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Devedores no radar: Estratégias para não perder o timing

Fim de ano eleva a inadimplência e expõe falhas na gestão de crédito. Empresas que agem rápido e com estratégia evitam perdas e aumentam a recuperação.

quinta-feira, 9 de outubro de 2025

Atualizado às 13:11

É histórico e certo, no fim de ano, as contas atrasadas tendem a aumentar. Compras de Natal, reajustes de preços, gasto com impostos municipais ou tributos finais, cansaço financeiro das famílias, tudo isso pressiona o orçamento.

Em novembro de 2024, por exemplo, a inadimplência atingiu "o maior índice desde outubro de 2023"1.

Mais recentemente, em agosto de 2025, a inadimplência das famílias chegou a 30,4 %, o maior grau já registrado na série histórica da Peic - Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor da CNC2.

Isto significa dizer que quase 1 em cada 3 famílias brasileiras não estava quitando contas em dia.

Nos bastidores empresariais o cenário não é diferente, pois as contas que deixaram de ser cobradas, os atrasos que viram "esquecimentos" e o famoso pensamento de "vamos ver isso em janeiro" são recorrentes.

Só que "janeiro" já pode ser tarde demais, pois muitos devedores já terão ingressado em recuperação judicial, terão diluído ativos ou iniciado etapas de blindagem legal. Por que isso acontece? Porque o final do ano é terreno fértil para a inadimplência, especialmente entre empresas.

Em março de 2025, a inadimplência entre empresas bateu 7,3 milhões de CNPJs, o maior número já registrado pela Serasa Experian, o que equivale a cerca de 31,9% dos negócios ativos no Brasil3.

Em 2024, os pedidos de recuperação judicial saltaram 61,8% em comparação ao ano anterior4, sendo o maior volume desde o início da série histórica, com cerca de 7 milhões de empresas inadimplentes, somando dívidas que ultrapassaram R$ 156 bilhões5.

Esses números mostram que não é exagero dizer que o risco corporativo escalou e que se no início do ano uma empresa já entra no vermelho, no final o descontrole pode se tornar irreversível.

Por isso, quem acha que "depois resolve", pelo histórico do cliente ou relacionamento, corre sério risco de ver sua carteira contaminada com créditos perdidos e processos longos para discutir recuperação.

A bem da verdade, o semestre encurtou, os feriados pressionaram e o modo "esperar dezembro" virou armadilha.

E o fim de ano é o pior momento para relaxar (infelizmente), pois com departamentos com menor apetite para cobrança, até mesmo em priorização do fechamento contábil, com o comercial focando nas metas de curto prazo e o jurídico programado o recesso, a inadimplência ganha força,

E é perceptível que o comportamento dos devedores muda, pois na prática o que se vê é a tentativa de postergação das negociações, com prazos para além do recesso de fim de ano, muitos evitam o contato, sabendo que por vezes as equipes ficam reduzidas e há também, aqueles que até negociam acordos frágeis, apostando no volume e na pressa de encerramento do exercício.

E para temperar ainda mais a "ceia" da cobrança, temos as recuperações judiciais distribuídas pouco antes do recesso ou logo no início do ano, surpreendendo muitos credores, mesmo repetindo-se esse cenário ano após ano.

Mas se é assim, por que as empresas relaxam (e o risco aumenta)?

A resposta é menos óbvia do que parece, pois as empresas não relaxam porque querem, relaxam porque seu próprio ciclo interno muitas vezes conspira contra o timing da cobrança.

Como brevemente abordado acima, nos últimos meses do ano, o ambiente corporativo muda e as prioridades se deslocam e, a gestão de crédito, é vista muitas vezes como assunto "para o próximo exercício".

Esse descompasso gera uma miopia de curto prazo, pois a organização enxerga o balanço, mas não o fluxo, mas é no fluxo, no atraso silencioso das pequenas parcelas, nos boletos não cobrados, nas renegociações que ficam sem acompanhamento ou pendentes, que a inadimplência se instala.

Entre novembro e dezembro, muitas companhias entram no que o mercado financeiro chama de "modo férias operacional", as decisões ficam mais lentas, equipes reduzem o ritmo e há uma espécie de "trégua informal" nas cobranças.

Esse comportamento é compreensível do ponto de vista humano, mas perigoso sob o prisma empresarial, pois enquanto o credor desacelera, o devedor pode estar reorganizando sua estratégia, liquidando as dívidas mais urgentes, priorizando credores mais ativos e empurrando o restante para o próximo exercício.

Assim como o ditado "quem não é visto não é lembrado", poderíamos dizer que "quem não cobra, simplesmente sai da lista de prioridades".

E mais, usualmente é nessa fase de "calmaria contábil" que muitos devedores preparam o terreno para entrar em recuperação judicial no início do ano seguinte ou no apagar das luzes do recesso, quando o passivo já está acomodado e o mercado menos atento.

Não é coincidência que janeiro e fevereiro concentrem, historicamente, o pico de pedidos de RJ.

Por fim, há o fator mais recorrente (e talvez o mais equivocado...), a crença de que "ninguém paga no fim do ano", pois na prática o que se observa é justamente o contrário, pois períodos com campanhas ativas de renegociação em novembro e dezembro apresentam índices de regularização de até 30% superiores aos de meses neutros, justamente por coincidirem com momentos de entrada de recursos (13º salário, bônus corporativos, fechamento de contratos e aumento do consumo).

Ou seja, há dinheiro em circulação, o que falta é estratégia.

O risco aumenta porque a empresa desliga o radar, mas quais estratégias adotar?

