Embargos rurais, a prescrição e o IRDR 94 do TRF-1
Será que o problema é mesmo a prescrição? Embargos ambientais ativos há décadas e a impossibilidade de regularização ambiental: o problema da administração.
quinta-feira, 30 de outubro de 2025
Atualizado às 14:53
Como cidadão brasileiro e advogado atuante no Direito Administrativo Sancionador Ambiental, às vezes noto que todos nós - inclusive a própria administração - estamos presos em "sinucas de bico" criadas pelo pacto federativo. O problema é um só: ação descoordenada entre os entes federativos.
O meio ambiente, como bem difuso, é objeto de proteção por todos os entes federativos, a teor do art. 23, VI e VII, da CF. A LC 140/11, no intuito de racionalizar e coordenar esta atuação, trouxe as regras que fixam a competência de cada ente. Quanto à fiscalização, incluindo a aplicação de embargos ambientais, a norma deixou claro que todos os entes podem fiscalizar; entretanto, prevalecerá a autuação do ente competente para o licenciamento (art. 17, § 3º), salvo omissão ou insuficiência deste - ADIn 4.757.
Em que pese a disposição acima quanto à fiscalização, todos exercem o poder regulamentar, que nada mais é do que a interpretação de cada ente sobre normas impostas a todos. Por exemplo: suponha que haja uma supressão irregular de vegetação nativa, com aplicação de dois embargos relacionados ao mesmo ilícito - um pela SEMAD-MG, outro pelo Ibama.
A solução para a suspensão da medida, em Minas Gerais, se dá com a assinatura de um termo de compromisso chamado "Requerimento de Intervenção Ambiental", o famoso "Documento Autorizativo de Intervenção Ambiental - DAIA corretiva", em que se busca a regularização do local em que houve a supressão irregular. É um termo de compromisso para reparar o dano local.
Por sua vez, para solucionar o embargo do Ibama, a teor da Instrução Normativa Ibama 08/2024, será necessário: CAR validado pelo órgão competente; licença ambiental expedida pelo órgão competente; termo de compromisso ambiental para reparar o dano ocasionado; Cadastro Técnico Federal; "outros documentos que o Ibama achar pertinente".
Não é preciso qualquer esforço para entender que as autarquias federais, que em regra não são os entes responsáveis pelo licenciamento ordinário de atividades rurais (agricultura e pecuária), colocam barreiras praticamente intransponíveis para que haja a suspensão da medida de embargo pelos meios ordinários. Enquanto os estados exigem a reparação local do ilícito, o Ibama exige muito mais.
O IRDR 94 DO TRF-1 - O problema - o verdadeiro - nunca foi a prescrição
E por que a reflexão deste texto? Justamente em razão do IRDR 94 instaurado no TRF da 1ª região. No dia 28/10/2025 houve a primeira reunião técnica para discutir os possíveis efeitos da prescrição da pretensão punitiva sobre os embargos ambientais. A reunião contou com advogados, entidades representativas, como o Instituto de Direito Agroambiental - IDAM, a Federação de Agricultura e Pecuária de Mato Grosso - FAMATO, a OAB Nacional, representantes da União, Ibama, Ministério Público Federal e Ministério do Meio Ambiente.
Cada parte defendeu seu ponto de vista. O setor produtivo argumentou que o embargo não pode permanecer indefinidamente na propriedade; o setor público sustentou que o embargo deve permanecer até que seja comprovada a regularização ambiental do imóvel, por meio da validação do Cadastro Ambiental Rural. Cada um teceu suas considerações jurídicas: o particular invocou a estrita observância do ordenamento; a administração, o art. 225 da Constituição e suas normas regulamentares (decreto 6.514/08) que, com todo respeito, são criadas unilateralmente e não podem servir de fundamento para validar a "imprescritibilidade" de medida restritiva se não há lei autorizativa em sentido estrito.
Apesar do alto grau técnico da discussão, o foco foi único: manter o embargo; levantar o embargo. Poucos, de maneira tímida, se atentaram ao principal: "como suspender o embargo na via administrativa, perante o Ibama ou ICMBio, sem falar de prescrição?"
