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Vida após o IDPJ: O desconsiderado pode apresentar embargos à execução?

Após o deferimento da desconsideração da personalidade jurídica, surge a controvérsia sobre o momento e os direitos processuais do desconsiderado na execução.

terça-feira, 14 de outubro de 2025

Atualizado em 13 de outubro de 2025 11:58

Muito se diz e se discute sobre o processamento do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, abordando a possibilidade de superar a autonomia da sociedade empresária para lhe atribuir responsabilidade patrimonial por dívidas de seus sócios, e vice-versa, analisando-se quais são os elementos e os standards de prova possíveis e aceitos para essa atribuição de responsabilidade; os meios recursais cabíveis; os limites da responsabilização, se de forma solidária ou proporcional, subsidiária ou concorrente; se há ou não honorários advocatícios sucumbenciais ao final do procedimento e se esses são arbitrados por equidade, sobre o valor da causa ou do proveito econômico, havendo farta doutrina e jurisprudência focada no procedimento processual envolvendo o mérito da desconsideração da personalidade jurídica.

No entanto, pouca análise e discussão se vê travada quanto ao momento seguinte ao deferimento da desconsideração da personalidade jurídica, quando há a inclusão do desconsiderado, seja a sociedade ou o sócio, no polo passivo do processo e este passa a ser parte legitimada para responder ao processo.

A questão controvertida de sua legitimidade já foi discutida no incidente processual instaurado exclusivamente para a apuração e declaração da existência dos elementos autorizativos para a desconsideração da personalidade jurídica, momento no qual é conferida a oportunidade ao devido processo legal para a discussão dessa questão incidental - a inclusão de um terceiro no processo e sua responsabilização. Resolvida sua legitimidade, passando a figurar no polo passivo, torna-se o desconsiderado parte no processo.

E é aí que surge a dúvida: o desconsiderado assume o processo no estado em que ele se encontra ou deve-se lhe conferir todas as mesmas prerrogativas de direito tal qual como se acabasse de ter sido citado, reestabelecendo-se os prazos processuais exclusivamente para ele?

Veja-se o problema: em havendo pedido de desconsideração da personalidade jurídica na petição inicial de uma ação de conhecimento, o terceiro-desconsiderando participará do processo como parte, apresentando todas as defesas que lhe competir no prazo processual contemporâneo às demais partes. É a regra do art. 134, § 2º, do CPC. Já se o pedido de desconsideração for posterior a apresentação da inicial, será formulado incidentalmente, ocasionando o descompasso processual, porque muito provavelmente, se não houver a suspensão do processo principal, o julgamento do incidente poderá ocorrer após a apresentação de contestação pelos réus na ação principal.

Deferida a desconsideração e inserido o desconsiderado no polo passivo da ação principal, se já apresentadas as contestações e eventualmente saneado o processo, dever-se-ia conceder ao desconsiderado a oportunidade de apresentar contestação descompassada no tempo com os demais atos processuais praticados? Se concedida a oportunidade de apresentar contestação nessa situação, conceder-se-ia novo prazo para réplica? E os demais réus, também poderiam se manifestar? Se apresentadas as provas, reestabelecer-se-ia a fase instrutória?

Os problemas de ordem prática em uma ação de conhecimento são evidentes, mas que são "solucionados" a partir da suspensão do processo principal, conforme estipula o art. 134, § 3º, do CPC:

Art. 134. O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial.

[omissis]

§ 2º Dispensa-se a instauração do incidente se a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial, hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica.

§ 3º A instauração do incidente suspenderá o processo, salvo na hipótese do § 2º.

No entanto, essa mesma "solução" não se aplica às hipóteses de instauração de incidente de desconsideração da personalidade jurídica em sede de cumprimento de sentença e em ações de execução de títulos extrajudiciais.

Nestas duas hipóteses, não necessariamente a ação principal (cumprimento de sentença e execução) precisa ser suspensa (v.g., REsp 1.918.813/PR, rel. min. Moura Ribeiro, 3ª turma, julgado em 17/2/2025, DJEN de 20/2/2025), tramitando concomitantemente os atos processuais voltados para a satisfação da obrigação executada e a discussão sobre a legitimidade do terceiro-desconsiderando.

Nesse passo, julgando-se o incidente e deferindo a desconsideração da personalidade jurídica após precluso o prazo para o ajuizamento de embargos à execução pelos executados, deve-se conceder novo prazo para que o desconsiderado apresente seus embargos à execução?

A matéria é controvertida.

Há corrente que entende ser imprescindível a concessão de prazo e oportunidade para o desconsiderado apresentar embargos à execução, implicando em lhe conceder o direito de alegar "qualquer matéria que lhe seria lícito deduzir em processo de conhecimento", nos termos do art. 917, VI, do CPC.

