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Ineficácia de EPI para agente eletricidade

No presente trabalho, tratamos do agente perigoso eletricidade como uma das excepcionalidades previstas no Tema 1.090 do STJ.

segunda-feira, 20 de outubro de 2025

Atualizado às 12:25

O risco associado à eletricidade de alta tensão é fundamentalmente distinto da maioria dos agentes químicos ou físicos controláveis. Não se trata de uma exposição gradual, como um agente químico, cuja dose pode ser reduzida a níveis aceitáveis pelo uso de respiradores, mas sim de um risco de natureza intermitente, imprevisível e de dano instantâneo e potencialmente fatal.

O dano elétrico (choque, arco elétrico, explosão) não é atenuado pela proteção; ele é evitado pela correta conduta e isolamento. Se a barreira falhar - seja por falha do material, falha humana, falha na manutenção ou em um evento imprevisto -, o resultado é imediato e catastrófico, o que é o cerne do risco social tutelado.

O EPI para eletricidade, como luvas e vestimentas isolantes, atua como uma barreira preventiva, mas é incapaz de neutralizar a energia de um arco elétrico ou de um choque em caso de falha da barreira ou de seu uso inadequado. A alta tensão não é "diluída" pelo EPI; se a proteção for perfurada, molhada, danificada ou mal colocada por um lapso, a integridade física do trabalhador é ameaçada de forma irreversível e imediata. A ineficácia, neste contexto, reside na impossibilidade de garantir 100% de neutralização do risco fatal, que está sempre presente enquanto o trabalho é executado.

A analogia com o agente ruído é oportuna e juridicamente sólida. No caso do ruído, a ineficácia presumida dos protetores auditivos decorre da dificuldade em se aferir a atenuação perfeita e contínua do equipamento, do uso intermitente ou incorreto pelo trabalhador e do dano que se acumula ao longo do tempo. No caso da eletricidade, a ineficácia presumida decorre do risco residual de vida que o EPI, por sua própria natureza, não consegue eliminar. A jurisprudência já reconhece que o ruído, mesmo com EPI, enseja o reconhecimento do tempo especial; o risco de morte súbita por eletricidade de alta tensão é, argumentavelmente, um risco mais grave e menos controlável pelo equipamento individual, devendo seguir a mesma lógica de presunção de ineficácia plena.

Ademais, os riscos para eletricistas de alta tensão transcendem o mero choque. Conforme o próprio enunciado aponta, os perigos englobam arco elétrico, queimaduras, explosões e queda de altura, muitos dos quais não são sequer abordados pela proteção direta do EPI. O arco elétrico, por exemplo, é um risco de queimaduras gravíssimas e explosão, cuja energia térmica e cinética é dificilmente neutralizada pela vestimenta retardante de chamas, sendo esta uma proteção paliativa e não de neutralização completa. O risco é intrínseco à atividade e ao ambiente de trabalho, o que reforça a natureza excepcional e a dificuldade de neutralização completa.

A Tese da TNU (Tema 213) e a decisão do STF (ARE: 664.335 SC) estabelecem que, havendo "divergência real ou dúvida razoável sobre a sua real eficácia", a conclusão deve ser favorável ao segurado. Dada a natureza do risco de alta tensão - que é súbito, intermitente e fatal - a dúvida razoável sobre a neutralização completa do risco de vida é inerente.

Portanto, a afirmação positiva no PPP sobre a eficácia do EPI deve ser considerada desafiada de plano para este agente, impondo à Administração ou ao Judiciário o reconhecimento do direito, a menos que se prove, de forma cabal e irrefutável, que o EPI consegue eliminar todo e qualquer risco residual de morte ou lesão grave, o que é tecnicamente e juridicamente improvável. O direito à aposentadoria especial, neste caso, protege o segurado do risco inerente e inafastável de uma atividade que o coloca diariamente sob a ameaça de dano imediato e irreversível.

Noutro turno, pontuando o Tema 1.09 do STJ, a excepcionalidade do agente eletricidade, em tensões superiores a 250 Volts, não se originaria de uma falha ordinária de fiscalização ou de manutenção, mas sim da natureza do risco e da limitação intrínseca da tecnologia do EPI em neutralizá-lo por completo.

A chave para o enquadramento na "hipótese excepcional" é o risco residual de vida.O simples fato de o trabalhador estar em um ambiente onde um único erro humano, um lapso de atenção, uma falha na integridade do equipamento (furos, umidade) ou um evento inesperado (arco elétrico, explosão) pode resultar em morte imediata ou lesão irreversível, configura a permanência da nocividade.

Essa característica coloca a eletricidade de alta tensão em uma posição análoga ao agente nocivo ruído, que é o exemplo mais consolidado de "hipótese excepcional" no Direito Previdenciário. No caso do ruído, a presunção de ineficácia decorre da dificuldade em garantir o uso contínuo e perfeito do protetor, o que permite o acúmulo de dano gradual. No caso da eletricidade, a justificativa é ainda mais robusta: o risco não é de dano gradual, mas de dano catastrófico e imediato. O direito à aposentadoria especial, sob essa lente, protege o segurado do estresse e do perigo inerente a uma atividade onde o erro não é tolerado e a proteção, por mais sofisticada que seja, não anula a ameaça à vida.

O STJ, ao criar a ressalva da "hipótese excepcional" no Tema 1.090, teve, a nossa interpretação, exatamente reconhecer agentes cujos riscos, por sua natureza intermitente e fatal, não são passíveis de completa neutralização pelo uso de equipamentos individuais. A exposição à alta tensão, por configurar um risco de morte sempre presente e não mitigável a um nível seguro pelo EPI, é o exemplo clássico dessa excepcionalidade, devendo o tempo ser reconhecido como especial em homenagem ao princípio da proteção efetiva do trabalhador.

Alan da Costa Macedo

VIP Alan da Costa Macedo

Doutorando em D. Trab e Seguridade Social na USP. Mestre em Direito Público, Especialista em D. Constitucional, Previdenciario, Processual e Penal. Coordenador Científico do IPEDIS.

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