Falsificação de assinaturas no registro empresarial
Efeitos jurídicos e competência da Junta Comercial: Da suspensão do registro até o cancelamento administrativo do instrumento.
terça-feira, 28 de outubro de 2025
Atualizado às 14:48
A falsificação de assinatura em atos societários arquivados na Junta Comercial é um dos vícios mais graves que podem afetar a higidez dos registros empresariais no Brasil. Trata-se de violação direta ao princípio da veracidade registral, à segurança jurídica dos atos mercantis e à própria livre iniciativa, pilares do Direito Empresarial.
A legislação societária brasileira confere às Juntas Comerciais não apenas um papel formal de registro, mas também o dever de zelar pela regularidade extrínseca dos atos apresentados - especialmente no que tange à autenticidade das assinaturas apostas nos documentos arquivados1.
A matéria encontra disciplina central na lei 8.934, de 1994, que regulamenta o registro público de empresas mercantis:
Art. 1º O Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins, observado o disposto nesta Lei, será exercido em todo o território nacional, de forma sistêmica, por órgãos federais, estaduais e distrital, com as seguintes finalidades:
I - dar garantia, publicidade, autenticidade, segurança e eficácia aos atos jurídicos das empresas mercantis, submetidos a registro na forma desta lei;
(...)
Art. 35. As Juntas Comerciais têm competência para:
I - arquivar os atos constitutivos, suas alterações e extinções, bem como os atos relativos a empresários individuais, sociedades empresárias e cooperativas;
II - dar publicidade, autenticidade, segurança e eficácia aos atos jurídicos.
Essa competência é operacionalizada pelo decreto 1.800, de 19962, que regulamenta a referida lei. O art. 40, §§ 1º e 2º do decreto é expresso:
Art. 40. As assinaturas nos requerimentos, instrumentos ou documentos particulares serão lançadas com a indicação do nome do signatário, por extenso, datilografado ou em letra de forma e do número de identidade e órgão expedidor, quando se tratar de testemunha.
§ 1º Sempre que for devidamente comprovada a falsificação da assinatura constante de ato arquivado, o Presidente da Junta Comercial deverá, após intimação dos interessados, desarquivar o ato viciado e comunicar o fato às autoridades competentes.
§ 2º Havendo indícios substanciais de falsificação, os efeitos do ato devem ser suspensos até a verificação da autenticidade.
Conforme consta do citado decreto, o presidente da Junta Comercial, quando está diante de uma falsificação de assinatura em documento registrado, possui competência para desarquivar um ato ou suspendê-lo, a depender da situação. Com base no § 1º do art. 40 do decreto 1.800 havendo a comprovação de falsidade deverá o ato ser desarquivado. Já, de acordo com o § 2º do art. 40 supracitado, existindo o indício de falsidade, o presidente da Junta Comercial deverá suspender3 os efeitos do ato.
Considerando a importância do tema, o DREI regulamentou a matéria através dos arts. 115 e 116 da IN 81, de 2020, que em linhas gerais detalha o procedimento a ser adotado, a saber: O interessado deve encaminhar petição, devidamente instruída com os documentos comprobatórios da alegada falsidade, ao presidente da Junta Comercial. Antes da decisão do presidente, os demais envolvidos devem ser intimados para manifestação no prazo de dez dias úteis e, deve, ainda, ser ouvida a Procuradoria da Junta Comercial.
Durante o trâmite do processo, o presidente da Junta Comercial deverá suspender liminarmente os efeitos do ato até a sua finalização. Ao final, sendo constatada a falsificação, o documento deve ser desarquivado e ser encaminhadas comunicações obrigatórias à polícia, ao Ministério Público e à Receita Federal.
Importante destacar que, quando um ato societário é registrado com assinatura falsificada, estamos diante de ato jurídico nulo ou inexistente4 - não passível de convalidação, tampouco sujeito a decadência ou prescrição.
O princípio da nulidade absoluta dos atos jurídicos é uma garantia fundamental no ordenamento jurídico brasileiro, assegurando que atos viciados desde sua origem não possam produzir efeitos. Este princípio está consolidado no CC, especialmente nos arts. 169 e 682, e sua aplicação busca garantir a segurança jurídica e a proteção da boa-fé.
O art. 169 do CC é claro ao estabelecer que o ato jurídico nulo é insuscetível de ratificação. Isso significa que um ato que padece de um vício tão grave que o torna nulo desde sua origem não pode ser validado ou corrigido posteriormente, independentemente de quaisquer tentativas de ratificação. A nulidade absoluta afasta qualquer possibilidade de convalidação, já que um ato juridicamente inexistente não pode adquirir eficácia nem mesmo por meio de manifestação posterior, seja ela de ratificação ou de qualquer outro tipo de convalidação. A essência do ato jurídico, portanto, não pode ser restaurada quando os vícios que o invalidam são insuperáveis.
Portanto, mesmo que anos se passem, a falsificação pode e deve ser reconhecida e anulada pela Administração, com base no princípio da autotutela consagrado na súmula 473 do STF:
A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos (...).
Esse consagrado entendimento jurisprudencial foi acolhido pelo ordenamento jurídico positivo por meio da lei 9.784, de 1999, que, no seu art. 53 prevê a possibilidade de a Administração Pública rever seus atos e anulá-los quando contrários à lei:
Art. 53. A Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos.
Além disso, o art. 54 da lei 9.784, estabelece que o prazo decadencial de 5 anos não se aplica em caso de má-fé, hipótese que se configura quando há falsificação dolosa da assinatura.
Dessa forma, a Junta Comercial não apenas pode, como deve intervir quando identificada falsificação, por duas vias:
- Indícios consistentes de falsificação: Suspensão dos efeitos do ato (§ 2º do art. 40 do decreto 1.800)5.
