O cancelamento de celebridades e influenciadores
Celebridades e influenciadores de marcas e empresas têm um compromisso legal contra práticas que possam prejudicar a credibilidade das entidades que representam, sob pena de cancelamento.
quarta-feira, 15 de outubro de 2025
Atualizado às 15:02
Introdução
O século XXI é o ponto inicial do upgrade da internet com o advento das redes sociais. Se o século anterior gerou a www - world wide web, o posterior conectou as pessoas de forma intensa, por meio de plataformas ao estilo Facebook, Instagram, X (ex Twitter), Linkedin, WhatsApp, etc. E, não bastasse isso, o grande salto da humanidade vem também com o século atual com a IA - inteligência artificial.
Qualquer coisa que for falada, escrita, digitada, etc., poderá estar sendo registrada nesse ambiente de internet, o que gera uma ideia de perpetuação da informação. Com isto, frases mal construídas, ideias lacunosas, ou até mesmo atos dolosos, que envolvem temas sensíveis, do tipo agressão ao meio ambiente, trabalho escravo, xenofobia, racismo, homofobia, misoginia, se praticados por influencers, youtubers, pessoas que de, alguma forma, gozem de algum padrão de fama, ou sejam conhecidas, terão contra si um peso insuportável do julgamento moral da internet. É claro que, aquele que erra dolosamente, com a prática de atos dessa natureza, deve ser punido de alguma forma. O problema é que o "tribunal da internet", de regra, não concede direito prévio à defesa. E a punição, de regra vem com cancelamentos. Esse cancelamento virtual pode ser visto como uma espécie de reedição da guilhotina francesa do século XVIII, não finda vida, mas lesa a fama.
Empresas de renome internacional, com uma história de décadas, que atuam em centenas de países, não querem estar associadas a pessoas que, por ventura, por erro, ou não, tenham dito em rede social, que não gostam muito de crianças, e a referida empresa é voltada à produção de brinquedos. Sem outra alternativa, a celebridade será cancelada. Daí a necessidade de agir previamente quando identificado um comportamento desvirtuado por parte de quem, que, de alguma maneira, vinculado à marca, pode gerar confusão entre a sua opinião e a política da entidade. Há uma necessidade de reação do mercado face a comportamentos politicamente incorretos por parte daqueles que se identificam com a marca. Por outro lado, antes de contratar certa celebridade, seria muito eficiente apresentar o programa de compliance da empresa esse seu pretenso e futuro representante, bem como os princípios e política dessa empresa.
1. Celebridades no século XXI: Mudanças de paradigmas
Antes do surgimento da internet, e em especial, das redes sociais, a mídia se apresentava em outdoors, via televisiva e rádio. E grandes marcas usavam como divulgadores de produtos e serviços atores, tanto da televisão, quanto do cinema. Essas eram as celebridades-padrão, por assim dizer, até o início do século XXI. Mas, eis que surgem os apps e plataformas como Youtube, Facebook, Instagram, Twitter (atual X), TikTok, que passou a dar voz a outro tipo de porta voz, um sujeito, na sua maioria, sem uma formação artística, teatral, pessoas comuns, que, observando o potencial de carisma, de conexão com o público, passaram a ser assistidos nos smartphones, PCs, tablets, etc, com alcance a milhares de seguidores. E aí começam a surgir os chamados influencers, youtubers, indivíduos cujos vídeos postados chegam a visualizações incalculáveis. Por exemplo, o americano MrBeast, conhecido como o mestre dos desafios, é em 2025 o influenciador mais seguido nas redes sociais, com mais de 634 milhões de seguidores em todas as suas plataformas digitais, tendo apenas 27 anos, e faturado ao ano US$ 85 milhões.1 Imagine a capacidade de venda de um produto/serviço ou marca divulgado por alguém com esse exército de seguidores?
Ou seja, houve uma troca de players, em que, atores profissionais cederam espaço, no mundo do marketing, a uma geração de jovens com potencial comunicativo com o público consumidor da rede social. Tem-se um novo tipo de celebridade: o influencer e o youtuber. Uma dose de carisma somada à facilidade de ingresso no mundo das plataformas acima indicadas, tem a potencialidade de tornar famoso o cidadão desconhecido. Para se ter uma ideia do tamanho desse mercado, a cidade de São Paulo, em agosto de 2025, recebeu a primeira instituição de ensino dedicada à formação de influenciadores digitais no Brasil, denominada "Community Creators Academy".2 Uma conotação acadêmica com uma base de formação vem a contribuir com a ideia de geração de um profissional que, até então, se constitui por conhecimento empírico, erros e acertos, assistindo a outros influenciadores digitais. E que ocorre quando o influencer e similares agem de maneira incorreta? Aí, entra em prática o sistema de cancelamento.
