Lista tríplice para chefe de Polícia Civil
Propõe-se que o chefe de Polícia Civil seja nomeado pelo governador, escolhidos em lista tríplice formada pelo voto direto.
segunda-feira, 1 de dezembro de 2025
Atualizado às 16:43
Notas introdutórias
A insegurança pública cresce vertiginosamente no Brasil, alimentada por políticas frágeis, discursos populistas e gestões descompromissadas com a essência da justiça. Enquanto parlamentares e falsos especialistas disputam holofotes digitais, o povo padece, refém de uma violência que se alastra como chaga incurável.
Entre propostas vazias e legislações simbólicas, reaparecem projetos antigos, ressuscitados apenas para atender ao clamor midiático - como o aumento de penas para falsificação de bebidas, tragédia recente que ceifou vidas inocentes. Mas a verdade é que não basta inflar o CP com novas figuras típicas e majorantes de ocasião. É preciso algo mais profundo: reformar a estrutura e o conceito da política de segurança pública e das instituições policiais investigativas.
Já defendemos, em outros escritos, a mudança topográfica da Polícia Civil e da Polícia Federal na Constituição Federal, deslocando-as do Capítulo da Segurança Pública (art. 144) para o Título das Funções Essenciais à Justiça, ao lado do Ministério Público e da Defensoria Pública. Essa alteração traria autonomia administrativa, funcional e orçamentária, rompendo com o desgarramento institucional e libertando as Polícias Investigativas da dependência política do Poder Executivo, verdadeira algema republicana que cerceia o livre exercício da persecução penal.
Nesse contexto, propõe-se que o chefe de Polícia Civil seja nomeado pelo governador do Estado dentre membros do último grau da carreira, maiores de 35 anos, escolhidos em lista tríplice formada pelo voto direto, secreto, plurinominal e obrigatório dos delegados de Polícia, para mandato de dois anos, com recondução por igual período.
A eleição da lista tríplice seria regulamentada pelo Conselho Superior da Polícia Civil, nos últimos dez dias do mês de março dos anos pares, vedado o voto por procuração. Caso o Governador não efetive a nomeação no prazo de quinze dias, assumirá automaticamente o mais votado. A exoneração do chefe de Polícia, antes do término do mandato, dependerá de votação aberta e maioria absoluta dos deputados estaduais, assegurando estabilidade institucional e equilíbrio entre os poderes.
Essa é uma proposta de renascimento republicano da Polícia Judiciária, que deve servir à Justiça e não ao capricho do governante de ocasião.
Vantagens da formação de lista tríplice
A formação de lista tríplice é, antes de tudo, uma manifestação de democracia interna e maturidade institucional. Quando o chefe da Polícia Civil é escolhido por seus pares, há legitimidade e representatividade funcional, o que afasta o espectro da nomeação meramente política, pautada por conveniências partidárias.
A escolha exclusiva pelo Governador - prática atual - cria uma relação de subserviência, transformando o chefe de Polícia em extensão do gabinete político, vulnerável a pressões e barganhas, especialmente em investigações que possam incomodar o poder.
Com a eleição interna, o chefe de Polícia teria independência decisória na elaboração de listas de promoção, sem ceder a pressões externas para beneficiar servidores apadrinhados. A mesma autonomia valeria para a composição do Conselho Superior de Polícia, frequentemente capturado por interesses políticos, e para a distribuição de cargos regionais, evitando o loteamento da estrutura policial como moeda de troca eleitoral.
Assim, a lista tríplice rompe o ciclo de dependência e inaugura uma nova era de moralidade administrativa, eficiência e ética republicana, em consonância com os princípios do art. 37 da Constituição Federal e com os valores do Estado Democrático de Direito.
Casos de nomeação por lista tríplice no Brasil
O modelo de lista tríplice não é novidade no ordenamento jurídico brasileiro. Ele está consolidado em diversas instituições essenciais à Justiça, como o Ministério Público e a Defensoria Pública.
