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Reforma tributária: ITCMD ameaça herança global?

A reforma tributária virou o jogo. O ITCMD agora pega seu patrimônio e herdeiros no exterior. Trusts e offshores sob novo escrutínio. Entenda o risco e a janela de oportunidade.

quarta-feira, 19 de novembro de 2025

Atualizado às 14:49

Por muito tempo, o planejamento sucessório de grandes fortunas no Brasil se dividiu em duas estratégias principais: as soluções domésticas (como as holdings familiares) e as internacionais (como trusts e fundações em jurisdições mais amigáveis). Acreditava-se que, ao tirar o patrimônio do solo brasileiro e colocá-lo em estruturas offshore, ele estaria, em grande parte, blindado das intempéries fiscais e sucessórias nacionais, especialmente do ITCMD - Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação.

Essa crença, confortável para muitos, acaba de receber um golpe da reforma tributária.

A EC 132/23, embora focada principalmente na tributação do consumo, trouxe em sua esteira uma alteração fundamental no Art. 155, § 1º, inciso III da Constituição Federal. Essa mudança, que pode parecer uma nota de rodapé para os desatentos, é na verdade uma alteração importante no mundo de planejamento sucessório internacional. Ela não apenas tornou obrigatória a progressividade do ITCMD, como estabeleceu, de forma inequívoca, a competência do Estado para instituir o imposto sobre bens móveis, títulos e créditos situados no exterior.

O recado é claro: seu patrimônio global está agora sob o poder do fisco estadual brasileiro. O que antes era uma "área cinzenta" da legislação, onde a jurisprudência oscilava, agora é uma certeza imposta pela reforma tributária.

A nova realidade do ITCMD pós-reforma.

Vamos verificar a essência da mudança trazida pela reforma tributária no âmbito do ITCMD:

  1. ITCMD sobre bens no exterior: Se o doador tiver domicílio no Brasil e o bem for no exterior, o imposto será devido ao Estado do domicílio do doador. Se o de cujus (falecido) tinha domicílio no Brasil e deixou bens no exterior, o ITCMD será devido ao Estado do domicílio do falecido. Isso encerra o debate jurídico sobre a constitucionalidade da cobrança do imposto sobre heranças e doações de bens localizados fora do país. É uma pá de cal em teses defensivas que vigoravam há décadas.
  2. Progressividade: Todos os Estados agora são obrigados a adotar uma tabela progressiva para o ITCMD, ou seja, quanto maior o valor da herança ou doação, maior a alíquota. Embora a alíquota máxima ainda seja limitada a 8% por Resolução do Senado, a tendência, alimentada pela nova sede arrecadatória dos Estados, é que essa alíquota máxima seja aplicada com mais rigor e, futuramente, haja pressão para que o próprio limite de 8% seja revisto para cima, seguindo padrões internacionais que chegam a 20%, 30% ou mais.

Para famílias com patrimônio significativo e, principalmente, com parte desses ativos (ou os próprios herdeiros) residindo no exterior, a reforma tributária abriu uma nova frente de risco. A estratégia de "internacionalizar" o patrimônio para escapar do ITCMD brasileiro perdeu grande parte de sua eficácia.

O redesenho das estruturas internacionais: Trusts, PICs e fundações.

As estruturas internacionais, como TrustsPICs - Private Investment Companies fundações de interesse privado, sempre foram ferramentas poderosas para gestão, proteção e sucessão de patrimônio. Elas ofereciam discrição, flexibilidade e, muitas vezes, uma considerável otimização fiscal.

reforma tributária não as torna ilegais ou inúteis, mas muda a forma como elas devem ser concebidas e geridas:

  • Transparência: Com o crescente intercâmbio de informações fiscais entre países (CRS, FATCA) e a recente lei 14.754/23 (que tributa ativos offshore), a era do "segredo bancário" e do anonimato fiscal para brasileiros acabou. Tentar esconder patrimônio no exterior é uma rota para problemas graves.
  • A "natureza" do Trust: Um trust, se bem estruturado (especialmente o irrevogável e discricionário), ainda pode ser uma ferramenta robusta para segregação patrimonial e governança sucessória, dificultando (mas não eliminando) a cobrança do ITCMD. O debate agora se move para se o trust é uma "doação" (passível de ITCMD) ou um simples contrato, ou se o patrimônio transferido ainda pertence, de alguma forma, ao instituidor. A discussão jurídica será intensa.
  • PICs e fundações: Empresas offshore (PICs) que detêm ativos, e fundações, continuarão a ser veículos válidos para gestão. O desafio será na transferência das cotas ou dos direitos sobre essas entidades. A reforma tributária exigirá que a sucessão dessas estruturas seja transparente e, muito provavelmente, sujeita ao ITCMD brasileiro se o instituidor/falecido for domiciliado no país.

Alternativas inteligentes em um ambiente hostil: Criatividade.

O aumento da carga tributária sobre a sucessão é um convite à engenharia legal. Se o Estado fecha uma porta, o mercado tenta abrir outras.

  • Seguros de vida resgatáveis e previdência privada (PGBL/VGBL): Estes instrumentos, por suas características jurídicas, geralmente escapam da incidência do ITCMD. Ganham, portanto, um destaque ainda maior no planejamento sucessório, como forma de transferir liquidez sem o ônus do imposto sobre herança.
  • Novas configurações de offshores com "controle disfarçado": A busca por estruturas onde o controle formal não recaia sobre o instituidor ou seus herdeiros diretos, mas sim sobre trustees ou gestores profissionais em jurisdições de baixo ou zero ITCMD, pode se intensificar. Isso requer um nível de sofisticação e de desapego ao controle direto que poucos estão dispostos a aceitar, e está sob forte escrutínio das autoridades fiscais.
  • Criptoativos como meio de transferência: Embora não sejam uma solução para o ITCMD em si (o valor do ativo cripto transferido por herança/doação continua sujeito ao imposto), a fluidez e a (pseudo)anonimidade das transferências de criptoativos podem ser utilizadas para reorganizações patrimoniais que, em um primeiro momento, escapam dos mecanismos de rastreamento tradicionais, mas não da obrigação fiscal. Isso, claro, em uma zona de altíssimo risco legal e reputacional.

Advertência: É bom reiterar que a reforma tributária e as leis que a complementam visam aumentar a transparência e a arrecadação. Qualquer tentativa de evasão ou simulação fiscal, especialmente no contexto internacional, é um caminho que pode trazer consequências ruins. Esteja amparado por bons profissionais.

Conclusão: uma janela fechada, outras se abrindo para quem agir rápido...

reforma tributária encerrou a era da "escapatória" do ITCMD para o patrimônio internacional. A partir de agora, a sucessão de bens no exterior será, invariavelmente, um ponto de atenção fiscal no Brasil.

Para o C-Level e famílias com patrimônio global, sugerimos:

  1. Revisão imediata de estruturas internacionais: Se você tem um trust, PIC ou fundação, sua estrutura precisa ser auditada. Ela está alinhada com as novas regras da reforma tributária e da lei 14.754/23? Sua constituição resiste a um questionamento do Fisco?
  2. Modelagem e cenarização: Simule o impacto do ITCMD (considerando a progressividade e o potencial aumento futuro) sobre seu patrimônio global. Qual o custo real dessa transmissão?
  3. Explore soluções legais otimizadas: A busca por instrumentos como seguros de vida e previdência privada ganha força. A consultoria especializada será crucial para redesenhar seu plano sucessório, maximizando a proteção e a eficiência fiscal dentro dos limites da lei.

reforma tributária redefiniu as regras do jogo. A ignorância ou a inação podem significar um complicador no seu legado programado. O tempo de agir é agora, com a clareza e a expertise de quem entende o novo cenário global.

Lucas Pereira Santos Parreira

VIP Lucas Pereira Santos Parreira

Sócio no Escritório Rosenthal e Sarfatis Metta Advogados Associados. Mestre em Direito Empresarial e Especialista em Direito Tributário, Direito Civil e Direito Contratual.

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