2. O cancelamento de celebridades pelo mercado
Inicialmente, cumpre destacar que, sendo o caso de relações de consumo, não são aceitáveis nem mensagens mentirosas sobre produtos e serviços e nem abusivas. Consoante o CDC, lei 8.078/90, em seu art. 37, diz, categoricamente, que é proibida toda publicidade enganosa ou abusiva. Como enganosa, o parágrafo 1° do referido artigo indica que é aquela mensagem capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços. Em suma, é aquela mensagem que indica a eficácia de um produto/serviço que o fornecedor sabe, de antemão, que não será atingida. Por sua vez, a abusiva, prevista no parágrafo 2°, esta guarda uma conotação maior com o contexto "politicamente incorreto", ao dispor que se trata da publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança. Nessa seara, pode-se observar publicidades que carregam consigam mensagens racistas, ou de menosprezo à mulher, homofóbicas, etc. O art. 67 do CDC cataloga ambas as formas de publicidade referidas como sendo também prática criminosa.
Assim, há que se fiscalizar previamente o agir do influencer que representa a empresa, assim como qualquer colaborador desta. Este influenciador, não raro, é um embaixador da marca, e deve se comportar nos termos da política da mesma e, de preferência, conhecendo o programa de compliance dessa entidade, isto é, todo o trabalho realizado pela entidade com seus colaboradores com vistas a garantir o cumprimento de leis, do agir ético, da atuação integra e transparente. O influenciador digital é considerado uma figura pública que agrega capital social nos ambientes on-line, moldando estruturas sociais, estimulando e influenciando comportamentos e formando opiniões. Essas pessoas conquistam milhares de inscritos, tornam-se excelentes arautos das empresas,3 e podem promover vendas milionárias.
Na prática, o que significa ser "cancelado"? A "cultura do cancelamento" surge nesse momento de ápice de redes sociais, com o século XXI, e representa uma rejeição pública em razão de um agir, ou opiniões consideradas inadequadas, ou politicamente incorretas. É muito fácil cancelar alguém, bastando deixar de seguir a pessoa na sua rede social, tecendo ou não comentários críticos e, as vezes, até depreciativos contra o sujeito. Esse repúdio a certa pessoa pode gerar perdas de contratos publicidade, com boicotes e linchamentos virtuais e também graves problemas econômicos ao cancelado. Daí a importância da auto-preservação para o indivíduo não ser cancelado, em especial, aqueles que vivem profissionalmente das redes sociais.
Mas, caso a empresa acabe sedo cancelada pelo comportamento do influencer ou de algum colaborador, caberá à mesma iniciar um processo de reconquista e desculpas com o mercado. Por exemplo, em novembro de 2020, foi registrado um caso muito grave com a rede de supermercados Carrefour, em que, em uma das lojas da cidade de Porto Alegre/RS, um homem afrodescendente foi retirado da loja por seguranças. Este sujeito foi paralisado no chão, após ter recebidos vários socos e pontapés, vindo a óbito por sufocamento, mesmo já estando controlado, sem capacidade de reação. No caso, os seguranças pertenciam à empresa terceirizada, mas isso não afastou a responsabilidade e a o protagonismo negativo da marca. Tal prática foi amplamente condenada nas redes sociais. Com fulcro de evitar um desgaste amplamente negativo, e ao mesmo tempo, tentar reparar o mau causado, acerca da viúva da vítima, foi celebrado acordo com a mesma, bem no início do processo. A mesma empresa anuiu também com a imposição judicial de indenização de 115 milhões de reais por danos morais coletivos, destinados a ONGS e entidades governamentais que combatem o racismo. Por certo, a rede Carrefour, que tem um apelo de marketing focando classes mais populares, não pretendia ver seu nome eternamente vinculado a um homicídio de um cliente, somado a questões racistas. Quanto mais se estendesse esse conflito, mais restaria desgastada a imagem do fornecedor.
