A responsabilidade dos influenciadores digitais pelas "publis"
Influenciadores podem ser responsabilizados pelas publis que divulgam. Entenda como o CDC os equipara a fornecedores e quais os riscos jurídicos envolvidos.
quinta-feira, 16 de outubro de 2025
Atualizado às 11:35
A publicidade deixou de ser apenas uma vitrine impessoal nos meios tradicionais de comunicação. Com a ascensão das redes sociais, o rosto e a voz que dão credibilidade às marcas passaram a ser os influenciadores digitais. Eles não apenas divulgam produtos ou serviços, mas criam conexões emocionais com seus seguidores, vinculando bens de consumo a estilos de vida e valores pessoais. Nesse cenário, surge a indagação: qual é a extensão da responsabilidade civil desses agentes pelas chamadas publis?
O CDC oferece base sólida para a análise. O art. 7º, parágrafo único, prevê que "tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo". Em razão disso, a doutrina tem defendido que o influenciador pode ser equiparado ao fornecedor, já que participa da cadeia de consumo ao endossar a qualidade do produto ou serviço. Como lembra Leonardo Roscoe Bessa1, "em relação à publicidade, todos que, direta ou indiretamente, a promovem são fornecedores equiparados".
Essa equiparação encontra ainda fundamento no princípio da confiança, central nas relações de consumo. Os seguidores acreditam na recomendação feita pelo influenciador, atribuindo-lhe papel de garantidor. Gasparatto, Freitas e Efing2 observam que "os influenciadores assumem, portanto, uma posição de garantidores em face dos produtos e serviços indicados". Da mesma forma, Sampaio e Silva3 reforçam que "a relação de confiança estabelecida entre os influenciadores e seus seguidores faz com que os potenciais consumidores confiem na marca e na qualidade do produto/serviço divulgado".
Não por acaso, o Conar - Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária elaborou um Guia de Publicidade para influenciadores, orientando que posts patrocinados sejam devidamente identificados com expressões como "publi", "publipost" ou equivalentes.4 Isso decorre do princípio da identificação, essencial para que o consumidor perceba com clareza que está diante de uma mensagem publicitária, e não apenas de uma recomendação pessoal.
O problema surge quando essa transparência é omitida. Nesses casos, o influenciador pode incorrer na chamada publicidade invisível, vedada pelo ordenamento jurídico, pois confunde o consumidor e induz sua vontade. Além disso, deve-se atentar para a proibição de publicidades enganosas ou abusivas, definidas nos §§ 1º e 2º do art. 37 do CDC, que incluem desde a omissão de informações relevantes até práticas que explorem a vulnerabilidade do público.
A jurisprudência brasileira ainda não é pacífica quanto à responsabilização direta de influenciadores, mas já existem precedentes e condenações emblemáticas. Casos como o da influenciadora Virgínia Fonseca, responsabilizada por recomendar empresa que aplicou golpe em seguidor, e do influenciador Felipe Neto, condenado pelo Conar por omitir a identificação de parceria paga, demonstram um movimento crescente de imputação de responsabilidade civil.
Portanto, é preciso reafirmar: o influenciador que afirma "eu indico" ou "eu testei e aprovei" não é mero espectador da publicidade. Ele atua como parte da cadeia de consumo e deve ser tratado como fornecedor equiparado, arcando com os riscos inerentes da atividade. A análise deve ser casuística, mas é inegável que quando o influenciador utiliza sua imagem e confiança para endossar um produto, gera nos seguidores a expectativa de qualidade e segurança.
Logo, não há dúvidas de que os influenciadores digitais não são somente "garotos" ou "garotas" propaganda, ou seja, meros anunciantes, como se via somente nos comerciais na televisão. Em verdade, nas redes sociais, os influencers associam o uso de um produto ou serviço a um estilo de vida específico, que é acompanhado diariamente por milhares de pessoas que os veem como verdadeiros ídolos. A partir disso, criam uma conexão direta com os seus seguidores, que confiam nas suas recomendações a ponto de adquirir sem hesitar aquilo que é divulgado.
Esse poder de influência, por sua vez, deve vir acompanhado de um dever de cuidado, de modo que o influenciador deva sempre, a partir do recebimento de uma proposta de publicidade, pesquisar a idoneidade da empresa proponente, já que pode responder de forma solidária por eventual publicidade enganosa ou abusiva.
Em síntese, se os influenciadores digitais usufruem do bônus da monetização e da visibilidade, também devem assumir o ônus da responsabilidade civil. A transparência, a veracidade e a lealdade não são apenas exigências éticas, mas deveres jurídicos. Ignorá-los significa colocar em risco não apenas o consumidor individual, mas a própria credibilidade do ambiente digital.
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1 BESSA, Leonardo Roscoe. Código de defesa do consumidor comentado. 2. Rio de Janeiro: Forense, 2022.
2 GASPARATTO, Ana Paula Gilio; FREITAS, Cinthia Obladen de Almendra; EFING, Antônio Carlos. Responsabilidade civil dos influenciadores digitais. Revista Jurídica Cesumar Mestrado, v. 19, n. 1, p. 65-87, jan./abr. 2019.
3 SAMPAIO, Marília de Ávila; SILVA; Miranda, Thainá Bezerra. A responsabilidade civil dos influenciadores digitais diante do Código de Defesa do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor, v. 133, ano 30, p. 175-204, São Paulo, Ed. RT, jan./fev. 2021.
4 CONSELHO NACIONAL DE AUTORREGULAMENTAÇÃO (CONAR). Guia de Publicidade - Influenciadores. CONAR, online, 2021. Disponível em: http://conar.org.br/pdf/CONAR_Guia-de-Publicidade-Influenciadores_2021-03-11.pdf. Acesso em: 18 dez. 2023.
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BESSA, Leonardo Roscoe. Código de defesa do consumidor comentado. 2. Rio de Janeiro: Forense, 2022.
CONSELHO NACIONAL DE AUTORREGULAMENTAÇÃO (CONAR). Guia de Publicidade - Influenciadores. CONAR, online, 2021. Disponível em: http://conar.org.br/pdf/CONAR_Guia-de-Publicidade-Influenciadores_2021-03-11.pdf. Acesso em: 18 dez. 2023.
GASPARATTO, Ana Paula Gilio; FREITAS, Cinthia Obladen de Almendra; EFING, Antônio Carlos. Responsabilidade civil dos influenciadores digitais. Revista Jurídica Cesumar Mestrado, v. 19, n. 1, p. 65-87, jan./abr. 2019.
SAMPAIO, Marília de Ávila; SILVA; Miranda, Thainá Bezerra. A responsabilidade civil dos influenciadores digitais diante do Código de Defesa do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor, v. 133, ano 30, p. 175-204, São Paulo, Ed. RT, jan./fev. 2021.


