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COEs e a proteção do investidor: Análise jurídica sobre perdas em ativos estruturados

O dever de informação e a responsabilidade das instituições financeiras diante de eventos de mercado que impactam Certificados de Operações Estruturadas.

segunda-feira, 13 de outubro de 2025

Atualizado às 15:03

1. Resumo executivo

O mercado financeiro, por sua natureza dinâmica, apresenta desafios e oportunidades. Recentemente, investidores em COEs - Certificados de Operações Estruturadas vinculados a determinados ativos subjacentes têm enfrentado perdas significativas. Essa situação tem gerado um debate sobre a adequação das informações prestadas e a proteção legal do consumidor-investidor.

Este artigo técnico-jurídico explora a aplicabilidade do CDC a essas situações, detalhando o dever de suitability e de informação das instituições financeiras, a responsabilidade por falhas na comercialização de produtos complexos e os mecanismos disponíveis para a busca de ressarcimento. O objetivo desta publicação, portanto, é oferecer um panorama claro e objetivo para investidores e profissionais do Direito.

2. O cenário atual e a complexidade dos COEs - Certificados de Operações Estruturadas

Os COEs - Certificados de Operações Estruturadas são instrumentos financeiros que combinam características de renda fixa e variável, oferecendo estruturas de retorno e risco amplamente diversas. Sua complexidade reside na vinculação a ativos subjacentes (como ações, índices, moedas ou commodities) e na incorporação de derivativos, o que os torna de difícil compreensão para o investidor médio.

Recentemente, o mercado financeiro tem sido palco de discussões acaloradas envolvendo COEs cujo desempenho foi impactado por eventos corporativos ou de mercado relevantes em empresas de setores específicos.

Tais eventos resultaram em perdas consideráveis para investidores, levantando questionamentos sobre a forma como esses produtos foram oferecidos e a clareza das informações transmitidas pelas instituições financeiras.

3. O dever de informação e o princípio da transparência no mercado financeiro

A relação entre o investidor e a instituição financeira é regida pelo CDC, conforme entendimento pacificado do STJ - REsp: 1.599.535 RS 2016/0124615-3, relator: ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 14/3/17, T3 - 3ª turma, data de publicação: DJe 21/3/17).

O investidor é considerado consumidor de serviços financeiros, e a instituição, fornecedora. Essa premissa impõe à instituição financeira um rigoroso dever de transparência e informação.

O CDC, em seus arts. 6º, inc. III, 30, 31 e 46, estabelece que o fornecedor deve prestar informações claras, precisas, ostensivas e adequadas sobre o produto ou serviço.

No contexto dos COEs, isso significa que a instituição deve detalhar, de forma compreensível ao perfil do investidor: a) Riscos intrínsecos: compreendidos como todos os riscos associados ao COE, incluindo o risco de perda do capital investido (mesmo em estruturas de "capital protegido", que podem ter condições específicas para a efetivação dessa proteção); b) Mecanismos de rentabilidade: como o retorno é gerado, os cenários de ganho e perda, e a influência dos ativos subjacentes; c) Liquidez e prazos: as limitações para resgate antecipado e as possíveis penalidades ou perdas em caso de desinvestimento antes do vencimento; d) Custos e taxas: todos os encargos que incidem sobre o investimento; e) eventos de mercado relevantes: como eventos corporativos ou de mercado nos ativos subjacentes podem afetar o desempenho do COE.

A falha em cumprir esse dever de informação, seja por omissão, obscuridade ou inadequação, pode configurar uma falha na prestação do serviço, ensejando a responsabilidade da instituição financeira pelos prejuízos causados ao investidor.

3. A importância do suitability e a adequação do produto ao "perfil do investidor"

Além do dever de informação, as instituições financeiras têm a obrigação de realizar o suitability, ou seja, a adequação do produto de investimento ao perfil do cliente.

