PL 1.080/25 exige pontos de apoio ao trabalho por aplicativos em SP
O PL 1.080/25, da deputada Beth Sahão (PT), propõe a criação obrigatória de pontos de apoio presenciais para motoristas e entregadores de aplicativos no Estado de São Paulo.
segunda-feira, 27 de outubro de 2025
Atualizado às 15:00
Tramita na ALESP - Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo - o PL 1.080/25, de autoria da deputada estadual Beth Sahão (PT), para prever a obrigatoriedade de estabelecimento de pontos de atendimento presencial aos trabalhadores em aplicativos de transporte particular e entrega de mercadorias, como Uber, 99, iFood e Rappi. A proposta representa um passo importante no enfrentamento dos desafios impostos pela chamada 'uberização' das relações de trabalho, fruto do avanço da economia digital.
A dinâmica do trabalho em plataformas ganhou grande repercussão na pandemia de Covid-19, em 2020, que impôs o distanciamento social, insegurança econômica e o aumento da demanda por serviços de entrega de refeições, medicamentos e produtos de supermercado (alimentos, produtos de higiene e limpeza, etc.). Foi no período pandêmico que estes trabalhadores começaram a reclamar melhores condições de trabalho, culminando em movimentos como o "breque dos apps", que levou à paralisação destes trabalhadores em junho de 2020 por todo o Brasil, principalmente nas capitais grandes capitais brasileiras, como: São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Belo Horizonte. As reivindicações dos trabalhadores à época envolveram transparência nos critérios de remuneração sobre as corridas e fretes, revisão de cancelamentos de contas e ausência pontos de higienização dos veículos. O movimento teve o apoio nas redes sociais com a utilização das hashtags #BrequeDosAPPs" e "#ApoioBrequeDosApps"1-2.
Um ponto físico para o atendimento ao trabalho 'uberizado' pode ser o início de um processo de valorização desta atividade essencial à vida dos brasileiros, principalmente nos grandes municípios do Estado de São Paulo. Por não ser regulamentada por lei no Brasil, a atividade destes profissionais não garante a proteção salvaguardada por direitos previstos na CLT e na legislação previdenciária. Tampouco há legislação que obrigue as empresas a estabelecerem pontos de atendimento às demandas destes profissionais, hoje feito exclusivamente através dos aplicativos.
A OIT - Organização Internacional do Trabalho tem demonstrado preocupação sobre efetividade do trabalho decente na economia de plataformas (crowdwork), já que grande parte dos trabalhadores se submete a intensas jornadas de trabalho para garantir uma remuneração mínima. Dados da OIT revelam que os trabalhadores, em sua maioria, são homens e possuem baixa escolaridade, sendo 61.3% com ensino médio incompleto. O órgão internacional também aponta que imigrantes são mais propensos à informalidade da economia digital3.
Na Diretiva (UE) 2024/2831, adotada em 23/10/24, já estabelece regulamentação desta atividade na União Europeia. Com prazo de transposição até 2/12/26, a norma visa assegurar a proteção dos direitos laborais destes profissionais, independentemente da natureza contratual. Entre os direitos previstos na norma internacional estão: organização sindical e formulação de convenções coletivas; proteção contra a discriminação; proteção de dados pessoais; fiscalização dos sistemas de decisões automatizadas e direito ao recurso, com revisão humana, entre outros4.
No Brasil, o governo Federal promulgou o decreto 11.513/23 para instituir o grupo de trabalho para elaboração de uma regulamentação das atividades desenvolvidas através das plataformas digitais, tendo redação alterada pelo decreto 11.705/23. O grupo de trabalho é composto, segundo o decreto principal, por membros dos ministérios do governo Federal, por representantes dos trabalhadores, entidades sindicais, órgãos representantes das empresas e especialistas em internet e plataformas digitais (art. 3º), que devem formar grupos técnicos a fim modelar propostas legislativas que acomodem os interesses dos trabalhadores e das empresas (art. 5º) 5. Algumas propostas legislativas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.
O PL 1.080/25 propõe medidas concretas para oferecer suporte institucional e proteção aos trabalhadores que atuam por meio de plataformas digitais de transporte e entrega, como Uber, 99, iFood e Rappi. A proposta, de autoria da deputada Estadual Beth Sahão (PT), estabelece a obrigatoriedade de instalação de pontos físicos de atendimento presencial aos prestadores de serviço em municípios com mais de 100 mil habitantes, conforme a redação do art. 1º, §1º, pelas empresas que controlam as plataformas. Os locais físicos deverão contar com pessoal treinado para atender às demandas dos profissionais, assegurando o direito à informação e à mediação adequada de conflitos - o que hoje, na maioria dos casos, ocorre apenas por meios automatizados e impessoais 6.