No mesmo ano de 2020, mais precisamente no dia 25 de abril, auge da Pandemia de Covid-19, que tanto assolou o mundo, e que exigia das pessoas isolamento, a influenciadora Gabriela Pugliesi fez uma festa em seu apartamento em São Paulo, Capital, durante a quarentena. Uma vez que o episódio tomou as redes sociais, marcas conhecidas suspenderam contratos de mídia com a influenciadora, que, durante a noite da festa, publicou diversas fotos e vídeos do encontro. No mínimo, naquele período, uma festa, por menor que fosse o número de convidados, afrontava regras estatais e recomendações da Organização Mundial da Saúde frente a uma doença muito letal. Assim, sobre as marcas que suspenderam parcerias com a influencer tem-se Hope, Rappi, Baw Clothing, Kopenhagen, entre outras.4
Grandes marcas e grifes usam influenciadores, criadores de conteúdo (creators), para se divulgarem. Vão desde pessoas muito conhecidas do público até microinfluenciadores. O fato é que, se o elemento balizador de contratação se fundar unicamente no número de seguidores que um influenciador possui, e/ou quantas visualizações geram seus vídeos, corre-se o risco de não se conhecer essa pessoa, e aí surge o risco de o indivíduo propagar alguma informação ou comportamento que não se coadune com a política da empresa. São situações que podem envolver opiniões sobre questões ambientais, intolerância religiosa, etc. Imagine algum frigorífico brasileiro, sendo o Brasil grande exportador de carne ao oriente médio, contratando um influenciador que, em dado momento, resolve falar mal do Islã? Por isso é crucial avaliar previamente quem será o parceiro representante e porta voz da empresa. Do contrário, a perda pode ser catastrófica. Há que se controlar o risco reputacional da empresa para ela não ser também cancelada pelos clientes.
Importante destacar que entre a marca, empresa e influenciador deva existir uma comunicação contínua e transparente. Aquele que, de alguma forma, está a representar a empresa ao grande público deve ser apresentado à política da entidade. Da mesma forma, na medida em que a atividade do influenciador se estende no tempo, o mesmo deve estar sendo acompanhado por colaboradores da empresa de maneira que, em caso de dúvidas, o influencer possa ter um canal direto e rápido para sanar estas. Nesse sentido, importante frisar, que, caso haja algum problema ou mal entendido, o influenciador também tenha uma espaço para poder se explicar ao público, ao invés de simplesmente ser descartado, como se tivesse agido dolosamente.
Existe também a situação do influenciador que se vê obrigado a cancelar um contrato com dada empresa em razão de efeitos negativos sob sua credibilidade. É o caso, por exemplo, da influenciadora digital Virginia Fonseca, que também é proprietária da empresa de cosméticos Wepink, que encerrou, de maneira definitiva, seu contrato com a empresa de apostas digitais Blaze. A rescisão foi anunciada em meio a uma crise pública relacionada à atuação de personalidades digitais no setor de jogos, e, no caso de Virgínia, gerou o dever de pagamento de uma multa rescisória de aproximadamente R$30 milhões. Houve uma repercussão negativa de associação da influencer com a empresa, especialmente após sua convocação para prestar depoimento na Comissão Parlamentar de Inquérito das Apostas, no Senado Federal. Esse cenário gerou a Virgínia a perda mais de um milhão de seguidores nas redes sociais, impactando na sua credibilidade enquanto figura pública.5
Portanto, cancelamento será uma ferramenta que será usada pelo mercado, pelos fornecedores, que entenderem que o comportamento de certo influenciador ou colaborador seja capaz de comprometer a reputação da empresa. Algo do tipo, cancele para não ser cancelado. Da mesma forma, a posição de certa empresa, como é o caso de esta estar sendo investigada pelo Estado, pode redundar no dever de o influenciador, que pretende preservar sua credibilidade, em se desvencilhar do relacionamento com esta entidade. No entanto, antes de partir-se para a o resultado mais drástico, é importante frisar que problemas podem ser evitados com uma comunicação prévia, transparente e contínua entre influenciador e empresa. Quanto mais o influencer conhecer da política da empresa que representa, menores são as chances de erros.
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1 Disponível em: https://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2025/06/16/os-maiores-influenciadores-do-mundo-em-2025-segundo-a-forbes.ghtml. Acesso em 07.10.25.
2 Disponível em: https://olhardigital.com.br/2025/08/23/pro/sp-ganha-primeira-faculdade-de-influenciadores-do-brasil/. Acesso em 07.10.25.
3 A cultura do cancelamento e os reflexos negativos sobre a marca. Ali A. A. Junior; Andre L. O. Herzer; Tânia A. Ferreira. Revista Eletrônica Anima Terra, Faculdade de Tecnologia de Mogi das Cruzes - FATEC-MC. Mogi das Cruzes-SP., n°17, ano VIII, p.116, 2023.
4 Disponível em: https://g1.globo.com/pop-arte/noticia/2020/04/27/gabriela-pugliesi-tem-contratos-suspensos-apos-fazer-festa-durante-quarentena.ghtml.Acesso em 07.10.25.
5 Disponível em: https://www.terra.com.br/diversao/gente/virginia-fonseca-toma-atitude-drastica-e-tera-que-pagar-multa-de-30-milhoes,c005ea47675267a7a9df4b512597cf5eogn5cfk5.html.Acesso em 08.10.25.


