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Seu imóvel (bem de família) pode ser penhorado?

Proteja seu imóvel da penhora! Entenda o que o STF já decidiu sobre o bem de família e saiba como pode garantir os seus direitos.

terça-feira, 9 de dezembro de 2025

Atualizado às 10:18

A proteção do lar ocupa lugar de destaque no Direito brasileiro. 

Entre os instrumentos jurídicos mais relevantes para garantir a segurança da família frente a execuções judiciais está o instituto do bem de família, previsto na lei 8.009/1990

Apesar de sua aparente clareza, a aplicação prática dessa lei enfrenta inúmeras controvérsias, especialmente no que toca às exceções previstas e às recentes decisões do STF.

O objetivo é oferecer um guia robusto, técnico e confiável não apenas para leigos, mas também para advogados que desejem aprofundar sua prática em direito imobiliário e de execução.

1. Fundamentos e posição do STF / STJ sobre bem de família

1.1 O instituto legal

lei 8.009/1990 instituiu que o imóvel residencial próprio do casal ou da entidade familiar é impenhorável, isto é, não pode ser objeto de penhora para pagamento de dívidas civis, comerciais ou fiscais, em regra. 

Esse mecanismo visa assegurar o direito fundamental à moradia e proteger o núcleo familiar contra execuções que possam devastar seu bem essencial.

Porém, a lei também prevê exceções expressas no art. 3º, em que a impenhorabilidade não se aplica. São essas exceções que geram os debates práticos e estratégicos nos tribunais.

1.2 Exceções expressas do art. 3º da lei 8.009/1990

Entre as hipóteses em que a proteção pode ser elidida, destacam-se:

  • Dívidas relativas a tributos do próprio imóvel (por exemplo, IPTU, taxas, contribuições);
  • Financiamento ou garantia hipotecária que recaia sobre o próprio bem;
  • Obrigações alimentícias;
  • Fiança locatícia ponto bastante controverso.

Essas exceções são tratadas de forma estrita, ou seja, sua aplicação não deve ampliar-se além do que o texto legal permite.

1.3 Decisões do STF: temas vinculantes

Nos últimos anos, o STF firmou precedentes de repercussão geral que modificaram o panorama do bem de família em relação ao papel do fiador em contratos de locação:

  • Tema 295 (RE 612.360): o STF decidiu que é constitucional a penhora do bem de família pertencente ao fiador de locação residencial;
  • Tema 1.127 (RE 1.307.334): estendeu essa tese para locação comercial, decretando que o imóvel do fiador também pode ser penhorado em casos de contrato comercial.

Essas duas teses vinculantes estabeleceram que, ao assumir o papel de fiador, o indivíduo perde (ou limita) a proteção do bem de família relativa àquele imóvel porquanto assumiu um risco voluntário. 

Com isso, o entendimento jurisprudencial passou a permitir a penhora do imóvel residencial ou comercial do fiador em execução relacionada à locação.

Além disso, o STF também decidiu o Tema 961, que reconheceu a impenhorabilidade da pequena propriedade rural no âmbito familiar, mesmo quando ela seja composta por mais de um terreno contíguo, desde que o conjunto não exceda quatro módulos fiscais. 

Isso reforça a proteção da moradia rural diante de execuções.

No âmbito do STJ, a súmula 364 já reconhece a extensão da proteção até para pessoas solteiras, viúvas ou separadas, desde que o imóvel seja utilizado como moradia.

Portanto, as decisões do STF e do STJ caminham para resguardar o direito à moradia, mas delimitam claramente as exceções, sobretudo no caso do fiador que assumiu risco contratual.

2. Mitos frequentes e por que muitos estão equivocados

No debate jurídico e na opinião pública, frequentemente surgem mitos sobre o bem de família. A seguir, alguns dos mais comuns:

2.1 "Bem de família nunca pode ser penhorado"

Errado. A lei admite exceções expressas. E o STF confirmou, por meio dos temas 295 e 1.127, que o bem de família do fiador pode ser penhorado

A ideia de impenhorabilidade absoluta já não se sustenta diante dessas decisões.