Essa exigência, regulamentada pela CVM - Comissão de Valores Mobiliários, visa garantir que o investidor não seja exposto a riscos incompatíveis com seus objetivos, conhecimento e tolerância a perdas.

Em casos de COEs, a complexidade inerente exige um suitability ainda mais rigoroso. Se um COE é oferecido a um investidor com perfil conservador ou moderado, sem a devida compreensão dos riscos envolvidos, a instituição pode ser responsabilizada por negligência ou imprudência na comercialização. A prova de que o investidor compreendeu e aceitou os riscos de um produto complexo recai sobre a instituição financeira.

4. Caminhos para o ressarcimento: Via administrativa e judicial

Investidores que se sentirem lesados por perdas em COEs, especialmente quando há indícios de falha no dever de informação ou inadequação do produto, possuem caminhos para buscar o ressarcimento.

O principal caminho é acionar o Poder Judiciário, e consiste na propositura de uma ação judicial visando o ressarcimento dos danos sofridos. A jurisprudência tem reforçado a responsabilidade objetiva das instituições financeiras em casos de falha no dever de informação.

Por exemplo, o TJ/MG já reconheceu a responsabilidade de uma instituição, por ocasionar prejuízos decorrentes da violação ao dever de informação na intermediação de investimentos. Na ocasião, o egrégio Tribunal entendeu que "A recomendação de produto ou a realização de investimento inadequado ao perfil do cliente, em violação a uma vedação contida na Instrução 539/2013 da CVM, a qual estão sujeitas as pessoas habilitadas a atuar como integrantes do sistema de distribuição e os consultores de valores mobiliários, caracteriza ilícito contratual por falha na prestação de serviços" (TJ-MG - AC: 50007027820198130090, Relator.: Des .(a) Luiz Carlos Gomes da Mata, Data de Julgamento: 12/05/2023, 13ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 15/05/2023.

Além da via judicial, investidores que se sentem lesados podem, em certas circunstâncias, considerar o MRP - Mecanismo de Ressarcimento de Prejuízos, administrado pela BSM Supervisão de Mercados.

O MRP é um instrumento importante para indenizar investidores por prejuízos resultantes de ações ou omissões de participantes do mercado (corretoras, distribuidoras, custodiantes) relacionadas à intermediação de negociações na bolsa ou aos serviços de custódia.

É crucial entender que o MRP não cobre perdas decorrentes das oscilações normais do mercado ou de decisões de investimento equivocadas do próprio investidor.

Portanto, sua atuação se restringe a situações de falha operacional, fraude, negligência ou descumprimento de deveres fiduciários diretamente ligados à execução ou custódia dos investimentos. Embora falhas no dever de informação ou suitability possam ser interpretadas como descumprimento de deveres, a aplicação do MRP a esses casos específicos de produtos complexos como COEs pode ser mais restrita, sendo a via judicial, com base no CDC, a mais robusta para tais pleitos.

5. Conclusão

Os recentes eventos no mercado de Certificados de Operações Estruturadas reforçam a necessidade de vigilância e conhecimento por parte dos investidores.

A complexidade desses produtos exige das instituições financeiras um compromisso inabalável com a transparência e o cumprimento rigoroso dos deveres de informação e suitability.

Para o investidor que se sentir lesado, o ordenamento jurídico brasileiro oferece mecanismos de proteção e ressarcimento, notadamente através da propositura de ação judicial.

Por fim, cumpre observar que a busca por orientação jurídica especializada é um passo fundamental para analisar a viabilidade de cada caso e garantir a defesa dos direitos do consumidor-investidor.

Nota do Autor: As informações apresentadas são de caráter informativo e técnico-jurídico, não constituindo aconselhamento jurídico individualizado.

Gustavo Mendes de Andrade

VIP Gustavo Mendes de Andrade

Advogado.Fundador da Mendes de Andrade Advocacia.Formado em Direito, pela Universidade Católica de Santos.Pós-graduado (MBA) em Propriedade Intelectual(UCAM).Especialista em Direito Tributário(PUC-MG)

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