Em Minas Gerais, por exemplo, a LC 185/25, que alterou a LC 65/03, prevê que o defensor público-geral do Estado seja nomeado pelo governador dentre membros estáveis da carreira, maiores de 35 anos, escolhidos em lista tríplice formada pelo voto direto, secreto, plurinominal e obrigatório de seus integrantes, para mandato de dois anos, com recondução permitida por igual período.
O mesmo ocorre com o Ministério Público, conforme art. 128, §3º, da Constituição Federal, e com a Procuradoria-Geral do Estado em alguns entes federativos, onde a escolha é legitimada pelo voto da própria classe.
Se o modelo é constitucional para órgãos dotados de autonomia funcional e orçamentária, por que não o seria para a Polícia Civil, que exerce função essencial à Justiça criminal e atua como primeiro instrumento de concretização da jurisdição penal do Estado?
Análise crítica contextual
A resistência à adoção da lista tríplice para a chefia das Polícias Civis revela o conservadorismo político e o receio de perda de poder por parte dos Executivos estaduais. O STF, em recentes julgados, tem declarado inconstitucionais dispositivos de Constituições estaduais que previam tal modelo, sob o argumento de que as polícias estão subordinadas ao poder civil, conforme o art. 144, §6º, da Constituição Federal.
Em decisão paradigmática na ADI 5582/RO, de relatoria do ministro Edson Fachin, o STF invalidou o art. 146-A da Constituição de Rondônia, que previa a nomeação do delegado-geral mediante lista tríplice. Segundo o relator, a norma feria o princípio da hierarquia e subordinação ao governador.
Todavia, essa interpretação merece reflexão. O poder civil não se confunde com o poder político. Subordinar-se ao Estado é respeitar a Constituição, não servir ao governante. O chefe de polícia deve fidelidade à lei e à justiça, não à vontade transitória de quem ocupa o Palácio.
A dependência hierárquica absoluta cria um ambiente de intimidação institucional, comprometendo investigações sensíveis e corroendo a confiança da sociedade na imparcialidade da persecução penal.
Assim, é imperioso revisitar a hermenêutica constitucional, a fim de distinguir subordinação administrativa de subjugação política, pois a primeira é natural ao Estado Democrático; a segunda, típica de regimes de exceção.
Reflexões finais
O Brasil clama por uma Polícia Judiciária autônoma, técnica e comprometida com a verdade real, liberta dos grilhões do partidarismo.
Não se trata de criar castas, mas de restaurar o equilíbrio entre os poderes e proteger o interesse público contra a manipulação política das investigações.
Urge que o Congresso Nacional, em gesto de grandeza cívica, proponha uma emenda constitucional que discipline de forma expressa a autonomia das Polícias Investigativas, inserindo-as entre as funções essenciais à Justiça, e que assegure a nomeação de seus chefes por lista tríplice.
Somente assim teremos chefes de polícia comprometidos com a lei, e não com o favor; com o povo, e não com o poder.
Que se rompa o silêncio cúmplice das estruturas e se inaugure uma nova era em que a verdade não seja negociada e a justiça não se curve diante do medo.
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Referências bibliográficas
Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5582/RO, Rel. Min. Edson Fachin, Supremo Tribunal Federal, julgamento em 2020.
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, arts. 37, 128, 129 e 144.
Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (Convenção de Mérida, 2003) - Ratificada pelo Decreto nº 5.687/2006.
Lei Complementar nº 185/2025 (MG) - Altera a Lei Complementar nº 65/2003, que dispõe sobre a Defensoria Pública do Estado.
Lei Complementar nº 65/2003 (MG) - Organização e estrutura da Defensoria Pública.
Lei nº 8.625/1993 - Lei Orgânica Nacional do Ministério Público.
Lei Complementar nº 80/1994 - Lei Orgânica da Defensoria Pública.
Súmula Vinculante nº 13, STF - Nepotismo na administração pública.


