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O juiz pode condenar o réu mesmo tendo o MP pedido absolvição?

O presente artigo analisará o art. 385, do CPP, de forma crítica, questionando se o juiz pode condenar mesmo com pedido do Ministério Público para absolver.

segunda-feira, 17 de novembro de 2025

Atualizado às 10:43

A 6ª turma do STJ1 compreendeu que o juiz, com base no art. 385 CPP2, pode condenar o réu em processo criminal mesmo com pedido de absolvição do MP, haja vista que o Pacote Anticrime (lei 13.964/19) não derrogou o art. 385 do CPP, motivo esse que permite que o magistrado condene o acusado mesmo com pedido expresso de absolvição do Parquet.

Deve-se levar em consideração, em primeiro plano, que o convencimento do juiz é "livre", todavia deve ser motivado. Sustenta-se, neste artigo, que o magistrado pode condenar o réu, amparado pelo próprio CPP, mas com a devida cautela - motivação/fundamentação - a fim de não haver decisionismos e arbitrariedades por parte do juízo.

Ressalte-se que o art. 385, do CPP, diz:

Art. 385. Nos crimes de ação pública, o juiz poderá proferir sentença condenatória, ainda que o Ministério Público tenha opinado pela absolvição, bem como reconhecer agravantes, embora nenhuma tenha sido alegada.

Embasado no artigo supramencionado, está implícito o "livre" convencimento motivado do art. 155 do CPP3, ao dizer que o magistrado formará sua convicção pela livre apreciação da prova inserida no princípio do contraditório. "Livre" porque o intérprete tem liberdade na valoração probatória - visto que não há hierarquia entre provas (a pericial vale mais do que a testemunhal, por exemplo). Motivado porque necessita ser fundamentada a apreciação da prova realizada pelo juiz - uma forma de garantir a explicação do porquê ele decidiu X e não Y ou Z. Portanto, defende-se aqui que o julgador possui amparo legal para que condene mesmo com o pedido de absolvição feito pelo MP - está no CPP.

Sob outro viés, o art. 129, I4 da CF/885 estatui que a ação (penal) pública será exercida pelo MP, privativamente, e o art. 3º-A6 do CPP, frisa a imprescindibilidade do sistema acusatório com a separação das funções das partes no processo - juiz julga como terceiro imparcial; Parquet acusa o réu; e o acusado defende-se. Parcela da doutrina, amparada nos artigos anteriores, alega que o magistrado condenar o acusado mesmo com pedido de absolvição do MP em sede de alegações finais constitui violação ao sistema acusatório, pois o juiz assume o lugar da acusação e viola o princípio da correlação entre o pedido e a sentença a ser proferida.

Contudo, o autor do presente artigo sustenta que o juiz pode, motivadamente, condenar o réu nesses casos. Primeiramente, o convencimento acerca do conjunto probatório é valorado livremente - mas não se pode esquecer que deve a livre valoração ser devidamente fundamentada a fim de não cair no decisionismo arbitrário (conforme Lênio Streck7). Sendo a valoração das provas livre, tendo elas indicativos suficientes de autoria e materialidade do delito, em sede de cognição exauriente, o magistrado pode julgar amparado pelos arts. 156 e 385 do CPP.

Ademais, não há violação ao princípio da correlação entre acusação e o(s) pedido(s), pois o MP exerce a pretensão acusatória e não pode desistir do processo, tendo que seguir até o fim. Visto isso, mesmo que ele peça a absolvição nas alegações finais, o juiz - analisando livremente o conjunto probatório constante nos autos e verificando que há autoria e materialidade suficientes em relação ao delito - pode condenar o réu, porquanto ele não se limita aos pedidos do MP de forma estrita, pois se fizesse ter-se-ia, de fato, um juiz-inquisidor com pretensões acusatórias. Ora, se o intérprete limitar-se ao Parquet - tanto no pedido condenatório, principalmente, quanto no absolutório - ele estaria agindo em prol dos interesses da acusação e feriria o princípio dispositivo/acusatório, violando sua imparcialidade (objetiva).

Logo, é possível concluir que o magistrado pode condenar o réu mesmo com pedido de absolvição pelo MP, entretanto deve haver cautela, porquanto a motivação do juiz na condenação deve se basear nas provas produzidas em sede judicial e sob o crivo do contraditório, amparando-se nelas a fim de condenar o réu, caso compreenda que haja, em cognição exauriente, autoria e materialidade do delito. O contrário, caso o juízo siga estritamente a pretensão acusatória do MP, causaria uma violação latente do sistema acusatório/princípio dispositivo. Dessa forma, sim, voltar-se-ia para o sistema inquisitório medieval, um claro retrocesso.

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1 Disponível em https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2023/15032023-Juiz-pode-condenar-o-reu-ainda-que-o-MP-peca-absolvicao-em-alegacoes-finais--decide-Sexta-Turma.aspx.

2 Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm.

3 Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas (Grifo do autor).

4 Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;

5 Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm.

6 Art. 3º-A. O processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação.

7 STRECK, Lênio Luiz. Verdade e consenso: constituição, hermenêutica e teorias discursivas. 6. ed. São Paulo: Saraiva Jur, 2017.

Erick Labanca Garcia

Erick Labanca Garcia

Graduando em Direito, estagiário jurídico e cronista

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