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Injúria de "alta audiência": O caso Luana Piovani x Neymar

A condenação de Luana Piovani por injúria contra Neymar evidencia a importância do alcance digital na tipificação e dosimetria penal, diferenciando crítica de insulto.

segunda-feira, 20 de outubro de 2025

Atualizado às 15:02

1) O que efetivamente decidiu o juízo paulista

A Justiça de São Paulo condenou Luana Piovani pelo crime de injúria, absolvendo-a do delito de difamação, em ação penal privada proposta por Neymar Jr., em razão de publicações feitas nas redes sociais em 2024. A pena foi fixada em quatro meses e quinze dias de detenção, em regime aberto, substituída por prestação de serviços à comunidade.1-2

A decisão, proferida em 15/10/25, é atribuída ao juiz Rodrigo César Müller Valente, da 2ª vara criminal da Barra Funda (SP). Segundo as notícias, o juízo reconheceu que expressões como "mau caráter" e "péssimo exemplo" ultrapassaram o limite da crítica e atingiram a honra subjetiva do atleta.3-4

Ainda conforme os relatos, a injúria foi reconhecida na forma qualificada, em razão da ampla difusão das ofensas na internet, o que justifica a aplicação da causa de aumento do art. 141, III, do CP.4-5

A imprensa especializada registrou que houve absolvição quanto ao crime de difamação (art. 139 do CP), pela ausência de imputação de fato determinado, prevalecendo o caráter valorativo das expressões.3-6

A defesa anunciou que recorrerá da sentença, de modo que os limites entre crítica dura e ataque pessoal deverão ser revisitados pelo Tribunal, inclusive quanto à incidência da majorante do art. 141, III, CP e à proporcionalidade da resposta penal.2-7

2) Tipificação: Injúria x difamação e o papel do alcance digital

A distinção clássica entre injúria e difamação orienta o caso: a injúria (art. 140, CP) tutela a honra subjetiva, enquanto a difamação (art. 139, CP) protege a honra objetiva por meio de imputação de fato desabonador. A qualificação do discurso como predominantemente valorativo e dirigido à pessoa do ofendido, sem narrativa fática concreta, conduz à subsunção à injúria. (CP, arts. 139 e 140).

O meio de execução é juridicamente relevante: o art. 141, III, do CP prevê aumento quando o crime é cometido por meio que facilite a divulgação, entendimento que há anos alcança as redes sociais pela sua capilaridade e multiplicação algorítmica.5

Em matéria de competência e consumação, o STJ fixou que a injúria praticada por mensagens privadas na internet se consuma no local onde a vítima toma conhecimento do conteúdo ofensivo - vetor que orienta a fixação da competência em casos digitais.8-9-10

No plano constitucional, a liberdade de expressão (CF, art. 5º, IV) não é absoluta e deve ser ponderada com os direitos da personalidade, em especial a honra e a imagem (CF, art. 5º, V e X). O STF tem reiterado tais balizas, inclusive em cadernos temáticos e julgados.11-12

Doutrina penal e civil reforça a chave interpretativa: crítica dura, mesmo mordaz, pode ser protegida; insulto pessoal, sobretudo quando potencializado por ampla audiência, é reprovado. Nucci, Greco, Damásio e Schreiber oferecem definições úteis sobre honra subjetiva/objetiva, elementos típicos e colisão de direitos.13-14-15-16

3) Dosimetria e substituição da pena: Critérios e limites

A pena privativa de liberdade aplicada - curta e em regime aberto - foi substituída por prestação de serviços à comunidade, solução prevista no art. 44 do CP, quando presentes os requisitos objetivos e subjetivos. A opção prestigia os princípios da proporcionalidade e da intervenção mínima.17-18

A causa de aumento do art. 141, III, CP - meios que facilitem a divulgação - atua na terceira fase da dosimetria, calibrando a resposta penal ao impacto difusivo do ato ilícito. Precedentes confirmam sua aplicação para conteúdos veiculados em redes sociais.5

O descumprimento injustificado da pena restritiva pode levar à conversão em privativa de liberdade (art. 44, §§ 4º e 5º, CP), tema que encontra farta jurisprudência e orientações práticas.19-20

O STJ também tem entendimento segundo o qual a reincidência que impede a substituição deve ser analisada com parcimônia: o impedimento absoluto se dá, em regra, quando os crimes são idênticos; fora daí, a substituição pode ser admitida, se recomendável.21

No contexto dos crimes contra a honra em ambiente digital, a escolha por pena alternativa e pedagógica cumpre uma função simbólica de reprovação proporcional, evitando respostas carcerárias ineficazes e favorecendo medidas restaurativas.2-6

4) Processo, prova e segredo de justiça

Conforme noticiado, o processo tramita sob segredo de justiça, regime compatível com a tutela de direitos da personalidade, sem prejuízo do princípio da publicidade em sua dimensão institucional. A imprensa veiculou apenas contornos essenciais da decisão.1-2

A prova em delitos verbais online costuma apoiar-se em capturas de tela, metadados e eventual perícia de autenticidade, além de confissões ou reconhecimento das postagens. A confiabilidade e o contexto dos registros são mais decisivos do que a mera existência de "prints".

