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Dia do Petróleo: Reflexões sobre o passado e desafios para o futuro do setor de petróleo e gás brasileiro

A data destaca conquistas históricas, desafios regulatórios e a necessidade de crescimento sustentável do setor.

segunda-feira, 27 de outubro de 2025

Atualizado às 11:34

Em 3/10/25, pela 72ª vez, foi comemorado o dia do petróleo no Brasil. A marca é cheia de significado histórico. Desde 1953, quando foi instituído para marcar a criação da Petróleo Brasileiro S.A. - Petrobras, o Brasil tem avançado significativamente no desenvolvimento dos setores de petróleo, gás natural e biocombustíveis.

Foi uma trajetória marcada por conquistas: das primeiras explorações na Bahia, na década de 1930, até a consolidação do Brasil como o 7º maior produtor mundial - à frente de países com tradição consolidada, como Emirados Árabes, Kuwait e México - e com a expectativa de alcançar a 5ª posição até o final da década. O avanço brasileiro no setor é notável.

Esse progresso, no entanto, não foi linear. A história do setor no país é marcada por avanços graduais, reveses e aprendizados. Um exemplo emblemático ocorreu em 1954, quando foi escolhido para chefiar o departamento de exploração da Petrobras o geólogo Walter Link, veterano da Standard Oil Company.

A escolha de um americano para o posto gerou controvérsia, especialmente em setores mais nacionalistas, e se intensificou com a divulgação do chamado Relatório Link. Nele, o especialista concluía que o Brasil não possuía grandes reservas de petróleo em terra, recomendando que os esforços exploratórios fossem direcionados para o mar.

O resto é história: o relatório provocou forte reação da opinião pública, culminando na saída de Link da estatal, na abertura de uma CPI na Câmara dos Deputados e na primeira grande crise da Petrobras. Anos depois, em 1961, a análise de Link foi reavaliada por dois técnicos brasileiros, cujo trabalho recomendou a continuidade da exploração em algumas bacias. Descobertas importantes surgiram no Nordeste, as quais resultam em 1968 na descoberta de petróleo no litoral de Sergipe.

Ainda demoraria quase duas décadas para a previsão de Link se tornar realidade: em 1984, a estatal anunciou a descoberta do primeiro poço brasileiro em águas profundas (mais de 300 metros), no campo de Albacora, na Bacia de Campos/RJ. Já o pré-sal, marco da autossuficiência brasileira no petróleo, só viria em 2006, com as primeiras descobertas, no campo de Tupi, na Bacia de Santos.

Hoje, o setor encontra-se em uma encruzilhada parecida, mas por motivos diferentes. Temos uma produção pujante, que beira os 5 milhões de barris equivalentes por dia, com nível de carbono significativamente abaixo da média global. Isso signfica que, no atual cenário de excesso de oferta de petróleo em nível global, uma redução da produção nacional representaria um aumento de emissão dos gases de efeito estufa já que outros países produtores mais poluentes ocupariam esse vácuo. A presença contínua de grandes players internacionais, aliada ao crescimento de empresas independentes de capital nacional (no upstream e no downstream), evidencia as perspectivas promissoras do setor.

Por outro lado, ainda há muito o que fazer, a começar pelo reforço do quadro jurídico-institucional que embasa o setor.

Até recentemente, a ANP passou por um longo período sem diretores titulares. A diretoria-geral permaneceu cerca de oito meses sem indicação definitiva, enquanto a Diretoria 4 ficou vaga por mais de um ano e meio. Embora a lei 13.848/19 limite a atuação de substitutos a 180 dias, a relativa demora na aprovação das indicações pelo Senado exigiu nomeações contínuas de interinos para garantir a continuidade das atividades da agência.

A escolha para as posições de Artur Watt Neto e Pietro Mendes, dois profissionais com reconhecida experiência e importantes entregas para o setor, ajudou a fechar o capítulo. Mas a conclusão do livro depende de esforços além dos da própria agência, e envolve, a um só tempo, a atuação da sociedade, do governo federal e do legislativo.

Em particular, chama atenção a recente realização de operações contra braços do crime organizado que se infiltraram no setor de refino e de distribuição de combustíveis do país. Essas iniciativas, embora importantes e urgentes, precisam do apoio de um regramento claro, que combata a face mais insidiosa da atuação ilícita no setor: a contumácia fiscal, um expediente que se aproveita de brechas legais e normas menos rigorosas para permitir o não recolhimento sistemático de tributos e a comercialização de combustíveis abaixo do preço de mercado.

Depois de superar a vacância nas diretorias da ANP, o Congresso se depara agora com o desafio de aprovar uma lei que dê combate ao "dumping fiscal".

Dentre os projetos de lei sobre a matéria, destaca-se o PLP 125, recém-aprovado pelo Senado federal.

O PLP considera como devedor contumaz o contribuinte que tem dívidas tributárias de R$ 15 milhões ou mais, inscritas em dívida ativa ou declaradas e não pagas. Para isso, o valor precisa superar 100% do patrimônio informado no último balanço e a empresa deve estar irregular em quatro períodos consecutivos ou seis alternados dentro de 12 meses.

O projeto determina que empresas classificadas como devedoras contumazes estarão sujeitas a determinadas sanções, incluindo o impedimento de usufruir de benefícios fiscais, participar de licitações públicas, firmar contratos com órgãos públicos e propor ou dar continuidade a processos de recuperação judicial. Além disso, poderá ser declarada a inaptidão do cadastro no CNPJ enquanto persistirem as condições que caracterizam a prática.

Embora possam parecer severas, trata-se de medidas absolutamente necessárias: estima-se que, desde 2022, grupos criminosos tenham auferido R$146 bilhões com combustíveis, cigarros, bebidas e ouro, montante cerca de 10 vezes maior que a quantia obtida com a venda de drogas. Desses, R$61,5 bilhões seriam provenientes do setor de combustíveis.

Pior que o delito presente, no entanto, é o prejuízo ao desenvolvimento futuro. Ao sonegar receitas que deveriam ser direcionadas ao orçamento de políticas públicas, o devedor contumaz "rouba" do próprio Estado a capacidade de combatê-lo, com a alocação de recursos para a ANP, investimentos em infraestrutura logística e energética, e o aprimoramento dos mecanismos de fiscalização setoriais.

Os aprendizados do passado nos ajudam hoje a tomar decisões melhores e mais bem informadas. Priorizar escolhas técnicas, respaldadas por dados e sustentadas por um marco regulatório eficiente, é o caminho para garantir que o setor continue a crescer de forma sustentável e alinhada aos interesses do país. E, de fato, com sua rica experiência, o Brasil já provou que sabe transformar desafios em oportunidades - agora, precisa provar que sabe proteger o que construiu.

Felipe Boechem

Felipe Boechem

Sócio de Petróleo e Gás do Lefosse.

Rafael Martins

Rafael Martins

Counsel de Petróleo e Gás do Lefosse.

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