Aqui há várias situações distintas, cada qual com suas peculiaridades:
- Aqueles proprietários que possuem área rural que atende materialmente o Código Florestal com relação aos índices de reserva legal e APP;
- Aqueles proprietários que suprimiram vegetação além do permitido pelo Código Florestal, mas anteriormente a 22/07/2008, atraindo o regime das áreas consolidadas;
- Aqueles proprietários que suprimiram dentro do percentual exigido pelo Código Florestal, ainda que depois de 22/07/2008;
- O mais complexo: aqueles proprietários que suprimiram indevidamente, em desrespeito ao Código Florestal, após 22/07/2008.
Cada situação merece tratamento específico, mas todas aquelas que precisam de alguma regularização passam por um ponto de convergência: termo de compromisso ambiental. Quais? Termo de compromisso do PRA (art. 59 do Código Florestal) para as áreas consolidadas; termo de compromisso comum (art. 79-A, § 3º, da lei 9.605/98) para os ilícitos praticados posteriormente ao marco das áreas consolidadas.
Dito isso, na reunião, com exceção de poucos que defendiam o setor produtivo, ninguém trouxe a principal questão: o IRDR começou na Justiça Federal justamente diante do conflito que as autarquias federais criaram com suas normativas severamente restritivas, em dissenso com as normas dos órgãos licenciadores.
Talvez seja interessante, do ponto de vista pragmático, chamar ao debate quem realmente importa: o ente competente para efetivar o licenciamento ambiental - os Estados. É a eles, de acordo com a LC 140/11 e com a OJN 49/13, que cabe atestar a regularidade ambiental, não podendo o Ibama criar novos "parâmetros" para o que seja regularidade.
Não é incomum que os advogados ouçam: "Ora, doutor, não consigo levantar esse embargo do Ibama, ele não aceita meus documentos". Nestes casos, o que resta ao advogado, em razão da recalcitrância das autarquias, é encontrar nulidades processuais ou alegar a perda do poder punitivo - a famosinha prescrição.
São incontáveis os processos em que a Justiça Federal, inclusive a própria relatora do IRDR 94, a competente Dra. Ana Carolina Roman, reconhece a recalcitrância do Ibama em suspender os embargos ambientais. Como se diz na língua do povo, "chega a estar nascendo bigode no embargo" de tão velhos que são, sem funcionalidade protetiva ao meio ambiente, restando apenas efeitos os extradominiais.
Processos punitivos antigos, em área consolidada ou em área passível de supressão, não necessitam de "termo de compromisso de reparação de dano ambiental". As áreas consolidadas possuem regime próprio de regularização via PRA; já as áreas passíveis de uso alternativo do solo, basta efetivar o licenciamento. Aliás, licenciamento que ainda está em discussão no Congresso Nacional.
O ponto principal, entretanto, é o requisito imposto pelo Ibama: o CAR validado. Todos já estão carecas de saber que o CAR é um instrumento declaratório que possui validade, a partir de sua inscrição, para todos os efeitos legais. Não cabe à administração, portanto, condicionar a regularidade ambiental de um imóvel à "validação" de algo que só está em suas mãos realizar.
Assim, ninguém usa a prescrição "feliz". A prescrição é válvula de escape pela dupla ineficiência da administração: a uma, porque não analisam os cadastros rurais e porque não aceitam a regularidade material atestada pelo ente competente para licenciar; a duas, porque eles mesmos deixam prescrever seus procedimentos sancionadores, e o ordenamento é claro: toda punição está sujeita à prescrição.
O dúplice caráter punitivo do embargo ambiental
Ao final da reunião, a relatora deixou dois questionamentos:
1) Finalizado o processo administrativo ambiental e confirmado o embargo, ele prescreve?
A pergunta é simples e com resposta objetiva: não. Houve o devido processo legal; a pena foi aplicada e deve ser cumprida. O que cabe agora é questionar a recalcitrância da administração em reconhecer eventual regularização da área embargada.
2) O embargo se vincula à área ou ao CPF do sujeito?
A resposta também é simples: o embargo possui dupla vinculação. Vincula-se à área, por meio do polígono do local do ilícito, e ao CPF/CNPJ do sujeito que cometeu o ilícito. Isso está evidenciado nos arts. 57 e 58 da IN 19/2023 do Ibama.