A competência territorial em crimes contra a honra na internet pode oscilar entre o local de postagem e o de tomada de conhecimento. A 3ª seção do STJ firmou que, ao menos em mensagens privadas, a consumação se dá onde a vítima toma ciência; decisões correlatas tratam da consumação instantânea quando há imediata potencialidade de visualização por terceiros.8-22

Na interface penal-cível, a condenação não fixa automaticamente o quantum indenizatório, mas influencia a cognição da responsabilidade civil (ilicitude e culpa), sendo comum o ajuizamento de ação por danos morais na sequência.2

Ao anunciar recurso, a defesa antecipa debate sobre exercício regular da crítica, interesse público e semântica dos adjetivos utilizados nas postagens - discussão que o Tribunal deverá enfrentar à luz da jurisprudência constitucional e penal aplicável.2-7

5) Desdobramentos práticos: Esfera cível, plataformas e governança do discurso

No âmbito cível, é previsível a discussão sobre dano moral e tutela inibitória. O STF e tribunais locais reiteram que a liberdade de expressão não é absoluta e que a remoção de conteúdos ilícitos integra a tutela dos direitos da personalidade, sem equivaler a censura.11-12-23

Quanto às plataformas, a tendência regulatória e jurisprudencial caminha para deveres de resposta diligente a conteúdos manifestamente ilícitos, sem responsabilização automática por atos de terceiros - linha que pode irradiar efeitos didáticos a partir de casos midiáticos como este.

Para comunicadores, artistas e influenciadores, o caso funciona como leading case midiático: o alcance algorítmico pesa tanto na tipificação (aplicação do art. 141, III, CP) quanto na dosimetria, reforçando a necessidade de due diligence comunicacional antes da publicação de críticas pessoais.5

Do ponto de vista de compliance, recomenda-se linguagem crítica orientada por interesse público, ancorada em fatos verificáveis, evitando adjetivações que atinjam a dignidade pessoal do indivíduo. O "postar" de contas de grande audiência se aproxima, juridicamente, do ato de publicar.

Em perspectiva de política criminal, a manutenção da majorante em redes e da substituição quando cabível desenha um modelo de resposta graduada, simbólica e eficiente, com menor custo social e maior potencial pedagógico.17-21

Conclusões

A sentença paulista confirma parâmetros consolidados: distinção entre crítica e insulto, aplicação da majorante do art. 141, III, em razão do meio difusivo, e substituição da pena conforme o art. 44 do CP. O alcance digital deixa de ser detalhe tecnológico para se tornar dado jurídico relevante.

O desfecho recursal poderá calibrar a proporcionalidade e os contornos da liberdade de expressão em cenários de alta exposição pública, sem descurar da tutela da honra. Enquanto isso, o caso serve de guia prático para atores do ecossistema informacional.

_________________________

1. Migalhas. "Juiz condena Luana Piovani por injúria contra Neymar nas redes sociais". Publicado em 17/10/2025. Disponível em: migalhas.com.br/quentes/442557.

2. Metrópoles (Fábia Oliveira). "Luana Piovani perde processo movido por Neymar". 16/10/2025.

3. Revista Oeste. "Justiça condena Luana Piovani por injúria contra Neymar". 18/10/2025.

4. A Tribuna. "Luana Piovani é condenada por atacar Neymar chamando-o de 'mau caráter'...". 18/10/2025.

5. Jurisprudência sobre art. 141, III, CP aplicada a redes sociais (repositórios e tribunais).

6. Terra. "Luana Piovani é condenada por injúria contra Neymar". 17/10/2025.

7. Veja Gente/colunas e demais veículos: anúncios de recurso pela defesa.

8. STJ. Notícia institucional: "Injúria em mensagens privadas na internet se consuma onde a vítima toma conhecimento da ofensa" (CC 184.269/PB). 03/03/2022.

9. Dizer o Direito (anotação doutrinária sobre o precedente do STJ).

10. SiqueiraCastro (boletim): síntese do CC 184.269/PB.

11. STF. Caderno temático "Liberdade de expressão" (2021).

12. STF. Cadernos STF - Liberdade de Expressão e Novas Tecnologias (2024).

13. Nucci, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado - crimes contra a honra.

14. Greco, Rogério. Curso de Direito Penal - Parte Especial (crimes contra a honra).

15. Damásio de Jesus. Crimes contra a Honra.

16. Schreiber, Anderson. Direitos da Personalidade.

17. STJ. Pesquisa Pronta/Informativos e julgados sobre substituição da pena (art. 44, CP).

18. CP, art. 44; CF, art. 5º, IV, V e X.

19. STJ/TJDFT. Reconversão da pena restritiva (art. 44, §§ 4º e 5º, CP).

20. STJ. REsp 1.918.287-MG e outros sobre substituição.

21. STJ. Notícia 09/09/2021: Reincidência em crimes idênticos impede substituição; em crimes de espécie diversa, não necessariamente.

22. STJ. Pesquisa Pronta (2021): crimes contra a honra na internet são formais e se consumam com a disponibilização do conteúdo online.

23. TJDFT. Tema "Liberdade de expressão e direitos da personalidade" (não absolutidade).

Álvaro Augusto Diniz Queiroz Carvalho

Álvaro Augusto Diniz Queiroz Carvalho

Advogado; professor; escritor; palestrante; mentor.

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