2.2 "Fiador goza da mesma proteção que qualquer proprietário"

Falso. Ao assumir responsabilidade como fiador, a pessoa voluntariamente aceita uma garantia e o STF entendeu que a renúncia parcial à proteção do bem de família, nesse contexto, é legítima e constitucional.

2.3 "Se o imóvel é de alto padrão, perde-se a proteção"

Incorreto. O valor ou padrão do imóvel não determina a impossibilidade da proteção; o critério relevante é o uso residencial da propriedade como domicílio, não seu valor de mercado.

2.4 "A proteção só vale para famílias tradicionais (com esposo, esposa e filhos)"

Equívoco. A proteção se estende a entidade familiar em sentido amplo. A súmula 364 do STJ reconhece que indivíduos solteiros, viúvos ou separados têm direito à impenhorabilidade se for sua única residência.

2.5 "É possível alegar impenhorabilidade a qualquer momento, inclusive após arrematação"

Cautela. O STJ entende que a alegação de impenhorabilidade deve ser feita antes da arrematação, sob risco de preclusão. Ou seja: se a defesa não for feita em tempo adequado (via exceção de pré-executividade, embargos à execução ou petição simples anterior ao leilão), o direito poderá ser perdido.

3. Verdades consolidadas e zonas de incerteza

Embora algumas diretrizes já estejam bem definidas, ainda há áreas de debate e aplicação prática que exigem atenção estratégica.

3.1 A exceção do fiador prevalece

Com o efetivo efeito vinculante dos temas 295 e 1.127, a tese do STF se consolidou: o imóvel de fiador (residencial ou comercial) pode ser penhorado mesmo que seja o único bem da família

Essa regra tem sido aplicada de forma rígida pelos tribunais.

3.2 Outras exceções do art. 3º devem ser interpretadas restritivamente

art. 3º da lei 8.009/90 traz outras hipóteses de penhorabilidade (tributos, hipoteca, alimentos etc.). Essas exceções só devem ser admitidas na forma estrita, evitando-se interpretações expansivas que coloquem em risco o direito fundamental à moradia.

3.3 Pequena propriedade rural familiar

Tema 961 garante que, mesmo que a propriedade familiar seja composta por mais de uma gleba contígua, o conjunto não pode ultrapassar quatro módulos fiscais o entendimento visa proteger o uso da terra para subsistência familiar e garantir função social da propriedade.

3.4 Pressupostos formais e processuais da alegação de impenhorabilidade

A eficácia da defesa depende não só do mérito da tese, mas também do momento e da forma de sua apresentação. Em geral:

  • A alegação deve ser feita antes da arrematação;
  • Pode ser apresentada por exceção de pré-executividadeembargos à execução ou petição simples;
  • Após a arrematação, o pedido é, em regra, indeferido por preclusão.

Há controvérsias judiciais quanto à possibilidade de postulação tardia, mas essa prática é arriscada e insegura.

3.5 Imóvel utilizado para locação, mas com uso misto

Outra zona cinzenta refere-se a imóveis que exercem uso misto parcialmente como moradia e parcialmente como locação. Nesses casos, será necessária prova robusta de que a parte residencial é predominante ou exclusividade de moradia para pleitear impenhorabilidade.

3.6 Alienação ou cessão fiduciária / garantias reais vinculadas

Se houver financiamento ou garantia real sobre o imóvel (como hipoteca ou alienação fiduciária), a proteção do bem de família não se aplica, conforme exceção legal. A discussão muitas vezes gira em torno da natureza da garantia e do momento da constituição.

4. Aplicação prática

Aqui apresentamos um modelo de fluxo estratégico e tático (checklist) para proteger o imóvel contra penhora indevida.

4.1 Exemplificação do checklist inicial

Antes de apresentar qualquer defesa, seguimos os seguintes passos:

  1. Verificar residência efetiva: coletamos documentos como contas de serviços (água, luz, telefone), correspondências, matrícula do imóvel, fotos do local, cadastro fiscal, comprovantes de moradia;
  2. Confirmar que o imóvel se enquadra na lei 8.009/90: certidão de ônus reais, análise da titularidade, comprovar que o imóvel é bem residencial da entidade familiar;
  3. Identificar se há exceção legal aplicável (art. 3º): averiguar se existe dívida fiscal, garantia hipotecária, obrigação alimentar ou fiança locatícia que recai precisamente sobre esse bem;
  4. Analisar se o imóvel é rural e, nesse caso, estudar a questão dos módulos fiscais e contiguidade.