- Prova inequívoca da falsificação: Desarquivamento definitivo do ato, com comunicação às autoridades (§ 1º do art. 40 do decreto 1.800).
Frisamos que esse poder-dever decorre do princípio da legalidade administrativa e da função de tutela do registro mercantil - reforçado pelo art. 53 da lei 9.784, que obriga a Administração a anular atos ilegais.
Oportuno deixar claro que, tal como em qualquer ato submetido a registro, a competência da Junta Comercial se restringe na verificação ou não das formalidades legais dos instrumentos. Ou seja, não deve adentrar no mérito de eventuais conflitos, mas deve prezar pela observância das formalidades legais, bem como pela veracidade registral.
No que tange ao tema de falsificação de assinaturas, no Recurso ao DREI 14022.015361/2024-92, o DREI - Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração foi taxativo em dispor que sendo devidamente comprovada a falsificação, deve o ato ser desarquivado: "Veja-se que o §1º do art. 40 do Decreto nº 1.800, de 1996, é claro ao dispor sobre a obrigatoriedade do desarquivamento de ato viciado desde que comprovada a falsificação da assinatura e, independentemente de prazo, uma vez que o Decreto dispõe que "sempre' que for comprovada a falsificação da assinatura, o Presidente da Junta Comercial deverá desarquivar o ato viciado."
Recentemente, no bojo do Recurso ao DREI 16100.002819/2025-80, o DREI determinou a suspensão do registro de uma alteração contratual em razão da "existência de indícios de falsificação de assinatura"6.
Portanto, a falsificação de assinatura no âmbito das Juntas Comerciais não é um mero detalhe burocrático, mas um vício jurídico de natureza absoluta e insanável, que atinge a própria existência do ato jurídico empresarial.
Diante da comprovação ou de indícios consistentes de falsificação em assinaturas, a atuação no âmbito administrativo deve ser imediata, pois, além de termos um ato ilícito, há o comprometimento da estrutura organizacional da sociedade, que pode gerar graves prejuízos financeiros.
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1 É a redação do artigo 1.153 do Código Civil: "Cumpre à autoridade competente, antes de efetivar o registro, verificar a autenticidade e a legitimidade do signatário do requerimento, bem como fiscalizar a observância das prescrições legais concernentes ao ato ou aos documentos apresentados".
2 Em 2019, houve uma alteração do texto do Decreto nº 1.800, para permitir o desarquivamento administrativo do ato, mesmo sem uma decisão judicial, desde devidamente comprovada a falsificação da assinatura constante de ato arquivado, e, após intimação dos interessados, garantidos a ampla defesa e o contraditório aos envolvidos.
3 A suspensão dos efeitos não se confunde com o cancelamento e, portanto, enseja apenas a anotação cadastral quanto à suspensão, não implicando no retorno dos dados cadastrais ao status do documento anteriormente arquivado (parágrafo único do art. 116 da IN DREI nº 81).
4 DIREITO CIVIL. AÇÃO ANULATÓRIA. ATO DE REGISTRO DE CONTRATO SOCIAL DE SOCIEDADE EMPRESÁRIA NA JUNTA COMERCIAL. FRAUDE. UTILIZAÇÃO DE DOCUMENTOS SUBTRAÍDOS. FALSIDADE DA ASSINATURA FIRMADA NO CONTRATO SOCIAL. CANCELAMENTO DO ATO REGISTRÁRIO. IMPERATIVIDADE. PRETENSÃO FORMULADA EM FACE DA JUNTA COMERCIAL DO DISTRITO FEDERAL. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. AFIRMAÇÃO. ÓRGÃO COMPETENTE PARA O REGISTRO E RESPECTIVO CANCELAMENTO. PERTINÊNCIA SUBJETIVA. 1. A Junta Comercial, como órgão municiado de competência para promover o registro e arquivamento dos atos constitutivos, e respectivas alterações, das sociedades mercantis, é a única revestida de legitimação para compor a angularidade passiva da lide que tem como objeto a invalidação do registro que efetuara sob o prisma de que derivara o contrato social arquivado de fraude, à medida em que, a par da sua pertinência subjetiva com a pretensão, ostenta competência e suporte legal para promover a desconstituição almejada. 2. Considerando que todo e qualquer negócio jurídico tem como pressuposto de existência a vontade dos contratantes, a inexistência de manifestação volitiva válida e eficaz contamina sua própria subsistência, tornando-o inapto a germinar e irradiar os efeitos que dele eram esperados, resultando dessas premissas que, comprovada fraude na celebração de contrato social de empresa, porquanto nele aposta a chancela de terceiro estranho à relação negocial, o negócio não se aperfeiçoa, devendo ser afirmada sua nulidade. 3. Constatada a nulidade do contrato social da sociedade empresarial por ter derivado de fraude, não traduzindo a manifestação de vontade dos contratantes, o vício, tornando inexistente o vínculo negocial, afeta o registro e arquivamento promovidos pela Junta Comercial como pressuposto de eficácia do ato constitutivo, determinando que o órgão seja instado a desconstituir o registro promovido de forma a ser expungido do universo jurídico o negócio que efetivamente não subsistira por lhe faltar elemento essencial. 4. Remessa necessária conhecida e desprovida. Unânime. (TJ-DF - Remessa de Ofício: RMO 20080110130734)
5 Recurso ao DREI nº 14021.101898/2022-12
6 No caso em comento, consta dos autos que foi juntado Laudo Pericial Criminal realizado pelo Instituto Técnico Científico de Perícia - ITEP, de modo que nos parece que a melhor decisão seria no sentido de desarquivar o ato viciado, conforme preceitua o § 1º do art. 40 do Decreto nº 1.800.


