Musicoterapia
O direito ao tratamento além do TEA e a abusividade das negativas dos planos de saúde.
sexta-feira, 17 de outubro de 2025
Atualizado às 15:01
1. O som como terapia e o equívoco jurídico das negativas
A musicoterapia, nos últimos anos, ganhou relevância no tratamento de crianças e adultos com TEA - Transtorno do Espectro Autista.
Apesar de reconhecida internacionalmente como intervenção terapêutica eficaz, ainda há planos de saúde que se recusam a custear o tratamento, geralmente sob duas alegações recorrentes:
- O musicoterapeuta não é profissional da saúde;
- O tratamento não é obrigatório fora do diagnóstico de TEA.
Essas justificativas, no entanto, são fracas e não prevalecem na esfera jurídica com base na legislação atual e das decisões recentes dos tribunais superiores e do STJ.
2. A musicoterapia como tratamento de saúde
A OMS - Organização Mundial da Saúde e o Ministério da Saúde reconhecem a musicoterapia como prática terapêutica voltada à promoção, manutenção e recuperação da saúde, não só para os que possuem diagnóstico de TEA, mas também para paralisia cerebral, síndromes genéticas e sequelas neurológicas, além do TEA.
Ela utiliza a música e os seus elementos, ou seja, o ritmo, a melodia, harmonia e o som para estimular funções cognitivas, emocionais e motoras, auxiliando o desenvolvimento e a reabilitação de pessoas com diferentes condições clínicas.
E assim, é uma abordagem terapêutica integrativa com resultados comprovados em diversas co, e não uma atividade recreativa como alguns planos ainda insistem em classificar.
3. O reconhecimento legal e profissional
Em abril de 2024, foi sancionada a lei 14.842/24, que regulamenta a profissão de musicoterapeuta no Brasil.
O art. 2º define o musicoterapeuta como o profissional que:
Art. 2º Musicoterapeuta é o profissional que utiliza a música e os seus elementos para intervenção terapêutica nos ambientes médico, educacional e outros, com indivíduos, grupos, famílias ou comunidades, em busca de melhorar a aprendizagem, a qualidade de vida e a saúde do ser humano em seus aspectos físico, mental e social.
Com essa lei em vigor, o musicoterapeuta passa a ter reconhecimento legal como profissional de saúde, superando qualquer dúvida sobre sua legitimidade técnica e científica, derrubando todos os argumentos dos planos de saúde que insistem em dizer que não pode realizar a cobertura com musicoterapeuta por não ser profissional da saúde.
A negativa de custeio sob o argumento de que "não é profissional da saúde", com base na resolução 218/1997 do Ministério da Saúde (que lista categorias da saúde à época), é abusiva e anacrônica.
Trata-se de norma administrativa antiga, anterior à regulamentação da profissão, e que não pode se sobrepor a uma lei Federal posterior - princípio básico de hierarquia normativa.
4. A cobertura obrigatória e a base normativa da ANS
A ANS - Agência Nacional de Saúde Suplementar incluiu a musicoterapia no rol de procedimentos, sob o código TUSS 50001213, com cobertura obrigatória, conforme a RN 465/21, art. 6º, §4º, que determina:
§ 4º Para a cobertura dos procedimentos que envolvam o tratamento/manejo dos beneficiários portadores de transtornos globais do desenvolvimento, incluindo o transtorno do espectro autista, a operadora deverá oferecer atendimento por prestador apto a executar o método ou técnica indicados pelo médico assistente para tratar a doença ou agravo do paciente. (Incluído pela RN nº 539, 23/06/2022)
Embora os planos queiram que a musicoterapia seja apenas para beneficiários com diagnóstico de TEA, a obrigatoriedade de cobertura não se limita a esse diagnóstico, pois a lei dos planos de saúde (lei 9.656/1998) estabelece a prescrição médica como critério determinante para cobertura, não o nome da patologia e a referida RN fala em transtornos globais do desenvolvimento.
Assim, havendo indicação médica expressa, o plano deve custear o tratamento, independentemente de ser TEA e também para paralisia cerebral ou outra condição neurológica.
5. Jurisprudência e abusividade da negativa
O STJ vem reafirmando em diversos julgados que os planos de saúde não podem limitar o tratamento indicado pelo médico.
A recusa de cobertura, especialmente em terapias multidisciplinares, é considerada abusiva e contrária ao direito fundamental à saúde, previsto no art. 196 da CF.
Em recentes decisões (como o REsp 2.191.718/SP e o REsp 2.215.584/SP), o STJ consolidou a obrigatoriedade da cobertura de musicoterapia e ainda, através do informativo de jurisprudência 856 do STJ, a cobertura de terapias prescritas deve ser para outras condições além de TEA, e que a negativa dessas terapias, incluindo a musicoterapia, afronta os princípios da dignidade da pessoa humana e da boa-fé contratual.
Negar a musicoterapia sob alegação de ausência de previsão normativa ou de profissional não reconhecido fere a função social do contrato e coloca o consumidor em desvantagem excessiva, conforme o art. 51, IV, do CDC.
6. Conclusão
A musicoterapia é um tratamento de saúde reconhecido, regulamentado e de cobertura obrigatória quando houver prescrição médica para diversas condições do paciente e não só TEA.
A lei 14.842/24 consolidou seu status profissional, e a inclusão no rol da ANS confirma sua eficácia e legitimidade terapêutica.
Negar o custeio com base em uma portaria desatualizada de 1997 é ato abusivo, ilegal e discriminatório contra pacientes que dependem desse cuidado para evoluir física e cognitivamente.
A música desperta conexões no cérebro - Mas também desperta direitos.
E garantir esse direito é garantir dignidade, tratamento e vida.


