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Novo custo para empresas em acordos trabalhistas sem reconhecimento de vínculo

O TST definiu que acordos trabalhistas sem vínculo geram contribuição previdenciária de 31%, elevando custos empresariais.

quarta-feira, 29 de outubro de 2025

Atualizado às 14:31

Em setembro, o TST consolidou, por meio do julgamento do Tema 310 no IRR, a tese de que incide contribuição previdenciária sobre os valores pagos em acordos trabalhistas homologados judicialmente, ainda que não haja reconhecimento de vínculo de emprego. O precedente reafirma a Orientação Jurisprudencial 398 da SDI-1, agora com efeito vinculante, impondo observância obrigatória a todos os TRTs.

A decisão retira a margem de manobra que, até então, permitia às partes afastar o recolhimento ao classificar valores como indenizatórios ou de natureza civil. Ao reconhecer que a natureza da verba decorre da essência econômica e não da nomenclatura atribuída, o TST reforçou que a prestação de serviços, mesmo sem vínculo formal, gera obrigação contributiva nos termos da Constituição Federal¹ e da legislação previdenciária². 

A relevância da medida é significativa, pois altera a forma como as empresas conduzem negociações judiciais. Em cenário anterior, a atribuição de caráter indenizatório ao montante do acordo reduzia custos e limitava a incidência de contribuições. A consolidação do Tema 310 impõe que todo valor pactuado integre a base de cálculo da contribuição previdenciária, fixada em 20% a cargo da empresa tomadora de serviços e 11% a cargo do trabalhador, este na condição de contribuinte individual. O impacto global alcança, portanto, 31% sobre o valor do acordo. Não se trata de mera atualização jurisprudencial, mas de um divisor de águas que modifica substancialmente os custos empresariais e exige reavaliação das políticas de composição de passivos.

O efeito prático pode ser ilustrado com um exemplo simples. Em um acordo no valor bruto de R$ 100 mil, incidirá contribuição previdenciária de 20% sobre o valor total a cargo da empresa tomadora de serviços (R$ 20 mil) e de 11% sobre o mesmo valor a cargo do trabalhador, na condição de contribuinte individual (R$ 11 mil). 

Nesse cenário, o custo total do acordo para a empresa pode chegar a R$ 120 mil, caso o valor negociado de R$ 100 mil seja líquido para o trabalhador. Nessa hipótese, o empregador precisará desembolsar o valor principal acrescido da contribuição patronal.

Já se o valor de R$ 100 mil representar o montante bruto a ser partilhado entre as partes, o valor líquido efetivamente recebido pelo trabalhador será reduzido pela retenção dos 11% de sua contribuição. 

Em ambos os casos, o impacto previdenciário agregado corresponde a 31% do valor do acordo, devendo esse ônus ser considerado previamente nas tratativas para evitar distorções e execuções fiscais. 

Diante dessa realidade, as empresas não podem negligenciar o custo adicional, sob pena de verem seus passivos aumentarem de forma exponencial. Além do impacto financeiro imediato, soma-se a possibilidade de execução judicial em caso de ausência de recolhimento, cenário já observado em decisões recentes dos TRTs da 2ª e da 15ª regiões, que passaram a determinar prazos expressos para a comprovação do recolhimento previdenciário, reforçando a eficácia prática da tese vinculante³.

Do ponto de vista estratégico, o novo entendimento exige das empresas um redesenho das formas de negociação. As alternativas passam pela previsão do custo previdenciário já no momento da composição, a inclusão desse valor no cálculo final a ser desembolsado, a pactuação de montantes líquidos que incorporem os encargos e, em alguns casos, até o reconhecimento parcial de vínculo empregatício, com a finalidade de individualizar parcelas remuneratórias e indenizatórias. Essas soluções devem ser avaliadas caso a caso, sempre com foco na redução de riscos e na racionalização dos custos. A ausência de adaptação pode não apenas encarecer acordos, mas também expor empresas a execuções fiscais e trabalhistas, comprometendo fluxos de caixa e previsões orçamentárias.

É importante destacar que, quando já existe vínculo de emprego reconhecido em relação à empregadora direta, inclusive nas situações em que a empresa acordante figure apenas como responsável subsidiária, o Tema 310 não produz alteração prática imediata. Nessas hipóteses, a incidência previdenciária sobre as verbas de natureza salarial decorre de obrigação legal já consolidada, e as composições judiciais normalmente discriminam de forma adequada as parcelas tributáveis e indenizatórias. Isso não diminui, contudo, a importância da tese para o mercado empresarial em geral. A decisão do TST fecha a possibilidade de que acordos celebrados sem reconhecimento de vínculo sejam estruturados como indenizatórios para afastar o recolhimento, reforçando que a segurança jurídica e a transparência devem orientar as negociações. Companhias que ignorem o novo cenário podem assumir custos inesperados e comprometer sua governança corporativa.

Em conclusão, o Tema 310 do TST consolidou a tese de que a incidência das contribuições previdenciárias sobre acordos judiciais independe do reconhecimento formal do vínculo de emprego, alcançando também aqueles em que as partes atribuem natureza indenizatória aos valores ajustados. Embora o precedente assegure uniformidade e combata práticas que historicamente camuflavam obrigações tributárias, sua aplicação amplia de modo significativo os custos empresariais e restringe alternativas negociais. Essa postura rigorosa pode, em determinados cenários, gerar discussões sobre os limites constitucionais da tributação, sobretudo quando o acordo envolver parcelas que, por sua natureza intrinsecamente reparatória, não guardam relação direta com a remuneração do trabalho. 

Não se descarta, portanto, que o STF venha a ser instado a apreciar a compatibilidade do entendimento com o princípio da legalidade tributária4 e com a definição constitucional de fato gerador da contribuição social. Até que eventual revisão ocorra, permanece às empresas o dever de incorporar integralmente a carga previdenciária às tratativas, adotar políticas internas de prevenção e ajustar sua governança jurídica e financeira a uma realidade em que a antecipação estratégica deixou de ser opção e se tornou imperativo de gestão.

______________ 

¹ Constituição Federal, art.195 ,I, "a".

²Lei 8.219/91, arts. 22, III, e 30, §4º.

³ Exemplos:1001418-67.2025.5.0302;1001504-84,2025.5.02.0319;0011933-19.2025.5.15.0044

4 Constituição Federal , art.150, I : princípio da legalidade tributária. Ver também: Lei 8.212/91, art.28, que define o salário de contribuição.

Agatha Marquezini

Agatha Marquezini

Sócia da Lee, Brock, Camargo Advogados, Pós-graduada em Direito Público pelo Espaço Jurídico de Pernambuco e em Direito e Processo do Trabalho pela Faculdade CERS. Coautora do livro "Mulheres no Direito Trabalhista" - Edição Poder de uma Mentoria, publicado pela Editora Leader.

Karla Santos Nunes

Karla Santos Nunes

Advogada Trabalhista da Lee, Brock, Camargo Advogados, com mais de 16 anos de experiência no preventivo e contencioso de empresas de pequeno e médio porte. Pós-graduada em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho e Direito Civil e Processo Civil e LGPD.

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