuízo a empregado e mostra como falhas internas, falta de controle e gestão ineficiente podem comprometer confiança e credibilidade.

quinta-feira, 9 de outubro de 2025

Atualizado às 13:10

Um trabalhador conquistou na Justiça o direito a indenização após cair na malha fina do Imposto de Renda por erro da própria empregadora no envio de informações à Receita Federal. Mais do que um litígio trabalhista ou tributário, o episódio expõe um tema essencial para o ambiente corporativo: a necessidade de estruturas de governança e compliance sólidas, capazes de prevenir falhas internas que podem gerar prejuízos a terceiros e, em última instância, comprometer a credibilidade de toda a organização.

Cumprir prazos e entregar declarações não é suficiente. Governança significa ter processos claros, responsabilidades muito bem definidas e mecanismos de fiscalização permanentes. Quando a informação circula de forma fragmentada, sem checagem ou sem clareza sobre quem deve validá-la, abre-se espaço para erros que comprometem a integridade do sistema. No caso em questão, a ausência de um controle eficaz acabou transferindo ao trabalhador um problema que deveria ter sido prevenido pela empresa.

Um programa de compliance efetivo vai além da formalidade de códigos de conduta. Ele deve funcionar como barreira concreta contra falhas, com revisões cruzadas, auditorias periódicas e treinamentos contínuos. Auditorias internas ajudam a identificar fragilidades nos fluxos de rotina, enquanto auditorias externas oferecem uma visão independente que aumenta a confiabilidade do processo. Se a organização tivesse submetido os dados fiscais a esse tipo de checagem, a falha dificilmente teria chegado ao Judiciário.

Há, porém, um desafio cultural. Muitas empresas ainda tratam compliance como um acessório, que pode ser reduzido em momentos de crise e reforçado em tempos de bonança. Esse raciocínio é perigoso: é justamente sob pressão financeira ou operacional que se revelam as fragilidades de uma estrutura de governança. Integridade não pode ser circunstancial. Ela deve fazer parte do DNA empresarial, presente em todas as áreas e respaldada pela alta administração.

A decisão que responsabilizou a empresa mostra também que a negligência administrativa deixou de ser tolerada como acidente burocrático. Hoje, falhas dessa natureza geram indenizações, processos e repercussões reputacionais. Para além do custo financeiro, há o impacto na confiança de empregados, fornecedores, clientes e até dos órgãos reguladores, que passam a enxergar a companhia como desorganizada e pouco confiável. A reputação, construída ao longo de anos, pode ser abalada em um único episódio de descuido.

Governança e compliance, portanto, não são responsabilidades exclusivas de departamentos jurídicos ou de controladoria. A alta administração deve liderar esse processo, demonstrando que a gestão de riscos e o cumprimento rigoroso das normas fazem parte da estratégia central do negócio. Conselhos, diretorias e lideranças precisam dar o exemplo, garantindo que a cultura de integridade esteja presente em cada decisão. É esse compromisso no topo que fortalece a organização e torna as regras algo vivo, e não apenas um manual esquecido em gavetas.

O episódio envolvendo o erro fiscal que atingiu o trabalhador deixa uma lição clara: negligência custa caro. Uma falha aparentemente simples de informação tributária se converteu em indenização judicial, desgaste para a empresa e insegurança para o colaborador. Casos como esse reforçam que governança e compliance não podem ser tratados como formalidades abstratas. São instrumentos indispensáveis para proteger pessoas, organizações e a sociedade de riscos que, quando negligenciados, se transformam em litígios, sanções e perda de credibilidade.

Letícia Gerard Tavares Málaga

Letícia Gerard Tavares Málaga

Advogada com ampla experiência em Direito Empresarial e M&A e sócia do Urbano Vitalino Advogados na área de Tecnologia e Inovação.

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca