Desafios na atuação defensiva na lei Maria da Penha
O maior desafio na defesa na lei Maria da Penha é unir técnica jurídica e apoio emocional, diante da ansiedade de clientes primários e das limitações legais impostas.
quarta-feira, 3 de dezembro de 2025
Atualizado às 10:51
1. Introdução
Atuar na defesa de homens acusados no âmbito da lei Maria da Penha é um dos maiores desafios da advocacia contemporânea. Não apenas pela estrutura conservadora da lei e da jurisprudência, mas também pelo peso emocional que recai sobre os clientes, em sua maioria homens primários, sem antecedentes, que nunca se viram diante de um processo criminal ou medidas protetivas. Assim, o advogado exerce um duplo papel: o técnico, que exige profundo domínio de várias áreas do Direito, e o humano, que envolve compreender e administrar a ansiedade e o medo do cliente diante do desconhecido.
2. A ansiedade do cliente como desafio central
Grande parte dos homens que recebem medidas protetivas ou respondem a processos sob a lei Maria da Penha não tem histórico criminal. São indivíduos que, por circunstâncias pontuais, desentendimentos familiares ou até falsas acusações, passam a enfrentar uma realidade processual inédita. Esse fator gera uma ansiedade intensa, que repercute em todas as esferas da vida: pessoal, profissional e social. O cliente se sente desamparado, incompreendido e teme ser estigmatizado. O advogado precisa acolher essa angústia, traduzindo o Direito em linguagem clara e prestando não apenas defesa jurídica, mas também suporte emocional.
3. Desafio técnica imposto pela lei
Outro obstáculo é a própria arquitetura da lei Maria da Penha. O art. 41 da lei afasta a aplicação dos Juizados Especiais e, com isso, benefícios como a transação penal ou a suspensão condicional do processo. Some-se a isso a força quase absoluta conferida à palavra da suposta vítima, o que reduz sensivelmente o espaço de atuação defensiva. O advogado, portanto, trabalha em um campo minado onde as possibilidades técnicas de reversão ou flexibilização são estreitas, o que intensifica a responsabilidade de explorar cada detalhe probatório e processual.
4. A natureza híbrida da lei Maria da Penha
Embora seja vista predominantemente sob o prisma criminal, a lei Maria da Penha possui forte interseção com o Direito de Família e com o Direito Civil. As medidas protetivas, em sua maioria, decorrem de relações conjugais ou afetivas. Dessa forma, o advogado que atua na área precisa dominar institutos civis e processuais civis, além do penal. O advento da lei 14.550/23 reforça essa perspectiva, pois consolidou a tendência de reconhecer as medidas protetivas como tutelas de urgência de natureza cível satisfativas, desvinculando-as do processo penal. Isso exige da defesa um olhar ampliado e caleidoscópico, capaz de transitar entre dois universos jurídicos que operam com princípios distintos.
Com a jurisprudência do STJ (Tema 1.249) e a alteração legislativa, as medidas protetivas passaram a ser compreendidas como tutelas inibitórias de natureza cível, reguladas pelo processo civil. Essa mudança altera profundamente a lógica da defesa, que deixa de se basear apenas em garantias penais para se valer também da principiologia do processo civil, como o contraditório efetivo, a necessidade de demonstração do risco concreto e a proporcionalidade das medidas. Trata-se de um giro de 180 graus na natureza jurídica das protetivas, que exige do advogado não apenas adaptação, mas inovação nas teses defensivas.
5. O papel humano do advogado
Mais do que técnico, o papel do advogado é de guia e orientador. É ele quem traduz o processo para o cliente, que atenua o impacto emocional, que indica os caminhos e que transmite confiança. Esse aspecto não pode ser subestimado: lidar com a ansiedade do cliente é parte essencial da estratégia de defesa, pois o estado emocional influencia diretamente a forma como o cliente se posiciona perante o juízo e até mesmo sua colaboração no processo.
6. Conclusão
O maior desafio na atuação da defesa sob a lei Maria da Penha não se limita ao campo técnico, embora este seja árduo diante das restrições legais e da jurisprudência conservadora. O verdadeiro diferencial está em compreender que a defesa exige também inteligência emocional e capacidade de aconselhamento. A advocacia, nesse contexto, não é apenas aplicação do Direito, mas exercício humano de proteção da dignidade, do equilíbrio emocional e da vida em sua dimensão integral. O advogado precisa ser não apenas jurista, mas também um porto seguro para o cliente, conciliando a técnica com a empatia, para que a defesa seja completa e eficaz.


