Direito penal é superestimado ou pouco estudado?
O Direito penal e o processo penal são superestimados, mas pouco estudados.
quarta-feira, 19 de novembro de 2025
Atualizado às 14:32
Introdução
O direito penal e o processo penal são superestimados? Não são áreas chatas da faculdade, pois todos as "amam". Contudo, parcela ínfima as estudam também. Acalme-se, porque não estou escrevendo este texto com a finalidade de denegrir a área e seus profissionais de forma alguma! Porém, cabem alguns pontos sobre a temática, como: (1) a decadência da população leitora; (2) a tradição do ensino jurídico - com base na pesquisa realizada pelo professor Hector Luiz1 e do professor Lênio Streck2; (3) o direito penal superestimado e pouco estudado.
Em um primeiro momento, achava o direito penal superestimado quando ingressei na graduação e fui avançando ao longo do curso de Direito. Via que os acadêmicos enalteciam a matéria, como a rainha das disciplinas jurídicas. Delegado e promotor de justiça são cargos importantes, sim. Guardam consigo o status. Todavia, deve-se ressaltar que as matérias são muito superestimadas e pouco estudadas (a fundo)! Por que isso acontece? Farei breves observações sobre a questão abaixo.
Retratos da leitura no Brasil: queda de leitores
O Brasil possui uma ínfima população leitora. Havia uma pesquisa realizada pelo Itaú Cultural em parceria com o Instituto Pró-livro, denominada Retratos da Leitura no Brasil3. Esta foi realizada novamente no ano de 2024. A pesquisa considera "leitor" (coloco entre aspas) aquele que leu um livro inteiro ou partes de um livro em três meses à realização da pesquisa - o que evidencia a decadência literária brasileira. Em suma, a pesquisa demonstra que de 2019 para o ano de 2024 o número de leitores apresentou uma queda significativa. Inclusive, na referida pesquisa ora efetuada, a quantidade de leitores do ensino superior apresentou queda, ou seja, os universitários leem cada vez menos desde última pesquisa realizada. Quer dizer que o brasileiro lê muito pouco, incluindo os acadêmicos. Isso reflete negativamente na academia jurídica, pois é uma área que exige um aprofundamento na leitura - o que, de praxe, é muito difícil de se ver nas universidades brasileiras atualmente. Portanto, a população de leitores está em extinção em terrae brasilis, o causa preocupação ao se inserir na seara jurídica, haja vista que esta exige um nível de leitura maior.
Pedagogia do poder e simplificação da linguagem
Em consonância com o exposto anteriormente, há o que o professor Hector Luiz denomina de tradição do ensino jurídico. Esta se ampara numa andragogia (termo utilizado pelo autor para se referir à pedagogia) do poder - pautada na simbologia do poder dos professores do ensino jurídico. O Direito é poder, de maneira simplista. Na academia não é diferente, conforme aponta o autor. A própria estrutura de uma sala de aula indica um afastamento do professor - geralmente este possui um alto cargo jurídico, principalmente o docente que leciona penal - em relação aos alunos. Ademais, pauta-se essa andragogia no status de um cargo público e na própria estrutura de poder entre professor e aluno. Frise-se também que o autor indica que há, infelizmente, uma cultura do bacharelado, dos cursinhos preparatórios e dos manuais - versões simplificadas das doutrinas e tratados jurídicos - que "facilitam" (entre aspas, porque simplificam, conforme Lênio Streck) o processo de aprendizagem, fazendo com que o aluno, ser-no-mundo imiscuído na linguagem, veja esta empobrecer e, consequentemente, empobrece o mundo para si e sua compreensão acerca dele. Acontece também que a cultura "bacharelesca" é voltada à produção mercadológica de profissionais, deixando pouco espaço para a produção científica - que deveria ser a finalidade de uma universidade: a produção do conhecimento de caráter científico. Mas como isso se conecta com o superestimado direito penal? Ora, conecta-se no sentido de ele ser muito enaltecido, no entanto pouco estudado - visto o exposto a respeito da cultura do ensino jurídico em crise no Brasil.
Direito e processo penal: muito superestimado e pouco estudado
Por fim, o direito penal e o processo penal são ramos importantíssimos do Direito. Pautam-se nos princípios da necessidade, intervenção mínima e fragmentariedade, por exemplo, protegendo aqueles bens jurídicos que outras áreas não "dão conta" de defender e, para que seja o direito penal efetivado, necessita de um procedimento - que é o processo penal. Ocorre que estes ramos do saber são poucos estudados, mas muito superestimados pelos acadêmicos. Primeiro, o brasileiro lê pouco, incluindo-se, aí, o acadêmico de Direito. Além disso, o estudo jurídico - as leituras - prestam-se a serem demasiadamente superficiais, haja vista a cultura da simplificação da linguagem jurídica para os estudantes e a cultura dos manuais simplificados. Segundo, buscam o status e o poder (veja aí a pedagogia ou andragogia do poder) de um cargo público, imersos em uma cultura "bacharelesca" e mercantilizada que se volta à produção mercadológica e não, de fato, para a produção científica e de conhecimento.
Breve nota conclusiva
O direito penal, (in)felizmente, é superestimado, pouco aprofundado e estudado. A problemática não será resolvida facilmente. Problemas culturais são solucionados ao longo de anos e anos... O que posso afirmar para o leitor deste artigo é: não superestime apenas a seara criminal; superestime também os estudos desta área!
Portanto, estude muito e leia doutrinas e clássicos, como Beccaria, Foucault, Carnelutti, Roxin, Aury, Ferrajoli e os autores imprescindíveis desse ramo jurídico, pois assim, individualmente, aprenderá a disciplina - sem simplificações e superficialidades - haja vista que o estudo é solitário.
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1 FIGUEIRA, Hector Luiz Martins. Tradição do ensino jurídico: representações de uma pedagogia do poder. Rio de Janeiro: Autografia, 2022.
2 STRECK, Lênio Luiz. Ensino jurídico e(m) crise: ensaio contra a simplificação do direito. São Paulo: Contracorrente, 2024.
3 Disponível em: https://www.prolivro.org.br/wp-content/uploads/2024/11/Apresentac%CC%A7a%CC%83o_Retratos_da_Leitura_2024_13-11_SITE.pdf. Acesso em: 26 de out. 2025.