O ponto que deve ser levado em consideração, entretanto, são os efeitos extradominiais. O Manual de Crédito Rural e as empresas adquirentes de produção fazem dupla checagem: tanto na área quanto no CPF/CNPJ do sujeito, e isso também em razão de acordos setoriais.
Em resumo: o art. 51, § 1º, do Código Florestal não é cumprido quanto ao princípio da adstrição do embargo ao local do ilícito, ocasionando a inclusão do sujeito em uma "lista de degradadores" ambientais, que passa a ter severas dificuldades para trabalhar. É uma espécie de condenação com impossibilidade de ressocialização. Afinal, a regularização também passa pelo crivo da administração: a tal "validação do CAR" e os outros requisitos administrativos criados por normativas infralegais.
Os desmatadores da Amazônia
Um ponto deve ficar claro: o foco deste artigo são áreas legais, produtivas, e não áreas públicas. Ninguém possui dúvidas e ninguém defende que em terra indígena, unidades de conservação de proteção integral e determinadas áreas públicas possa haver intervenções econômicas fora dos preceitos legais. Não é possível, por exemplo, que um particular implante agricultura ou pecuária em terra indígena fora dos padrões normativos. Nesses casos de ilegalidade não há dúvidas: todo esforço deve ser feito para que não haja produção. O foco aqui são as propriedades particulares, ainda que irregulares no quesito fundiário.
Assim, não pode o Estado - e aí se inclui não só a administração, mas também o judiciário - colocar "todos no mesmo saco". Um produtor rural em área particular que suprimiu reserva legal não pode ser equiparado a um sujeito que invadiu terra pública federal, desmatou, usurpou bem da União e cometeu vários ilícitos que não só os ambientais. Nestas áreas o sujeito merece todo o rigor da lei.
O que não se pode é, sob pretexto de "proteger a Amazônia; é ano de COP30; é o art. 225 da Constituição", deturpar o ordenamento para criar, por decreto - norma unilateral e sem legitimidade democrática - uma punição tamanha.
Aliás, o próprio art. 16-A do decreto 6.514/08 - os famigerados embargos remotos coletivos por edital, que violam todas as garantias previstas na Constituição - são objeto de questionamento na ADPF 1229. O ministro Flávio Dino, em decisão monocrática, suspendeu apenas os processos de primeira instância que determinaram a retirada de gado das áreas, não havendo determinação de retirada dos polígonos embargados. A decisão não validou os embargos por edital; apenas evitou, preventivamente, o esvaziamento patrimonial imediato dos produtores enquanto a questão constitucional não é decidida definitivamente.
A prescrição alcança o embargo - e o meio ambiente não fica desprotegido
A questão central do IRDR 94 é: a prescrição da pretensão punitiva atinge o embargo ambiental? A resposta é sim, e por razões simples. O embargo ambiental é sanção administrativa. Está previsto no art. 72, §§ 1º e 8º, da lei 9.605/98 e no art. 51 do Código Florestal, sempre atrelado a um ilícito, como uma das penalidades aplicáveis aos infratores ambientais. É uma medida de natureza híbrida, com efeitos cautelares e punitivos imediatos, em razão da inserção do nome do sujeito na lista de embargos.
Como toda sanção administrativa, o embargo está submetido ao regime jurídico-sancionador, que impõe limites temporais ao exercício do poder punitivo estatal. A lei 9.873/99 estabelece o prazo prescricional de cinco anos para a pretensão punitiva da administração federal. Não há exceção para embargos ambientais. Não há ressalva para "sanções ambientais". A norma é clara: prescreve em cinco anos a ação punitiva da Administração Federal.
O decreto 6.514/08, ao disciplinar o embargo, não criou - nem poderia criar - uma categoria de sanção imprescritível. decreto não revoga lei. Norma infralegal não afasta prescrição prevista em lei. Argumentar que o embargo seria eterno porque "vinculado ao dano ambiental" é confundir institutos. Uma coisa é a obrigação de reparar o dano ambiental, que de fato é imprescritível (STF, Tema 999). Outra, completamente distinta, é a medida administrativa de embargo, oriunda do poder de polícia.