4.2 Estratégias de defesa do devedor (executado)

Com base no checklist, adotamos as seguintes estratégias:

  • Apresentar exceção de pré-executividade, antes da constrição formal do imóvel, para demonstrar a impenhorabilidade;
  • Oferecer embargos à execução, alegando violação da proteção legal e jurisprudencial;
  • Petição simples antes do leilão, se ainda não foi feita defesa;
  • Exigir prova documental do credor / exequente para demonstrar que o bem não se enquadra na proteção ou se enquadra em exceção legal;
  • Pleitear substituição/levantamento da penhora, se já houver constrição inadequada;
  • Solicitar expedição de ofício para baixa registral, caso a penhora seja considerada indevida, para eliminar o ônus do imóvel perante terceiros.

4.3 Estratégias para o credor (exequente)

As estratégias incluem:

  • Verificar e demonstrar que existe hipótese de exceção legal, especialmente fiança locatícia, tributo, garantia real ou obrigação alimentar;
  • Invocar expressamente os Temas 295 e 1.127 do STF, demonstrando que o imóvel do fiador pode (e deve) ser penhorado;
  • Apresentar prova de que o imóvel não é utilizado para moradia familiar, ou que a titularidade está em nome de pessoa jurídica, o que descaracteriza a proteção;
  • Impulsionar o processo para leilão e arrematação, observando os prazos e formalidades processuais.

4.5 Argumentação equilibrada e proporcional

Em todas as defesas, adotamos uma linha de argumentação que valoriza:

  • direito fundamental à moradia, como elemento constitucional basilar;
  • O princípio da dignidade da pessoa humana;
  • A necessidade de interpretação restritiva das exceções legais;
  • O respeito ao crédito legítimo dos credores, quando adequadamente demonstrado.

Nossa atuação visa evitar decisões desproporcionais, por exemplo, que penalizem de forma irreversível a família , ao mesmo tempo em que reconhecemos que, diante de obrigações voluntárias (como a fiança), há limite para a proteção.

4.6 Casos de sucesso (hipotéticos / anônimos)

Decisões judiciais que:

  • Reconheceram a impenhorabilidade antes da arrematação, afastando constrições gravosas;
  • Suspenderam leilões ou revertendo penhoras indevidas;
  • Promoveram levantamento de penhora e cancelamento de ônus imobiliários decorrentes de execuções mal fundamentadas.

Esses precedentes internos são utilizados como benchmark para novas estratégias, sempre observando as particularidades de cada caso e as limitações jurídicas vigentes.

5. Etapas processuais e cuidados específicos

Para que a defesa do bem de família tenha efetividade, é importante estar atento a cada fase processual:

5.1 Fase de execução antes da penhora

  • Analisar a petição inicial da execução e demonstrar desde cedo a impenhorabilidade;
  • Opusar exceção de pré-executividade tempestiva, contestando a constrição antes que ela se formalize;
  • Adotar medidas para obstar a penhora sobre o imóvel (petições, diligências, impugnações).

5.2 Após a penhora, antes do leilão

  • Impugnar a penhora por excesso de constrição, se o valor do imóvel for muito superior ao débito;
  • Pleitear substituição da penhora por bens acessórios ou outros bens menos gravosos;
  • Demonstrar documentalmente que o imóvel é bem de família e está protegido, com provas robustas.

5.3 No momento do leilão (arrematação)

  • Se a defesa ainda não foi apresentada, tentar peticionar antes do leilão para que o juiz suspenda a arrematação;
  • Apresentar embargos de terceiro caso outro sujeito (terceiro) reclame direitos sobre o imóvel;
  • Caso o imóvel já tenha sido arrematado, será muito mais difícil reverter a situação devido à preclusão exige-se provas contundentes de que a penhora foi indevida.

5.4 Após a arrematação

  • Analisar a possibilidade de ação rescisória ou pedido de anulação da arrematação em caráter excepcional;
  • Agir para correção registral, caso a penhora indevida já tenha sido averbada na matrícula do imóvel.