Além disso, o projeto trata de segurança no trabalho e prevenção de riscos, obrigando as empresas a promoverem ações educativas sobre violência no trânsito, como consta na redação do art. 2º do PL, bem como facilitarem o acesso a equipamentos de segurança para entregadores - arts. 4º e 5º - e adotarem protocolos humanizados de comunicação, vedando o uso de respostas automáticas (como chatbots) em situações graves, como acidentes ou bloqueios das contas dos usuários - art. 3º. A proposta também estimula o respeito e a dignidade nas interações entre lojistas, usuários e prestadores no art. 6º, demonstrando uma preocupação mais ampla com o ecossistema social do trabalho digital7, que traz novas modalidades de violência no trabalho.
Ao prever mecanismos mínimos de acolhimento e responsabilização das plataformas, o projeto paulista dialoga com tendências regulatórias internacionais, como a Diretiva (UE) 2024/2831, aprovada pelo Parlamento Europeu, que impõe de impor regras de transparência algorítmica e garantias de contestação de decisões automatizadas em seu art. 9º - algo que o PL paulista também enfrenta ao vedar, por exemplo, o uso exclusivo de chatbots para lidar com situações críticas, como acidentes ou cancelamentos de contas de usuários em seu art. 3º. A Diretiva Europeia também exige no art. 8º, a avaliação dos riscos laborais e ações preventivas pelas plataformas, especialmente em relação à saúde e segurança, em consonância com os arts. 4º e 5º do projeto brasileiro, que prevê o estabelecimento de parcerias entre as empresas que forneçam equipamentos de segurança a ciclistas, motociclistas e motoristas, tanto para o meio de transporte utilizado na prestação de serviços quanto para o usuário.
Do ponto de vista normativo, o PL 1.080/25 se ancora em fundamentos constitucionais sólidos, como os princípios da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho consagrado nos arts. 1º, III e IV, da CF/88, da livre iniciativa associada à responsabilidade social, no art. 170; além de estar alinhada aos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, como o PIDESC - Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Pacto de San José da Costa Rica, e diversas Convenções da OIT, como a 111 (não discriminação), a 190 (violência e assédio). A proposta também contribui para a efetivação dos ODS - Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, notadamente os ODS 1, 8, 10, 16 e 17.
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1 SOUZA, Lucas Santos. O "BREQUE DOS APPS": resistência dos entregadores de aplicativos à precarização plataformizada. Temporalis, S. l., v. 22, n. 48, p. 174-197, 2022. Disponível em: https://periodicos.ufes.br/temporalis/article/view/40488/27692. Acesso em: 16 out. 2025.
2 COSTA, Ilton Santos. O MOVIMENTO "A BREQUE DOS APPS". Revista Estudos Institucionais, S. l., v. 7, n. 2, 2021. Disponível em: https://www.estudosinstitucionais.com/REI/article/view/620/846. Acesso em: 16 out. 2025.
3 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT). Encuesta sobre trabajadores en plataformas digitales basadas en la web: Nuevos datos para la región de América Latina y el Caribe. Lima: OIT, 2025. Disponível em: https://www.ilo.org/sites/default/files/2025-04/Informe%20Plataformas%20Digitales_ESP_web.pdf. Acesso em: 22 out. 2025.
4 UNIÃO EUROPEIA. Parlamento Europeu; Conselho da União Europeia. Regulamento (UE) 2024/2803 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2024, relativo à implementação do Céu Único Europeu (versão reformulada). Jornal Oficial da União Europeia: L 2024/2803, 11 nov. 2024. Disponível em: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=OJ:L_202402831. Acesso em: 21 out. 2025.
5 BRASIL. Decreto nº 11.513, de 1º de maio de 2023. Institui Grupo de Trabalho com a finalidade de elaborar proposta de regulamentação das atividades de prestação de serviços, transporte de bens, transporte de pessoas e outras atividades executadas por intermédio de plataformas tecnológicas. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 2 maio 2023. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/2023/decreto-11513-1-maio-2023-794135-publicacaooriginal-167737-pe.html(https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/2023/decreto-11513-1-maio-2023-794135-publicacaooriginal-167737-pe.html). Acesso em: 21 out. 2025.
6 SÃO PAULO (BRASIL). Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Projeto de Lei nº?1.080/2025: institui obrigatoriedade de estabelecer pontos de atendimento presencial aos trabalhadores por aplicativos no Estado de São?Paulo e dá outras providências. São?Paulo: Assembleia Legislativa do Estado de São?Paulo, 2025. Disponível em: https://www.al.sp.gov.br/spl/2025/10/Propositura/1000632379_1000781888_Propositura.pdf. Acesso em: 21 out. 2025.
7 Ibidem.


