Quando a democracia se aproxima do horizonte de eventos
O presente artigo traça uma analogia entre o colapso das estrelas, buracos negros, e o desequilíbrio dos Poderes da República, mostrando o voto como força capaz de impedir o colapso da democracia.
segunda-feira, 20 de outubro de 2025
Atualizado às 12:21
A vida de uma estrela depende de um delicado equilíbrio entre duas forças opostas: a gravidade, que a puxa para o centro, e a fusão nuclear, que libera energia e resiste a essa compressão, mantendo-a viva e brilhante (Hawking, 1990; Tyson, 2017).
Enquanto há equilíbrio entre essas forças, a estrela permanece estável, em um estado que os físicos chamam de equilíbrio dinâmico, sendo a constante tensão entre opostos que se compensam mutuamente (Greene, 2005).
Mas esse equilíbrio tem prazo. Quando o combustível nuclear se esgota, a fusão cessa e a gravidade vence. A força que antes sustentava a estrela se enfraquece e a massa colapsa em direção ao seu núcleo, provocando uma gigantesca explosão: a supernova.
O que resta desse colapso depende da massa e da densidade da estrela: as de menor massa se tornam anãs brancas; as maiores, estrelas de nêutrons; e as mais massivas e densas transformam-se em buracos negros, onde a gravidade é tão intensa que nem a luz consegue escapar (Carroll, 2021). Nesse ponto, no chamado horizonte de eventos, nada retorna. É o limite do irreversível (Hawking, 1990).
No Direito, pode-se usar essa dinâmica cósmica como metáfora.
Assim como a estrela vive de um equilíbrio entre forças opostas, o regime democrático depende do equilíbrio entre os Poderes da República, quais sejam, o Executivo, Legislativo e Judiciário, os quais, segundo o disposto na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, são independentes e harmônicos entre si (art. 2º, CRFB/1988).
Cada um exerce suas funções em harmonia e tensão, formando o sistema de freios e contrapesos, que impede o abuso de poder e assegura a estabilidade institucional. Enquanto há equilíbrio, a democracia brilha e mantém a confiança dos cidadãos em suas instituições.
Contudo, como nas estrelas, quando o equilíbrio se rompe, o sistema entra em colapso. No Brasil, observam-se sinais claros desse desequilíbrio.
O Executivo, que deveria formular políticas públicas a partir das leis criadas pelo Legislativo, deixou de deter a totalidade do orçamento para executá-las, em razão do chamado "orçamento secreto", que transferiu ao Congresso Nacional o controle de verbas públicas de forma pouco transparente, contrariando os princípios constitucionais da publicidade e da moralidade administrativa (art. 37, caput, CRFB/1988).
O Judiciário, por sua vez, tem sido constantemente atacado por cumprir o dever constitucional de aplicar o Direito, especialmente quando suas decisões contrariam interesses de grupos políticos ou de parlamentares investigados, afrontando o princípio da independência judicial e o dever de observância da Constituição como norma suprema (art. 93, IX, CRFB/1988).
E parte do Legislativo, em vez de exercer a função republicana de representar a sociedade, tem se transformado em reduto de autoproteção corporativa, priorizando projetos que beneficiam seus próprios membros ou pessoas que atentaram contra o Estado Democrático de Direito, em descompasso com o princípio republicano e a soberania popular (art. 1º, parágrafo único, CRFB/1988).
O equilíbrio entre os Poderes, que deveria sustentar o regime democrático, encontra-se em processo de ruptura. E, como na física estelar, quanto maior a massa e a densidade, maior a força e o impacto do colapso (Tyson, 2017). Quanto mais consolidada for uma democracia, mais profundos serão os efeitos do desequilíbrio.
No Brasil, onde a democracia garantiu avanços notáveis, como o Sistema Único de Saúde (art. 196, CRFB/1988), o direito à moradia (art. 6º, CRFB/1988), a educação pública gratuita (art. 205, CRFB/1988) e os programas de assistência social (art. 203, CRFB/1988), o rompimento do equilíbrio entre os poderes não representa apenas uma crise institucional: representa o risco de implosão da própria ordem democrática e, quem sabe, de direitos fundamentais.
Se o desequilíbrio continuar, o resultado poderá ser o mesmo das estrelas mais densas: um colapso das suas estruturas. A democracia pode se tornar irreversivelmente comprimida pela força da indiferença política, do desrespeito à representatividade popular, e das funções típicas exercidas pelos demais poderes.
Desta forma, é necessária a volta ao equilíbrio antes que aconteça o colapso da democracia, com sua difícil e incerta possibilidade de retorno ao estado anterior. Resta, então, indagar: qual papel o cidadão pode desempenhar para evitar que este estado cataclísmico ocorra?
Como vivemos em uma democracia representativa, o cidadão pode contribuir para a restauração do equilíbrio no ato de votar, evitando que aqueles parlamentares que colaboram para o desequilíbrio institucional continuem a exercer o mandato.
O voto é a ferramenta mais poderosa do cidadão, capaz de restaurar o equilíbrio das forças republicanas e impedir que o sistema político ultrapasse o seu próprio horizonte de eventos.
Deixar de exercê-lo de forma consciente e responsável é permitir que se perpetue um quadro legislativo em que parcela dos representantes tem se ocupado de proposições voltadas à própria autopreservação, iniciativas que buscam isentar agentes públicos de responsabilidade, conceder anistias a aliados políticos e produzir normas de baixa densidade jurídica e social.
O voto, portanto, não é apenas um direito, mas o último mecanismo de resistência contra a degeneração institucional que ameaça o brilho da democracia. E, ultrapassado esse momento, pouco ou nada poderá ser feito para mudar a situação, assim como ocorre quando algo cruza o horizonte de eventos de um buraco negro, o ponto sem volta.
_____________________
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Senado Federal, 2022.
CARROLL, Sean. O Universo em expansão: espaço, tempo e o destino do cosmos. São Paulo: Companhia das Letras, 2021.
GREENE, Brian. O tecido do cosmo: o espaço, o tempo e a textura da realidade. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
HAWKING, Stephen. Uma breve história do tempo. Rio de Janeiro: Rocco, 1990.
TYSON, Neil deGrasse. Astrofísica para apressados. Rio de Janeiro: Planeta, 2017.