5.5 Cuidados documentais e práticos

  • Reunir provas de moradia contínua, de fato e de direito (contas de consumo, censo, testemunhas, cadastro municipal);
  • Prestar atenção ao momento da defesa para evitar preclusão;
  • Verificar titularidade exata do imóvel eventuais co-titulares, cessões, doações etc;
  • Avaliar a existência de outros bens do devedor que possam ser penhorados antes de atacar o bem de família;
  • Monitorar prazos e movimentações processuais, para agir com rapidez e eficácia.

6. Exemplos práticos (casos hipotéticos)

Caso 1: morador que não é fiador

João mora em um imóvel urbano que é seu único bem residencial. Ele possui uma dívida civil (não relacionada a tributos ou alimentos). O credor busca penhorar o imóvel. 

Nesse cenário, cabe defesa mediante alegação de bem de família, com base na lei 8.009/90 e jurisprudência do STJ, demonstrando que não há exceção legal aplicável. Se a defesa for feita no tempo adequado, a penhora deverá ser afastada.

Caso 2: fiador de contrato de locação residencial

Maria é fiadora de contrato de locação residencial. 

O locatário não pagou os aluguéis, o credor executa Maria, buscando penhora de seu imóvel onde ela reside. Segundo os Temas 295 e 1.127 do STF, não há proteção absoluta nesse caso: o imóvel pode ser penhorado, ainda que seja residência familiar

A estratégia de defesa deverá focar em demonstrar eventual nulidade ou vício do contrato, ou protestar contra eventual excesso, mas não pode sustentar impenhorabilidade absoluta.

Caso 3: imóvel rural da família

Carlos possui uma pequena fazenda composta por duas glebas contíguas, usadas pela família. A execução pretende penhorar parte da propriedade. Nessa hipótese, o Tema 961 do STF pode ser invocado para sustentar a impenhorabilidade, desde que o conjunto não ultrapasse quatro módulos fiscais e seja destinado à moradia ou subsistência familiar.

Caso 4: imóvel com financiamento ou garantia real

Luciana tem um imóvel residencial financiado e uma execução busca penhorar o bem para quitar outro débito. 

Aqui há exceção legal: a garantia real ou financiamento sobre o próprio imóvel impede a aplicação da impenhorabilidade. A defesa deve focar em demonstrar que a execução é indevida sobre esse bem ou que há vício no procedimento.

7. Recomendações finais para quem busca proteger seu imóvel

  1. Aja com rapidez: quanto antes for apresentada a defesa (antes da penhora ou leilão), maiores as possibilidades de sucesso;
  2. Documente seu uso residencial: contas, correspondência, cadastro municipal, fotos etc., são fundamentais para demonstrar que o imóvel é realmente moradia da família;
  3. Evite surpresas na titulação: mantenha o imóvel em nome correto, verifique co-titulares etc;
  4. Avalie previamente riscos de fiança: se for atuar como fiador, tenha ciência dos riscos de perder a proteção do bem de família;
  5. Conte com advocacia especializada: o tema exige domínio de jurisprudência do STF/STJ, interpretação da lei e estratégia processual;
  6. Planeje patrimonialmente: em razão da proteção limitada do bem de família, avaliar a estrutura patrimonial para reduzir riscos;
  7. Fique atento a mudanças jurisprudenciais: o direito evolui, e novas decisões podem alterar parâmetros de aplicação.

Conclusão

instituto do bem de família representa um dos pilares de proteção da moradia no direito brasileiro. 

Contudo, sua aplicação prática demanda cuidado, conhecimento das exceções e das decisões atuais do STF e do STJ. As recentes teses vinculantes (Temas 295 e 1.127) alteraram significativamente o panorama no que se refere ao fiador.

Kelton Aguiar

VIP Kelton Aguiar

Advogado Desde 2008 Formado pela Universidade Federal de Santa Catarina Experiência em mais de 2.000 ações judiciais ESPECIALISTA EM DIREITO BANCÁRIO OAB/SC 27135 e OAB/SP 386.554 @meuadvogadobancario

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