MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. Privacidade ou dever de sustento? STJ decide em favor do filho

Privacidade ou dever de sustento? STJ decide em favor do filho

Decisão inédita do STJ admite quebra de sigilo bancário em pensão alimentícia para apurar renda oculta. Corte prioriza o direito à dignidade do filho em face da privacidade do pai.

sexta-feira, 17 de outubro de 2025

Atualizado às 15:02

A decisão que reacende o debate sobre privacidade e dever familiar

A 3ª turma do STJ reconheceu a legalidade da quebra dos sigilos fiscal e bancário de um pai em ação que discutia o valor da pensão alimentícia devida ao filho.

O caso, relatado pelo ministro Moura Ribeiro (REsp 2.126.879), envolvia uma pensão fixada em R$ 6,3 mil, enquanto o representante do menor apresentou planilha de despesas superiores a R$ 10 mil mensais, alegando ocultação de patrimônio e renda.

Sem outros meios eficazes de apuração, o juízo de primeiro grau determinou a quebra dos sigilos fiscal e bancário do pai, decisão posteriormente mantida pelo TJ/SP e confirmada pelo STJ.

Privacidade x dignidade: O conflito constitucional em foco

O ministro Moura Ribeiro destacou que, diante do conflito entre a inviolabilidade fiscal e bancária e o direito à subsistência digna do alimentado, deve prevalecer o interesse superior do menor.

"Existindo embate entre os princípios da inviolabilidade fiscal e bancária e o direito alimentar, como corolário da proteção à vida e à sobrevivência digna dos alimentados incapazes, impõe-se, em juízo de ponderação, a prevalência da norma fundamental de proteção aos relevantes interesses dos menores."

A decisão reafirma que a proteção da intimidade não é absoluta e pode ceder espaço à efetividade do dever de sustento, quando o alimentante omite informações relevantes à Justiça.

A visão doutrinária: Transparência patrimonial e abandono material

O jurista Rolf Madaleno, diretor nacional do IBDFAM, defende que a quebra de sigilo é uma medida constitucionalmente prevista e necessária para a descoberta da verdade real.

Segundo ele, o alimentante que oculta renda para pagar menos pode incorrer no crime de abandono material (art. 244 do CP).

"A quebra dos sigilos bancário, fiscal e do Imposto de Renda é a melhor forma de revelar a real riqueza do devedor e permitir que os alimentos sejam fixados com justiça."

Madaleno ressalta que, em ações de família, o segredo de justiça preserva a confidencialidade das informações, eliminando qualquer argumento sobre exposição indevida.

A prática forense: Da teoria da aparência à prova efetiva

Nos tribunais, é comum que juízes apliquem a chamada teoria da aparência para estimar o padrão de vida do alimentante - observando bens, veículos e viagens. Contudo, muitos desses sinais são facilmente dissimulados com o uso de "laranjas" ou blindagens patrimoniais.

Nesse contexto, a quebra de sigilo é vista como a prova mais eficaz, capaz de demonstrar a capacidade econômica real, substituindo presunções por dados concretos. Como destaca Madaleno:

"O ápice da prova judicial é a combinação entre a teoria da aparência e a quebra de sigilo. Juntas, revelam o padrão de vida e a verdade financeira do devedor."

O sigilo não pode ser escudo para a injustiça?

A decisão do STJ representa um avanço na proteção do direito alimentar e no fortalecimento do princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF/88).

O sigilo bancário, ainda que protegido constitucionalmente, não pode servir de escudo para quem frauda o dever legal de sustento.

A ponderação entre valores fundamentais deve sempre privilegiar a vida e a sobrevivência do alimentado, não o conforto de quem tenta ocultar seu verdadeiro padrão financeiro.

Conclusão: O dever de sustento como núcleo da ética familiar

Em um tempo em que a ocultação de bens e rendas se tornou sofisticada, a decisão do STJ reforça uma premissa essencial: a dignidade do filho não pode ser negociada.

A privacidade do alimentante é um direito, mas o sustento do filho é um dever constitucional.

___________________

STJ, REsp 2.126.879/SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, 3ª Turma, julgado em 2025.

Alessandro Junqueira de Souza Peixoto

VIP Alessandro Junqueira de Souza Peixoto

Advogado Especialista em Direito Imobiliário, Família e Sucessões, com 7 anos de experiência jurídica! Graduado pela PUC-GO. Pós-Graduado em Direito Imobiliário, Empresarial e Tributário Empresarial.

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca