MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. O que esperar da 2ª turma do STF com a presença do ministro Luiz Fux

O que esperar da 2ª turma do STF com a presença do ministro Luiz Fux

Em pesquisa com levantamento com mais de 2.300 decisões no STF, revela que ministros da 2ª turma lideram concessões de habeas corpus e recursos favoráveis à defesa.

quinta-feira, 23 de outubro de 2025

Atualizado às 09:26

A composição da 2ª turma do STF volta a chamar atenção com a ida do ministro Luiz Fux para o colegiado. Após a saída do ministro Edson Fachin para a Presidência do Tribunal e a aposentadoria precoce do ministro Luís Roberto Barroso, a Turma passou a ser composta por Gilmar Mendes, Dias Toffoli, André Mendonça e Nunes Marques. A dúvida que se impõe é se a entrada do ministro Fux alterará a identidade de um colegiado que, nos últimos anos, consolidou postura marcadamente garantista em matéria penal.

Desde o início da pesquisa, em 2023, pude perceber a 2ª turma sendo o espaço de formação e consolidação de entendimentos relevantes para a defesa penal, marcados por um olhar mais restritivo à expansão do poder punitivo e por maior exigência de coerência probatória. A trajetória jurisprudencial desse colegiado, especialmente sob a influência de ministros como Gilmar Mendes e Edson Fachin, contribuiu para fixar parâmetros de controle do standard probatório e de rejeição a presunções frágeis, típicas do discurso de eficiência penal.

A nova composição, formada por Gilmar Mendes, Dias Toffoli, André Mendonça, Nunes Marques e, agora, Luiz Fux, tem despertado dúvidas quanto à preservação do perfil histórico da Segunda Turma. O ponto central dessa discussão não está apenas na origem das nomeações ou na suposta divisão ideológica entre ministros de governos conservadores e progressistas, mas na própria incorporação do ministro Fux a um colegiado que, empiricamente, tem revelado comportamento distinto das expectativas. À primeira vista, a junção de Fux a André Mendonça e Nunes Marques poderia sugerir uma inflexão rumo a uma postura mais restritiva em matéria penal. No entanto, os números demonstram o oposto.

Apesar de nomeados por governo de perfil conservador, André Mendonça e Nunes Marques figuram entre os ministros que mais concedem habeas corpus e recursos ordinários constitucionais no STF, superando, inclusive, ministros indicados pelo atual governo. Essa constatação evidencia que o comportamento jurisdicional não se explica por afinidade política, mas por padrões decisórios e pela cultura institucional do colegiado em que atuam. A Segunda Turma, nesse contexto, continua se destacando como o espaço de maior densidade garantista do Tribunal, ainda que com composições formalmente heterogêneas.

A pesquisa empírica que desenvolvo no Mestrado o IDP/Brasília, que abrange decisões proferidas no período de 2023 a 21 de outubro de 2025, identificou mais de 60.400 julgados favoráveis à defesa nos tribunais superiores, dos quais cerca de 96% pertencem ao STJ. No Stf, foram 2.395 decisões no mesmo período. Dentro desse recorte, os quatro ministros que mais concederam habeas corpus e recursos ordinários constitucionais pertencem exatamente à atual composição da Segunda Turma: Edson Fachin (584 concessões), Gilmar Mendes (471), André Mendonça (342) e Dias Toffoli (223). Em seguida, Nunes Marques aparece com 203 decisões e Alexandre de Moraes com 184.

Embora o ministro Fux apresente número reduzido de concessões (48 no período analisado), boa parte delas reflete o padrão da Primeira Turma, onde predominava uma leitura mais formalista do habeas corpus. Sua chegada à Segunda Turma exigirá atenção e adaptação. O ministro deverá observar os entendimentos já consolidados pelo colegiado, que, de forma consistente, tem adotado parâmetros próprios em temas relevantes, como o compartilhamento de dados fiscais, o habeas corpus substitutivo, a aplicação da minorante do tráfico, a prisão preventiva, o standard probatório da pronúncia e a inviolabilidade do domicílio.

Um dos temas em que essa diferença entre as Turmas é mais nítida diz respeito ao compartilhamento de dados fiscais e bancários obtidos por órgãos de controle. No RE 1.393.219 AgR/SP, a Segunda Turma entendeu que o Tema 990 da repercussão geral não autoriza o Ministério Público a requisitar diretamente à Receita Federal informações fiscais ou bancárias sem prévia autorização judicial. O colegiado reafirmou que o controle judicial é requisito de validade da prova e não pode ser dispensado sob o pretexto de eficiência investigatória. Essa posição contrasta com a da Primeira Turma, mais flexível com o compartilhamento direto de dados e, por consequência, mais restritiva à defesa.

Outro campo de distinção clara está no tratamento dado ao habeas corpus substitutivo. A Segunda Turma tem adotado postura mais flexível, reconhecendo a possibilidade de concessão de ofício em muitos casos. Em destaque, chama atenção o fato de o colegiado conceder a ordem para que o STJ aprecie o habeas corpus mesmo quando o writ é substitutivo ou interposto concomitantemente a recurso especial. Mais do que admitir a tramitação, a Turma tem determinado, em diversos casos, que o STJ julgue o mérito do habeas corpus substitutivo, afastando formalismos que possam impedir o exame da ilegalidade. Esse entendimento está consolidado em precedentes como o HC 263.234 (relator ministro Kassio Nunes Marques, DJe 15/10/25), o RHC 123.456 (relator ministro Dias Toffoli) e o RHC 244.775 (relator ministro Edson Fachin, DJe 15/08/2024), todos reafirmando a primazia da liberdade sobre a forma.

A Segunda Turma também mantém posição firme quanto à aplicação da minorante prevista no §4º do art. 33 da lei de drogas. O colegiado entende que a quantidade de droga, por si só, não pode afastar o redutor, ainda que se trate de apreensões expressivas. Essa linha está consolidada no RHC 252.004, com 2.115 kg (relator ministro Edson Fachin, DJe 11/2/2025) e em precedentes paradigmáticos como o HC 177.988/SP (550 kg), o HC 193.492/MT (1,1 tonelada), o HC 190.396/SP (2,1 toneladas) e o HC 185.287/MT (relator ministro Gilmar Mendes). 

Além disso, a Turma tem reafirmado que o cometimento anterior de ato infracional não autoriza o afastamento do benefício, conforme decidido no HC 250.977 (relator ministro Kassio Nunes Marques, DJe 5/2/2025), no RHC 210.056 (relator ministro Ricardo Lewandowski) e no HC 249.985 (relator ministro Gilmar Mendes, DJe 21/1/2025).

No campo das prisões cautelares, a Segunda Turma consolidou entendimento em dois eixos complementares. O primeiro diz respeito à incompatibilidade entre prisão preventiva e o regime semiaberto, reafirmada no HC 251.774 (relator ministro Dias Toffoli, DJe 3/2/2025), no HC 226.263 (redator para o acórdão ministro Gilmar Mendes, DJe 13/6/2023) e no HC 219.537 (relator ministro André Mendonça, DJe 24/5/2023). O segundo eixo é a nulidade das prisões decretadas de ofício, posição sedimentada nos julgados HC 251.143 (relator ministro André Mendonça, DJe 15/1/2025), HC 245.131 (relator ministro André Mendonça, Segunda Turma, j. 7/10/2024) e HC 235.820 (relator ministro Edson Fachin, DJe 5/3/2024).

A Turma também tem sido consistente em coibir prisões preventivas fundadas exclusivamente na quantidade de droga apreendida, seja em grandes ou pequenas quantidades, reconhecendo a desproporcionalidade de tais decisões quando não há indícios de envolvimento com organização criminosa a quantidade não é exorbitante. Essa orientação aparece nos julgados HC 251.443 (relator ministro Gilmar Mendes, DJe 10/2/2025), HC 250.034 (relator ministro Gilmar Mendes, DJe 13/12/2024), HC 233.806 (relator ministro Gilmar Mendes, DJe 24/1/2024) e HC 200.674 (relator ministro Edson Fachin, DJe 4/8/2021), todos reforçando a necessidade de fundamentação concreta e individualizada.

Em relação à pronúncia, a Segunda Turma reafirma que os elementos do inquérito não podem servir como base exclusiva para submeter o acusado ao júri. No HC 216.101 (relator ministro Edson Fachin, DJe 6/2/2025) e no HC 180.144 (relator ministro Celso de Mello, DJe 22/10/2022), fixou-se o entendimento de que a pronúncia depende de indícios de autoria produzidos sob contraditório judicial. No HC 251.686, o ministro André Mendonça reconheceu a insuficiência probatória e afastou a decisão de pronúncia por ausência de elementos mínimos, reforçando que o standard probatório da pronúncia não se satisfaz com presunções frágeis.

O ministro Fux deverá, ainda, dedicar especial atenção ao tema da inviolabilidade do domicílio. Embora o STF possua, em regra, um entendimento mais restritivo que o do STJ, a Segunda Turma tem se posicionado de forma menos rigorosa dentro do próprio Supremo, reconhecendo a nulidade de ingressos e buscas domiciliares quando ausentes fundadas razões prévias à diligência. No HC 249.408 (relator ministro Gilmar Mendes, DJe 25/4/2025), declarou-se a nulidade da busca e apreensão domiciliar realizada sem mandado judicial, diante de denúncia anônima e mera suspeita de tráfico, mesmo com a apreensão posterior de 600 g de maconha e 200 g de cocaína. O colegiado entendeu que a descoberta posterior do ilícito não valida o ingresso ilegal, reafirmando que o controle judicial prévio é condição inafastável da legalidade da diligência.

A leitura conjunta desses julgados evidencia que a Segunda Turma mantém uma linha coerente de atuação, pautada pelo controle rigoroso do poder punitivo, pela rejeição a presunções frágeis e pela exigência de provas submetidas ao contraditório. A chegada do ministro Fux não tende a modificar esse perfil, mas a demandar sua adaptação à racionalidade consolidada do colegiado, sobretudo nos temas em que a Turma já firmou orientação estável.

Entre 2023 e 2025, os dados e os precedentes confirmam a consistência dessa trajetória. A Segunda Turma segue sendo o núcleo mais atento ao standard probatório e às garantias fundamentais no Supremo Tribunal Federal, e espera que o ministro Luiz Fux, ao integrá-la, acompanhará o caminho institucional já bem definido por seus pares.

David Metzker

David Metzker

Advogado criminalista. Mestrando em direito penal pelo IDP. MBA em gestão pela PUC/RS. Especialista em Penal Econômico e Processo Penal pelo IDPEE/Coimbra.

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca