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Abusos na venda de multipropriedades: Proteção do consumidor em foco

Turistas são pressionados por vendedores de multipropriedade e time-share em destinos como Gramado. O artigo revela práticas abusivas e mostra como leis e decisões judiciais protegem os consumidores.

quarta-feira, 22 de outubro de 2025

Atualizado às 13:59

Introdução

No Brasil, a comercialização de multipropriedade (propriedade compartilhada de imóveis por tempo determinado) e de time-share (uso fracionado de hospedagens via clubes de férias) explodiu nos últimos anos, impulsionando novos projetos turísticos e imobiliários. Porém, junto com esse crescimento surgiram controvérsias acaloradas sobre as práticas de venda: há relatos generalizados de assédio comercial a turistas em destinos populares, com vendedores insistentes oferecendo brindes e vantagens para induzir decisões imediatas. Essas abordagens ocorrem em locais como Gramado/RS, Porto de Galinhas/PE e Jericoacoara/CE, justamente cidades onde consumidores, relaxados em férias, tornam-se alvos fáceis de táticas de marketing de alto impacto.

A relevância prática do tema é evidente: milhares de brasileiros adquiriram cotas de multipropriedades acreditando em promessas de investimento garantido e vantagens futuras, mas muitos se arrependeram logo após assinar contratos de dezenas de milhares de reais. A dificuldade de rescindir esses contratos, frequentemente amparados por cláusulas que impõem multas elevadas ao consumidor arrependido, levou a uma onda de reclamações em órgãos de defesa do consumidor e ações judiciais por distrato. O problema envolve tanto questões de direito do consumidor (venda sob pressão, informações omitidas, direito de arrependimento) quanto de direito imobiliário (aplicação da lei da multipropriedade, lei 13.777/18, e da lei dos distratos, lei 13.786/18).

Diante desse cenário, este artigo se propõe a mapear os principais problemas nas vendas de multipropriedade e time-share no Brasil e discutir as bases jurídicas para proteger o consumidor. Iniciaremos descrevendo as práticas abusivas de comercialização, ilustradas pelo caso de Gramado e outros polos turísticos. Em seguida, examinaremos os fundamentos do modelo agressivo de vendas, incluindo porque ele se desenvolveu e quais incentivos econômicos o sustentam. Abordaremos as promessas de investimento frequentemente alardeadas aos compradores, criticadas por entidades do setor como a ADIT Brasil, na figura de Caio Calfat, e compararemos o modelo brasileiro com a regulamentação internacional (EUA, Europa e México). Por fim, analisaremos a jurisprudência e decisões administrativas relevantes: o alcance do direito de arrependimento (7 dias) previsto no art. 49 do CDC, as possibilidades de rescisão contratual após esse prazo e como os tribunais (especialmente o STJ) têm enfrentado cláusulas abusivas e assegurado a restituição de valores ao consumidor. A título de conclusão, apresentaremos uma síntese crítica, contrapondo argumentos do mercado e do consumidor, e sugeriremos caminhos futuros, seja em aprimoramento legislativo (de lege ferenda), seja em evolução jurisprudencial e autorregulação, para equilibrar o desenvolvimento desse mercado com a proteção efetiva do consumidor.

Desenvolvimento

1. Práticas abusivas nas vendas de multipropriedade: O caso Gramado e além:

Nos principais pontos turísticos do país, tornou-se comum a figura do "captador" abordando visitantes nas ruas, praças e mesmo dentro de hotéis, oferecendo brindes como jantares, ingressos ou diárias grátis em troca da participação em uma "breve apresentação" comercial. Em Gramado (Serra Gaúcha), por exemplo, essa prática alcançou tal grau de incômodo que foi apelidada de "laço" nos turistas, alusão à forma insistente com que vendedores laçavam os passantes para sessões de vendas de multipropriedade. Turistas relatam abordagens repetitivas e pressões constantes: "em 2 dias de hospedagem fomos abordados mais de 5 vezes pela equipe tentando vender cotas", desabafou um visitante em avaliação pública.

Diante da repercussão negativa, autoridades locais passaram a agir. Gramado editou em 2023 um decreto proibindo a abordagem de turistas em vias públicas, e o prefeito Nestor Tissot classificou a situação como "chata e ridícula", anunciando estudo de lei para coibir também a venda de cotas dentro de parques, hotéis, lojas e restaurantes. Cidades como Caldas Novas (GO) e Olímpia (SP) adotaram medidas semelhantes, banindo a captação agressiva em espaços públicos. Empresas do setor sentiram o impacto: recentemente, o Grupo Laghetto, rede hoteleira líder na Serra Gaúcha, decidiu voluntariamente encerrar toda captação externa em Gramado e Canela, migrando as vendas para ambientes internos controlados (hotéis e showrooms)11 12. Em nota, a empresa atribuiu a mudança à valorização da experiência do visitante e alinhou-se a "padrões de ética e respeito ao tempo dos turistas", reconhecendo as críticas às abordagens insistentes.

Apesar dessas iniciativas, as vendas continuam acontecendo, muitas vezes dentro de salas de apresentação nos hotéis ou em estandes de vendas. Nessas sessões, os métodos de persuasão tendem a seguir um roteiro intenso: equipe de vendas numerosa, clima festivo, vídeos promocionais e promessas de que a oportunidade é única e válida apenas naquele momento. Consumidores relatam que, a cada recusa, surge um supervisor oferecendo condições supostamente mais vantajosas, às vezes com champanhe e linguagem sedutora, até "encurralar" o turista para a assinatura do contrato. Em um caso real, uma família abordada na praia (Porto de Galinhas) recebeu voucher de combustível para assistir à apresentação; durante a reunião, a filha pequena foi encaminhada a um espaço infantil, enquanto os pais eram submetidos por horas à pressão de vários vendedores em escalada hierárquica, cada qual tentando fechar a venda a qualquer custo. Sob tamanha pressão psicológica, o que uma juíza paulista denominou "venda emocional", que impede uma análise racional do contrato pelo consumidor, muitos acabam cedendo e assinando documentos extensos sem leitura detida. Só posteriormente, em casa, percebem cláusulas abusivas e obrigações financeiras de longo prazo que não tinham ficado claras durante a abordagem.

Leia a artigo na íntegra.

Rafael Paiva Nunes

VIP Rafael Paiva Nunes

Sócio da Paiva Nunes Direito Imobiliário, advogado no Brasil e em Portugal, atua em Direito Imobiliário, é dirigente no IBRADIM e ANACON. Especialista e Obras Retomadas e Multipropriedade/time-share.

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