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As 5 armadilhas do testamento e da doação que poucos conhecem

Testamentos e doações são vistos como soluções fáceis, mas escondem riscos que podem custar caro à família. Entenda as cinco armadilhas que comprometem o verdadeiro planejamento patrimonial.

quarta-feira, 29 de outubro de 2025

Atualizado às 11:23

1. Introdução

Grande parte das pessoas que dedicaram uma vida inteira à construção de um patrimônio compartilha o mesmo objetivo: garantir que, no futuro, seus bens sejam transferidos aos herdeiros de forma tranquila, sem disputas e, principalmente, sem os altos custos e demoras do inventário. A busca por essa segurança geralmente leva à adoção de instrumentos tradicionais, como o testamento e a doação em vida com reserva de usufruto. Ambos são amplamente conhecidos e socialmente aceitos como sinônimos de planejamento sucessório. Contudo, por trás dessa aparente simplicidade, escondem-se problemas jurídicos, financeiros e práticos que frequentemente comprometem o resultado pretendido, tornando o processo sucessório mais complexo e oneroso.

2. O testamento não evita o inventário, ele o torna mais burocrático

Um dos maiores equívocos sobre o testamento é a ideia de que ele substitui o inventário. O testamento não elimina o inventário, pelo contrário, ele o torna obrigatoriamente judicial e adiciona uma etapa prévia de validação. De acordo com o art. 735 do CPC (lei 13.105/15), é obrigatória a abertura, o registro e o cumprimento do testamento em juízo, mesmo que não haja litígio entre os herdeiros.

Essa fase é conhecida como "Ação de Abertura e Cumprimento de Testamento", e só após sua homologação o inventário pode ser iniciado. Assim, famílias que poderiam realizar o inventário extrajudicial em cartório, de forma rápida e com custos reduzidos, conforme o art. 610, §1º, do CPC, são obrigadas a ingressar em processo judicial, com a presença de juiz e do Ministério Público. O resultado é a perda da via administrativa, o aumento de honorários advocatícios e da burocracia. Em síntese, o testamento não evita o inventário, ele o antecede e o torna mais demorado.

3. A doação em vida faz você perder o controle sobre o patrimônio

A doação com reserva de usufruto é uma prática recorrente. Prevista nos arts. 538 e seguintes do CC, ela permite que o doador mantenha o direito de uso e de fruição dos bens (usufruto), enquanto transfere a nua-propriedade aos filhos. É importante compreender essa diferença. A propriedade plena é composta por três faculdades jurídicas: usar, fruir e dispor. Já a nua-propriedade é a propriedade desprovida do direito de uso e de fruição, que permanecem com o usufrutuário. Em outras palavras, o nu-proprietário é o dono apenas no papel, enquanto o usufrutuário é quem pode usar e receber os frutos do bem.

O problema é que, ao fazer a doação, a transferência da nua-propriedade é definitiva. O doador perde o poder de disposição sobre o patrimônio, pois já não é mais o proprietário pleno. Na prática, qualquer negociação envolvendo o bem, como venda, troca ou financiamento, depende da assinatura dos donatários e, em alguns casos, de seus cônjuges. O art. 1.647, inciso I, do CC, determina que nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis.

Assim, situações simples, como a venda de um imóvel, podem se tornar inviáveis se um dos filhos estiver enfrentando um divórcio ou litígio judicial, bloqueando toda a operação. Portanto, um planejamento patrimonial que retira do titular o poder de decisão sobre os próprios bens é, juridicamente, um planejamento falho.

4. A doação em vida não gera economia, ela custa o mesmo que o inventário

Um argumento comum em defesa da doação é o da suposta economia tributária. A crença de que doar em vida é mais barato que transmitir por inventário é equivocada. O Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD ou ITCD), previsto no art. 155, inciso I, da Constituição Federal, incide tanto sobre as transmissões por morte quanto sobre as doações em vida. As alíquotas e bases de cálculo são definidas por legislação estadual, como a lei 14.941/03 em Minas Gerais, mas na prática o custo é o mesmo.

Além do imposto, há as custas de escritura pública, reguladas pela lei 6.015/73 e pelas tabelas de emolumentos estaduais, e as taxas de registro imobiliário. Atualmente, a base de cálculo do ITCMD corresponde ao valor de mercado do bem transmitido, conforme previsto na legislação estadual e aplicado pelas Secretarias de Fazenda, o que elimina a antiga vantagem de se doar com base no valor venal. Em resumo, doar em vida significa antecipar o custo do inventário, com a desvantagem de perder imediatamente o controle sobre o patrimônio.

5. O Testamento Pode Gerar Conflitos Familiares

Embora o testamento seja elaborado com a intenção de evitar disputas, a experiência prática demonstra o contrário. Ao definir a partilha de forma rígida, sem considerar a liquidez dos bens ou as obrigações financeiras envolvidas, o testamento pode acirrar rivalidades e estimular contestações judiciais. O CC, em seu art. 1.857, prevê a liberdade de testar dentro dos limites da parte disponível, respeitando a legítima dos herdeiros necessários (art. 1.846).

No entanto, quando há falta de recursos para arcar com tributos e custas, surge a necessidade de vender parte do patrimônio, gerando divergências sobre qual bem alienar. Além disso, questionamentos sobre a capacidade mental do testador ou alegações de influência indevida são causas frequentes de litígios sucessórios. Em muitos casos, o testamento se transforma em fonte de conflito e desgaste emocional, anulando a intenção de harmonia familiar.

6. As Doações Podem Prejudicar os Próprios Herdeiros

A transferência antecipada de bens também produz efeitos colaterais que afetam a vida patrimonial dos herdeiros. Entre eles: perda de benefícios fiscais, risco no regime de bens, perda da proteção do bem de família e prejuízo em ações de usucapião. Ou seja, a doação em vida pode comprometer direitos futuros dos próprios filhos, que passam a responder civil e patrimonialmente como proprietários, ainda que sem maturidade financeira.

7. Conclusão

A análise dessas cinco armadilhas mostra que o testamento e a doação em vida não são soluções seguras nem eficientes para o planejamento patrimonial familiar. Ambos permanecem sujeitos a custos elevados, riscos jurídicos e perda de controle sobre os bens. As ferramentas tradicionais de sucessão não cumprem a promessa de simplificar a transmissão patrimonial, pois atuam apenas sobre os efeitos da morte, sem reorganizar a estrutura jurídica e econômica do patrimônio. A experiência prática demonstra que a proteção efetiva do patrimônio e a continuidade da gestão familiar exigem modelos jurídicos mais estruturados, baseados na autonomia privada e no direito societário, como a Holding Familiar, que permite preservar o controle, reduzir custos e evitar litígios sucessórios.

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BRASIL. Código Civil. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002.

BRASIL. Código de Processo Civil. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

BRASIL. Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973. Dispõe sobre os registros públicos.

BRASIL. Lei nº 8.009, de 29 de março de 1990. Dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família.

MINAS GERAIS. Lei nº 14.941, de 29 de dezembro de 2003. Dispõe sobre o ITCD no Estado de Minas Gerais.

Bruno Couto Rocha

VIP Bruno Couto Rocha

Advogado especialista em Planejamento Patrimonial e Holding Familiar, membro diamante do Time Holding Brasil, atua na defesa do contribuinte e proteção do patrimônio.

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