O segredo está em manter o radar ligado o tempo todo e isso não significa cobrar com agressividade ou saturar clientes com mensagens, ligações e e-mails, mas usar dados, timing e segmentação para transformar a cobrança em inteligência.

Empresas que aplicam uma lógica preventiva e não apenas reativa, recuperam até 40% mais créditos, segundo estudos de mercado da Serasa Experian e da Boa Vista, estando o diferencial não em cobrar mais, mas cobrar melhor.

E para tanto, o primeiro passo é saber quem é quem na carteira, ou seja, segmentar a carteira de devedores por critérios objetivos, como tempo de atraso, histórico de pagamentos e renegociações, porte do cliente, volume e recorrência da dívida e, principalmente (a meu ver...), aqueles que apresentam sinais externos de risco (ações judiciais, protestos e mudanças societárias).

As mudanças societárias e o aumento no número de ações judiciais, especialmente, podem revelar um cenário de recuperação judicial ou de blindagem patrimonial, razão pela qual entendo estratégico concentrar esforços de cobrança.

Além disso, após essa segregação, analisar os perfis de devedores é crucial para essa triagem, podendo ser considerando 3 perfis básicos, quais sejam, (i) devedores em condição de regularizar, que respondem bem a campanhas rápidas com incentivo; (ii) os devedores estratégicos, com risco moderado, que exigem negociação personalizada e; os devedores críticos, que dão sinais de colapso e precisam de monitoramento jurídico imediato, revisão de contratos e limitação do crédito, para estancar o passivo.

Essa triagem evita desperdício de energia e garante que o time comercial, financeiro e jurídico falem a mesma língua.

Usar a tecnologia a seu favor pode ser a diferença que faltava.

A cobrança moderna não é mais sobre insistência, mas sobre inteligência e tempo de resposta e hoje há ferramentas capazes de detectar em tempo real quando uma empresa:

  • Entra em recuperação judicial ou falência;
  • Passa a constar em novos protestos;
  • Muda o quadro societário ou a natureza do CNAE (indício de reestruturação) ou;
  • Tem execuções fiscais distribuídas em seu nome.

E sem dúvidas, transformar essas tecnologias em um indicador prático que realmente melhora a recuperação é fundamental, sendo recomendável algumas diretrizes, tais como, integração sistêmica, via API ou ingestão automática, pois o disparo de alertas automáticos para os times de cobrança ou jurídico, assim que houver um evento novo (distribuição de processo, protesto, execução fiscal etc.), pode antecipar uma negociação, uma revisão contratual ou uma atualização cadastral.

Quanto mais cedo agir, menor o custo de execução judicial e maiores as chances de recuperação.

Na prática, assessorando áreas financeiras e departamentos de cobrança, é comum encontrar carteiras com mais de 300 dias de atraso, ainda sob a bandeira de "cobrança extrajudicial".
São dívidas que já passaram por duas ou três empresas de cobrança terceirizada, sem coordenação estratégica, sem histórico centralizado e, muitas vezes, sem nenhuma análise jurídica do perfil do devedor.

Nessas carteiras, o ciclo da cobrança se repete: o primeiro escritório envia cartas; o segundo tenta ligações; o terceiro oferece acordos simbólicos e a verdade é que  todos chegam tarde e quando finalmente o caso é judicializado, o devedor já tem outras execuções em curso, bens bloqueados e uma probabilidade mínima de recuperação.

O que se perde, portanto, não é apenas o crédito, mas o tempo de reação, sendo consenso que o tempo, nesse contexto, é o insumo mais caro da cobrança.

Os papéis de jurídico e financeiro nesse contexto devem ser revistos, pois o jurídico deve deixar de ser o último a agir e passa a atuar como guardião do timing, aquele que identifica o momento exato de transição entre o extrajudicial e o judicial e o financeiro, por sua vez, deixa de lidar apenas com números e passa a lidar com sinais - com o comportamento financeiro real da base de clientes.

Essa combinação, sem dúvidas, é o divisor de águas entre quem ainda cobra e quem realmente recupera crédito.

Conclusão.

O comportamento de cobrança precisa acompanhar o comportamento econômico e se
a inadimplência sobe no final do ano, é justamente neste período que o movimento inverso deve começar, acionando-se o radar, revisando a carteira, colocando jurídico e financeiro para agir de forma coordenada.

Porque, no fim das contas, a cobrança eficaz não depende apenas de capital, mas de tempo e estratégia.

E tempo, nessa fase do ano, é justamente o que mais falta...

_________

1 Disponível em https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2024-12/inadimplencia-atinge-em-novembro-maior-indice-desde-outubro-de-2023. Acesso em 7/10/2025.

2 Disponível em https://borainvestir.b3.com.br/noticias/inadimplencia-nas-familias-brasileiras-atinge-maior-nivel-em-15-anos-aponta-cnc. Acesso em 7/10/2025.

3 Disponível em https://www.serasaexperian.com.br/sala-de-imprensa/indicadores/inadimplencia-bate-recorde-no-brasil-com-73-milhoes-de-empresas-que-somam-dividas-de-quase-rdollar-170-bilhoes-aponta-serasa-experian. Acesso em 7/10/2025.

4 Disponível em https://www.fecomercio.com.br/noticia/crise-silenciosa-brasil-registra-recorde-de-recuperacoes-judiciais-e-inadimplencia-entre-empresas. Acesso em 7/10/2025.

5 Disponível em https://www.poder360.com.br/poder-economia/empresas-tem-inadimplencia-recorde-e-dividas-de-r-156-bilhoes. Acesso em 7/10/2025.

Rhuana Rodrigues César

Rhuana Rodrigues César

Sócia do Chenut.

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