O fundamento se dá pelo entendimento de respeitar-se o devido processo legal, conferindo contraditório e ampla defesa, distinguindo o momento processual de defesa quanto ao objeto da desconsideração da personalidade jurídica, limitando à legitimidade e pressupostos para a desconsideração, e a defesa do mérito do processo principal. Por todos:

"*AGRAVO DE INSTRUMENTO - Execução de título extrajudicial - Decisão agravada liberou o pedido de bloqueio de valores do executado, entendendo desnecessária a citação da parte incluída no polo passivo da execução após acolhimento de incidente de desconsideração da personalidade jurídica - Banco incluído no polo passivo da execução por decisão proferida em incidente de desconsideração de personalidade jurídica. Alegação de impossibilidade de prosseguimento da execução por existir recurso pendente de julgamento, salientando que sem o trânsito em julgado da decisão que acolheu o incidente de desconsideração da personalidade jurídica não pode ser incluído no polo passivo da execução - Descabimento - Desnecessário aguardar o trânsito em julgado do incidente, possibilitando o prosseguimento da execução, visando a satisfação da execução - Recurso negado. Alegação de ausência de citação na execução para pagamento voluntário do débito - Cabimento - Citação no incidente de desconsideração da personalidade jurídica (art. 135 do CPC) que não se confunde com citação na execução - Relação processual existente no incidente distinta da demanda executiva - A inclusão do Banco no polo passivo da execução, após desconsideração da personalidade jurídica, tornava imprescindível a sua citação para possibilitar o pagamento voluntário (art. 829 do CPC), antes da penhora, resguardando-se o contraditório, com desbloqueio da quantia bloqueada em favor do Banco - Recurso provido. Recurso provido em parte.*" (TJ/SP; Agravo de Instrumento 2222927-68.2025.8.26.0000; Relator (a): Francisco Giaquinto; Órgão Julgador: 13ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 4ª Vara Cível; Data do Julgamento: 18/8/2025; Data de Registro: 18/8/2025)

De acordo com essa corrente, após o deferimento da desconsideração da personalidade jurídica, deve-se promover nova citação do desconsiderado, conferindo não só a oportunidade de ajuizar embargos à execução, mas também para cumprir a obrigação, voluntariamente, no prazo legal. Em se tratando de execução de quantia certa, os atos constritivos somente poderão ser realizados após o esgotamento do prazo para pagamento voluntário.

De outro lado, há a corrente que entende não ser possível a concessão dessa oportunidade para a apresentação de embargos à execução, sob os fundamentos de que, com a desconsideração da personalidade jurídica, o desconsiderado recebe o processo no estado em que ele se encontra e o resultado desta desconsideração apenas implica em extensão de responsabilidade patrimonial do devedor original sobre bens que se encontram sob a propriedade do desconsiderado, não se tratando de uma nova parte na relação jurídica material sob litígio.

"Agravo de instrumento. Execução de título extrajudicial. Pedido de desconsideração da personalidade jurídica acolhido para incluir as agravadas no polo passivo da execução. Rés/agravadas que ingressarão na lide no estado em que se encontram, sendo descabida nova determinação para citação em sede de execução e para reabertura do prazo para pagamento voluntário da dívida ou oposição de embargos do devedor. Decisão reformada. Recurso provido." (TJ/SP; Agravo de Instrumento 2097312-68.2025.8.26.0000; Relator (a): Pedro Kodama; Órgão Julgador: 37ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 24ª Vara Cível; Data do Julgamento: 6/9/2025; Data de Registro: 6/9/2025)

Esse posicionamento deixa clara a distinção entre obrigação/dever (schuld) e responsabilidade (haftung), reconhecendo que a obrigação é exigível do devedor da relação jurídica, mas que a responsabilidade pelo adimplemento, independentemente da assunção da obrigação, pode ser imposta ao terceiro, como autoriza o art. 790, VII, do CPC.

Ademais, extrai-se desse posicionamento o entendimento quanto ao caráter incidental da decisão da desconsideração, ou seja, de uma situação jurídica controvertida a ser decidida "no meio" do tramite processual, conservando-se os atos processuais já praticados, tratando-se de questão acessória que não atrapalha o trâmite processual, mas se insere - ou surge - no decorrer do processo, dele fazendo parte, inviabilizando o retrocesso processual, sem que tal situação ocasione violação de direitos, justamente porque se trata de imputação de responsabilidade patrimonial episódica.

A controvérsia aqui brevemente tratada é relevante e impacta significativamente nos processos de execução, porque, por exemplo, na primeira corrente, impede-se que o credor/exequente possa realizar os atos processuais necessários para a constrição de bens para a satisfação de seu direito, enquanto a segunda corrente autoriza a imediata prática de atos nesse sentido, tratando-se de discussão jurídica relevante de efeito prático, que impacta até mesmo na celeridade da prestação jurisdicional, evidenciando a necessidade de um posicionamento mais claro e unívoco sobre esses efeitos posteriores à desconsideração da personalidade jurídica para que se possa conferir a todos os jurisdicionados maior segurança jurídica.

Lucas Peron

Lucas Peron

Advogado da Mazzotini Advogados Associados.

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