O homem como vítima da lei Maria da Penha
O texto analisa o PL 1500, de 2025, que propõe mudança da lei Maria da Penha para permitir o sexo masculino como vítima das relações familiares e domésticas.
terça-feira, 23 de dezembro de 2025
Atualizado às 08:45
Introdução
A história da lei Maria da Penha (lei 11.340/06) simboliza um marco na luta pela proteção da mulher e na consolidação da dignidade humana como fundamento da República. No entanto, a dinâmica social, fluida e mutável, impõe ao Direito o dever de evoluir, adaptando-se às novas realidades das relações humanas.
Tramita, atualmente, no Congresso Nacional, o PL 1.500/25, que propõe estender a aplicação das medidas protetivas da lei Maria da Penha às vítimas do sexo masculino, independentemente de sua orientação sexual, desde que demonstrada situação de vulnerabilidade perante o agressor.
De acordo com a proposta, a lei 11.340/06 passará a vigorar acrescida do seguinte artigo:
"Art. 40-B. As medidas protetivas previstas nesta lei poderão ser aplicadas quando a vítima de violência doméstica e familiar for do sexo masculino, independentemente de sua orientação sexual, se houver situação de vulnerabilidade perante o agressor."
O projeto rompe paradigmas e amplia o espectro protetivo do Estado, firmando a compreensão de que a violência doméstica transcende o gênero. Ela nasce da desigualdade de poder, da manipulação emocional, da dependência econômica e do domínio psicológico - fatores que podem atingir homens, mulheres, crianças ou idosos.
Assim, a essência da proposta é reafirmar a isonomia e ampliar o alcance humanitário da legislação, reconhecendo que a dor, o medo e a opressão não têm sexo, mas vítimas.
Justificação do PL 1500, de 2025
"O STF, em recente decisão (mandado de injunção 7452), entendeu que as normas protetivas da lei Maria da Penha podem ser aplicadas às relações afetivo-familiares de casais homoafetivos do sexo masculino, caso o homem vítima de violência esteja em uma posição de subordinação em relação ao agressor. Assentou a Suprema Corte que o Estado tem a responsabilidade de garantir proteção a todos os tipos de entidades familiares no âmbito doméstico.
Sendo assim, entendemos que, por questão de isonomia e Justiça, também devem ser objeto de proteção da lei Maria da Penha os homens heterossexuais que, por qualquer razão que seja, estejam em situação de vulnerabilidade perante o agressor (ou agressora).
Lembre-se, nesse ponto, que as relações domésticas e familiares não se limitam às relações íntimas de afeto, mas englobam as relações entre pais e filhos, entre irmãos, etc.
Por isso, sugerimos incluir dispositivo na lei Maria da Penha para dispor que as medidas protetivas podem ser aplicadas quando a vítima for do sexo masculino, independentemente de sua orientação sexual, sempre que houver situação de vulnerabilidade perante o agressor."
Análise contextual do tema
O debate em torno da ampliação das medidas protetivas reflete o amadurecimento do Estado Democrático de Direito e o reconhecimento da vulnerabilidade como categoria jurídica universal.
Embora a lei Maria da Penha tenha sido concebida para enfrentar a violência de gênero, seu espírito humanista e protetivo permite a evolução interpretativa e normativa. O próprio STF, no julgamento do MI 7452, reconheceu que a aplicação da lei pode se estender a casais homoafetivos masculinos, quando houver assimetria de poder e vulnerabilidade.
O projeto em análise expande essa lógica de proteção, alinhando-se ao princípio da isonomia (art. 5º, caput, da CF), ao princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e à proibição de discriminação de qualquer natureza (art. 3º, IV).
No campo internacional, a proposta dialoga com importantes instrumentos de direitos humanos, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica, 1969) e a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW, 1979) - esta última, embora centrada na proteção feminina, reforça a obrigação dos Estados em promover igualdade e eliminar qualquer forma de violência no ambiente doméstico.
Assim, a proposta do PL 1.500/25 não enfraquece a proteção às mulheres - ao contrário, universaliza o princípio da proteção integral, reafirmando que o Estado deve amparar todo indivíduo que, em razão de laços familiares ou domésticos, esteja vulnerável a agressões físicas, psicológicas, morais, patrimoniais ou sexuais.
A violência, em qualquer de suas formas, é um fracasso civilizatório. E o Direito, enquanto ciência de contenção e justiça, deve reagir para evitar que a dor humana seja silenciada por barreiras legais ultrapassadas.
Reflexões finais
A violência, em qualquer de suas formas, é um fracasso civilizatório. E o Direito, enquanto ciência de contenção e justiça, deve reagir para evitar que a dor humana seja silenciada por barreiras legais ultrapassadas. Ao universalizar a proteção, o Brasil reafirma sua vocação constitucional de país plural, igualitário e fraterno. A verdadeira justiça não tem gênero; tem humanidade.
A ampliação das medidas protetivas da lei Maria da Penha aos homens vulneráveis representa não apenas uma inovação jurídica, mas uma revolução ética e humanitária.
A Constituição Federal de 1988, em seu art. 1º, inciso III, erige a dignidade da pessoa humana como fundamento da República. No art. 5º, proclama que "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza".
Tais preceitos, aliados à lei 11.340/06 e ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966), formam o tripé normativo que legitima a ampliação da proteção a qualquer pessoa em situação de vulnerabilidade no contexto familiar.
A proposta é juridicamente possível, socialmente necessária e moralmente imperativa.
Nos casos em que o homem, por fatores econômicos, emocionais ou físicos, encontra-se em posição de inferioridade ou dependência perante o agressor, o elemento normativo da vulnerabilidade deve ser reconhecido como critério legítimo para aplicação das medidas protetivas previstas na Lei Maria da Penha.
Não se trata de diluir a luta histórica das mulheres, mas de consolidar o humanismo jurídico, estendendo o manto protetivo do Estado a todos os que sofrem violência dentro do lar - espaço que deveria ser de afeto, e não de medo.
Ao universalizar a proteção, o Brasil reafirma sua vocação constitucional de país plural, igualitário e fraterno. A verdadeira Justiça não tem gênero; tem humanidade.
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BOTELHO, Jeferson. Criminologia e Vulnerabilidade Social: Estudos sobre o Ser e o Sofrer. Contagem: 2025.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
BRASIL. Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha).
BRASIL. Projeto de Lei nº 1.500, de 2025 - Estende a aplicação das medidas protetivas da Lei Maria da Penha às vítimas do sexo masculino.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948).
ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica, 1969).
ONU. Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW, 1979).
ONU. Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966).
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Mandado de Injunção nº 7452 - Aplicação das normas protetivas a casais homoafetivos masculinos.