A administração insiste: "o embargo só se levanta com a regularização ambiental". Mas essa exigência, por si só, não torna a medida imprescritível. O que ocorre é que a administração condiciona o levantamento do embargo a requisitos que só ela pode cumprir (validação do CAR) ou que extrapolam sua competência (atestar regularidade ambiental quando o ente licenciador já o fez).
Declarada a prescrição da pretensão punitiva, o embargo - enquanto sanção - perde sua exigibilidade. Isso não significa que o dano ambiental foi anistiado. Significa apenas que o Estado perdeu, por sua própria inércia, o direito de manter aquela específica penalidade. E aqui está o ponto que precisa ficar claro: o meio ambiente não fica desprotegido com a declaração da prescrição do embargo.
Primeiro, porque a obrigação de reparar o dano ambiental persiste. O produtor que causou supressão irregular continua obrigado a recuperar a área, seja por termo de compromisso, seja por ação civil pública, seja por adesão ao PRA (para áreas consolidadas). A prescrição da sanção não extingue o dever de reparação.
Segundo, porque o Código Florestal, por si só, já impõe limitações ao uso da propriedade. A reserva legal e as APPs são obrigações ex lege. O produtor não pode usar essas áreas para atividades produtivas, independentemente de haver ou não embargo. A norma ambiental continua vigente e exigível.
Terceiro, porque o órgão licenciador estadual continua competente para exigir a regularização ambiental como condição para licenciar novas atividades. Se o produtor quer expandir sua produção, precisará demonstrar conformidade ambiental. O licenciamento ambiental é o instrumento preventivo por excelência - não o embargo punitivo.
Quarto, porque a declaração de prescrição não impede que o Ibama ou ICMBio voltem a fiscalizar a área. Se houver novo desmatamento, nova infração, novo embargo. O que prescreve é a pretensão punitiva de um processo administrativo específico, não a competência fiscalizatória da autarquia.
O que a prescrição faz, na verdade, é retirar do ordenamento jurídico um embargo que já não cumpre mais sua função. Um embargo de dez, quinze anos, cujo processo administrativo se arrasta sem conclusão, que impede o produtor de comercializar e obter crédito, mas que não promove qualquer recuperação ambiental efetiva, não protege o meio ambiente. Ele apenas pune indefinidamente.
A administração não pode, sob o argumento genérico de "proteção ambiental", eternizar sanções. O Estado Democrático de Direito não convive com punições perpétuas. Toda sanção prescreve. O embargo, como sanção que é, não escapa dessa regra. Se a área precisa ser recuperada, que se exija a recuperação pelos instrumentos adequados: termo de compromisso, TAC, licenciamento condicionado. Mas não pela manutenção eterna de uma sanção cuja pretensão punitiva já se exauriu no tempo.
O meio ambiente se protege com gestão eficiente, com validação do CAR em tempo razoável, com coordenação entre os entes federativos, com instrumentos de regularização que funcionem. Não se protege com embargos perpétuos que só servem para listar produtores como "degradadores" sem oferecer qualquer caminho real de regularização. A prescrição do embargo não é brecha para a impunidade. É consequência da própria ineficiência administrativa. E reconhecer isso não enfraquece a proteção ambiental - apenas recoloca o debate onde ele deveria estar: na efetividade da reparação do dano, não na eternização da punição.
A reflexão: o problema realmente é a prescrição?
Se formos olhar bem a fundo, o grande problema não é e nunca será a prescrição. O problema dos embargos ambientais, como bem narrei no livro "embargos ambientais em áreas rurais", é a disparidade documental exigida pelos entes federais em relação aos órgãos licenciadores.
Se a administração focasse no problema - o local do ilícito... Se a administração focasse na gestão - "será que o CAR é o mecanismo mais eficiente?"... Se a administração focasse em atuação coordenada - é justo que cada ente tenha um requisito diferente para suspensão do embargo?... Se a administração focasse em eficiência de regularização e incentivo para isso, em vez de melhorar a eficiência punitiva, talvez esse IRDR não existisse.
Lembremo-nos: o CAR nasceu em 25 de maio de 2012. Até hoje, treze anos depois, somente 4% foi validado. O problema realmente é do administrado que não regulariza?


